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O Organon da Arte de Curar

Prefácio à 1ª Edição

 

     De acordo com o testemunho de todos os tempos, não há mister mais unanimemente considerado uma arte conjectural do que a medicina. Consequentemente, nenhum domínio tem menos direito do que ela de recusar inquérito que investigue se está bem fundamentada, tanto mais que dela depende a saúde do homem – seu mais precioso tesouro na terra.

     Considero resultar em honra para mim ser o único que a submeteu, nestes últimos tempos, a uma investigação honesta e criteriosa e comunicou suas convicções em escritos publicados, ora com, ora sem o meu nome.

     Nessa investigação encontrei o caminho da verdade, mas tive de palmilha-lo sozinho, muito longe da estrada comum da rotina médica. Quanto mais avançava de verdade em verdade, tanto mais se afastavam minhas conclusões do velho edifício, que construído com opiniões, somente de opiniões se mantinha.

     Os resultados de minhas convicções estão expostos neste livro. Resta ver se os médicos, que pretendem agir honestamente para com a sua consciência e o seu semelhante, vão apegar-se à teia perniciosa de conjecturas e caprichos ou abrirão os olhos à verdade salutar.

       Devo advertir o leitor de que indolência, apego ao conforto e obstinação excluem do altar da verdade serviço eficiente e somente isenção de preconceitos e zelo incansável qualificam para o mais sagrado de todos os misteres humanos – a prática do verdadeiro sistema médico. O médico que nesse espírito inicia seu trabalho assimila-se diretamente ao Divino Criador, cuja criatura humana ajuda a preservar e cuja aprovação o torna três vezes bendito.

                           Samuel Hahnemann, 1810.

Prefácio à 2ª Edição

 

     Os médicos são meus irmãos – nada tenho pessoalmente contra eles – e a arte médica é o meu objetivo.

    Cabe-me indagar se a medicina, como até aqui ensinada, procedeu das idéias, ilusões e fantasias de seus professores derivou da natureza.

     Se meramente o produto de sutilezas especulativas, máximas arbitrárias, práticas tradicionais e deduções caprichosas, ela é e permanece uma nulidade, conte embora milhares de anos e ostente condecorações de todos os reis e imperadores da terra.

   A verdadeira arte de curar é, por natureza, pura ciência experimental. Pode e deve repousar em fatos claros e fenômenos perceptíveis, pertencentes à sua esfera de ação, pois todos os elementos de que trata são clara e satisfatoriamente cognoscíveis pelos sentidos, através da experiência. O conhecimento da doença a tratar, o conhecimento dos efeitos dos medicamentos, como empregar esses efeitos, verificados, das drogas, na remoção das doenças – tudo isso só a experiência adequadamente ensina. Seus elementos só podem derivar de experiências e observações puras. Ela não ousa dar um simples passo fora da esfera de experiências e experimentos puros e bem observados, evitando tornar-se uma nulidade, uma farsa.

      Mas, que toda a arte médica como até praticada nesses 2500 anos, embora o tenha sido, por falta de coisa melhor, por milhões de médicos, muitos dos quais de mentalidade séria e elevada, é ainda, sob todos os respeitos, coisa extremamente estúpida, inútil e completamente nula, prova-se pelas seguintes considerações, poucas e indiscutíveis.

     A razão, sem ajuda, nada pode saber por si (a priori); não pode, só por si, estabelecer conceito sobre a natureza das coisas, sobre causa e efeito, toda e qualquer de suas conclusões deve sempre basear-se em evidências palpáveis, em fatos e experiências, se quiser extrair a verdade. Se, na sua operação, desviar-se, um único passo, da orientação do perceptível, ela perder-se-á na região ilimitada da fantasia e da especulação arbitrária – mãe de ilusões perniciosas e absoluta nulidade.

      Nas ciências puramente experimentais, na física, química e medicina, a razão meramente especulativa não pode, por conseguinte, ser ouvida. Lá onde aja por si, degenera em fantasia e especulações vazias e produz somente hipóteses arriscadas que, milhares de vezes, são e por sua própria natureza devem ser ilusões e falsidades.

      Tal tem sido até aqui a esplêndida prestidigitação da chamada medicina teórica, em que concepções a priori e sutilezas especulativas criaram uma porção de escolas orgulhosas, que apenas mostram o que cada fundador sonhou sobre coisas que não podem ser conhecidas e são inúteis no tratamento das doenças.

      Desses sublimes sistemas, pairando bem acima de toda a experiência, a prática médica nada obteve de aproveitável, como tratamento efetivo. Assim, prosseguiu confiantemente o seu curso à cabeceira dos doentes, de acordo com as prescrições tradicionais dos livros que dizem como os médicos têm até aqui tratado e de conformidade com os métodos de suas autoridades práticas, indiferente aos ensinamentos da experiência guiada pela natureza, indiferente às verdadeiras razões do tratamento e perfeitamente satisfeita com a chave de uma prática fácil – o livro de receitas.

       Um exame sadio, consciencioso e sem preconceitos desse assunto confuso mostra claramente que aquilo que até aqui existiu com o nome de ´arte médica´ era mera invenção pseudo-cientifica, remodelada de tempos em tempos para ajustar-se à moda que prevalece em sistemas médicos, como o chapéu de Gellert na fábula e, no que diz respeito ao tratamento da doença, o mesmo método, cego e pernicioso.

      Uma arte de curar, conforme à natureza e à experiência, não existia. Tudo na medicina tradicional era resultado de arte e imaginação, sem fundamentação na experiência, apenas adornada com os atavios da probabilidade.

      O objeto do tratamento (a doença) era fabricado e posto em ordem pela patologia. Dispunha-se arbitrariamente sobre quais doenças deveriam existir, sobre quantas e quais de suas formas e variedades. Ora vejam! A série inteira de doenças, produzidas em inumeráveis e sempre imprevisíveis variedades pela Natureza infinita, em seres humanos expostos a milhares de condições diferentes, a patologia impiedosamente reduz a mero punhado de moldes retalhados e ressequidos!

      Os sabichões definem doenças a priori e atribuem-lhes substratos transcendentes não justificados pela experiência. Poderá jamais a experiência, pura e límpida, sancionar sonhos tão fantásticos? Não! Eles afetaram uma penetração no intimo das coisas, nos processos vitais invisíveis, que nenhum mortal pode possuir.

    Então, para determinar algo positivo quanto aos instrumentos de cura, supunham-se os poderes dos diferentes medicamentos da matéria medica, pelas suas propriedades físicas, químicas ou outras qualidades desconexas. Pelo cheiro, gosto, aspecto exterior – e principalmente por experiências impuras à cabeceira dos enfermos, onde se prescreviam somente misturas medicamentosas, no tumulto dos sintomas mórbidos, para casos de doença imperfeitamente descritos. Vejam só! O poder dinâmico e espiritual de alterar a saúde do homem, poder recôndito do íntimo invisível dos medicamentos e nunca manifesto pura e verdadeiramente senão pelos seus efeitos no homem são, foi-lhes atribuído arbitrariamente, sem interrogar os próprios medicamentos por esse único meio admissível de experimento puro e sem esperar pelas respostas, quando assim questionados!

     Ai então, a terapêutica ensinava como aplicar esses medicamentos, de propriedades conjecturadas, atribuídas ou imaginadas, à suposta causa fundamental da doença ou a simples sintomas de conformidade com a regra contraria contrariis do forjador de hipóteses Galeno e em direta oposição à natureza. Considerava-se essa doutrina mais do que suficientemente estabelecida, se em seu abono se pudessem citar eminentes autoridades

       Todas essas doutrinas artificiais, depois de ligadas entre si por toda a sorte de deduções falsas e ilógicas, eram então fundidas em moldes escolásticos pela nobre arte que se devota à divisão, subdivisão e tabelamento e...pronto! O artigo fabricado, a arte médica, está pronto para o uso – a coisa mais oposta à natureza e à experiência que é possível conceber, uma estrutura edificada inteiramente com as opiniões de espécies varias, de milhares de mentalidades, diferentemente constituídas. Em todas as suas partes esse edifício é pura nulidade, lamentável ilusão, eminentemente próprio para por em perigo a vida humana pelos seus métodos de tratamento, contrario cegamente ao fim em vista, incessantemente ridicularizado pelos homens mais sábios de todos os tempos, oprimido pela injuria de não ser o que afirma ser e de não ser capaz de cumprir o que promete.

      Por outro lado, uma reflexão sóbria e sem preconceitos convencer-nos-á facilmente de que, manter visão correta sobre cada caso de doença a curar, obter conhecimento acurado do verdadeiro poder das drogas, de que, emprega-las por um plano adaptado a cada condição mórbida e administra-las em doses apropriadas – de que, em suma, a verdadeira arte de curar – nunca poderá ser produto de raciocínios aprazíveis e opiniões ilusórias, mas, os requisitos para o seu exercício, tanto os materiais como as regras, somente se descobrirão pela devida atenção à natureza por intermédio de nossos sentidos, por observações honestas e cuidadosas e por experimentos conduzidos com toda a pureza possível e de nenhuma outra maneira: que seja rejeitada toda a mescla falsificada de sentenças arbitrárias e se rebusque o único meio proporcionado ao valor, alto e precioso, da vida humana.

         Resta ver se, pelo meu labor consciencioso nesse sentido, foi encontrada a verdadeira arte de curar.

Samuel Hahnemann. Leipzig, fins do ano de 1818.

Prefácio à 3ª Edição

 

     Nos cinco anos decorridos após a publicação da segunda edição, a verdade da arte homeopática de curar encontrou tanta aceitação por médicos, próximos e distantes, que já não poderá ser obscurecida e muito menos extinta pelas publicações injuriosas, que, entretanto, não falta.

     Regozijo-me com os benefícios que ela já proporcionou e antecipo com intenso prazer, embora eu já não esteja aqui embaixo, os dias não distantes em que uma futura geração da humanidade faça justiça a essa dádiva de um Deus clemente e, se beneficie com os meios abençoados que Ele proveu para o alivio dos seus sofrimentos físicos e mentais.

      Conseguiu-se grande auxilio no desenvolvimento da boa causa no estrangeiro com a boa tradução francesa, da última edição, recentemente publicada com grande sacrifício por esse filantropo genuíno e meu erudito amigo – o Barão von Brunnow. Ele enriqueceu-a com um prefácio que traz uma exposição da arte homeopática e curar e seu histórico, ao mesmo tempo que serve de introdução ao estudo da própria obra.

    Neste terceira edição, não me abstive de fazer quaisquer alterações e emendas sugeridas por conhecimentos ampliados ou tornados necessários por subseqüente experiência.

Samuel Hahnemann Küthen, Páscoa, 1824.

Prefácio à 4ª Edição

 

     Se essa natureza que se basta a si mesma nas doenças, que os médicos da escola tradicional acreditam ser a incomparável arte de curar, fosse fiel imitação do mais elevado objetivo do médico, a grande Natureza em si e por si, isto é, a voz de inefável sabedoria do grande Artífice do universo infinito, sentir-nos-iamos compelidos a sermos guiados por essa voz infalível, apesar de embaraçados para compreender por que nós médicos, pela nossa interferência artificial com medicamentos, perturbaríamos ou nocivamente agravaríamos essas operações supostamente incomparáveis, do auto-auxilio da natureza nas doenças (vis medicantrix).

      Mas o caso está longe disso! Essa natureza, cujo auto-auxílio a escola medica tradicional alega ser a incomparável arte de curar, a única digna de imitar-se, é meramente a natureza individual do homem orgânico, não é senão a força vital, instintiva, irracional, irrefletida, sujeita às leis orgânicas do nosso corpo, que O Criador ordenou mantivesse as funções e sensações do organismo em condições maravilhosamente perfeitas, desde que o homem continue em boa saúde, mas não foi destinada nem adaptada para boa restauração da saúde, uma vez perturbada ou perdida.

    Pois, tenha nossa força vital sua integridade prejudicada por influências nocivas de fora, esforçar-se ela, instintiva e automaticamente, por libertar-se desse transtorno adventício (doença) por processos revolucionários. Esses mesmos esforços são, eles próprios, doença, uma segunda e diferente doença, que se substitui à original.

    A força vital produz,repito, de acordo com as leis da constituição do organismo a que está sujeita, uma doença de espécie diferente, destinada a expelir a doença atacante, esforçando-se para consegui-lo pela dor, por metástases e assim por diante, mas principalmente por evacuações e sacrifício de boa parte dos constituintes fluidos e sólidos do corpo, com resultados difíceis, nocivos, muitas vezes dúbios e frequentemente mesmo desastrosos.

     Não estivessem os homens de todos os tempos cientes dessa imperfeição, dessa não rara insuficiência dos esforços cegos da força vital, instintiva e irrefletida, nas tentativas de auto-auxilio nas doenças, não ansiariam tanto, não se empenhariam tão zelosamente em ajudar a força vital sofredora, tão impotente para ajudar-se eficientemente, pelo emprego de melhores recursos medicamentosos, com o fim de terminar o processo mórbido de maneira mais expedita e segura, restaurando assim a desejada saúde tão rapidamente quanto possível – em outras palavras, não teriam envidado esforços para descobrir uma arte de curar.

     Mas como o que tem sido até aqui chamado ´arte de curar´ é mera (imperfeita) imitação dos esforços e operações, infelizes, inúteis e não raramente nocivos da instintiva e irrefletida força vital (erradamente chamada natureza), quando abandonada a si mesma na doença, ser-me-á concedido, penso, que antes de mim não tinha sido descoberta a verdadeira arte de curar.

     Mas que a homeopatia é essa arte de curar, até agora procurada em vão, seus princípios fundamentais o ensinam, provam-no suas realizações.

 

Samuel Hahnemann. Köten, janeiro, 1829.

Prefácio à 5ª Edição*

 

Nota do Tradutor : Sendo a sexta edição do Organon, um exemplar da quinta edição, com entrefolhas do próprio punho de hahnemann, nota-se que, quanto aos dois prefácios consecutivos, o Mestre pouco modificou. Cotejando cuidadosamente os prefácios da quinta e da sexta edições e não levando em conta alterações mínimas, só de estilo e redação, pareceu-nos de interesse a tradução só da parte final. Nessa parte final, verificam-se duas diferenças de certa monta: 1).em certo trecho que, em si, apresenta pequenas modificações na forma, sem mudança no sentido, há uma chamada, com o respectivo rodapé, que só aparece na quinta edição; 2).o trecho a seguir, mais longo, bem no fim, também não foi incluído na sexta edição.

Daremos aqui esses dois trechos, com a chamada intercolada entre eles, em tipos menores, orientação que será adotada, para maior facilidade de leitura, em toda a obra.

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     Assim a homeopatia é um sistema médico perfeitamente simples, sempre fixo nos princípios e na prática. Esta última se corretamente apreendida, será exclusiva (e só assim útil), como a doutrina em que se baseia. Assim como a doutrina deve aceitar-se na sua pureza, assim também deve ser praticada puramente: todo o extravio**, de volta à perniciosa rotina da velha escola (tão oposta a ela como o dia e a noite) é totalmente inadmissível, do contrário deixa de merecer o honroso nome de homeopatia.

    Que alguns médicos desorientados, que gostariam de considerar-se homeopatistas, enxertem algumas imperícias alopáticas, mais familiares a eles, no seu tratamento homeopático nominal, é isso devido à ignorância da doutrina, preguiça, desrespeito à humanidade sofredora e ridícula presunção. Além de demonstrar imperdoável negligência na pesquisa do melhor especifico homeopático, tem isso origem muitas vezes numa baixa paixão pelo ganho e outros motivos sórdidos – E os resultados? – Não curam doenças sérias e importantes (e a homeopatia pura e cuidados o faz) e enviam os doentes àquele lugar de onde ninguém volta, enquanto os amigos consolam-se com a reflexão de que tudo (inclusive todo o nocivo processo alopático) foi feito para o falecido.

Samuel Hahnemann. Köthen, 28 de março de 1833.

 

* Os prefácios da 1ª à 5ª edição forma retirados o livro ´Exposição da Doutrina Homeopática ou Organon da Arte de Curar´. 1986. Grupo de Estudos Homeopáticos ´Benoit Mure´. SP.

 

** Lamento, portanto o conselho, de sabor alopata, que dei outrora, sobre a aplicação nas costas, em doenças psóricas, de um emplastro resinoso para provocar prurido e sobre o emprego de levíssimas faíscas elétricas, em afecções paralíticas. Pois, como ambas essas aplicações foram raramente proveitosas e serviram de pretexto nos homoepatas híbridos para as suas transgressões alopáticas, eu arrependo-me de te-las proposto e por estas palavras solenemente me desdigo, tanto mais que, desde essa época o nosso sistema homeopático aproximou-se tanto da perfeição que elas absolutamente já não são necessárias.

Saudações especiais,

                                       A vocês que estão a se dispor a servir nesta intensa estrada chamada ´Homeopatia´.

                                      Recebei, agora, aquilo que se pode chamar o cerne, o centro de meu pensamento – quiçá – da minha própria vida e existência: o ORGANON DA ARTE DE CURAR.

                                 Bebai com intensidade, de forma profunda e plena cada gota de néctar que aqui se encontra, eis o ´elixir da longa vida´, aqui se encontra a verdadeira e sagrada ARTE DE CURAR.

                                       Esmiuçai com ardor.

                                       Absorvei com plenitude.

                                       Digeri com paciência.

                                       Ruminai com sinceridade.

                                       Trazei, em vós mesmos, a chama da renovação da vida, e aqui, agora, está sendo vos entregue, o suporte para tal chama.

                                       Fazei destes ensinamentos o archote a guiar-vos diante da neblina do sofrimento humano, iluminai as células, os órgãos, os sistemas, os sentimentos, as idéias...e as almas!

                                       Estudai tudo o mais que puderes, porém, tenha a plena convicção e certeza: o primordial está aqui, nestas poucas páginas, como que a refletir, a dizer: ´o muito está no pouco´(e como já foi dito, ´sede fiel no pouco, e o muito vos será entregue´).

                                       Ide.

                                       Disseminai a Luz.

                                       Disseminai a Cura.

                                       Disseminai a Paz.

                                       Apliquem, primeiro em vós mesmos, depois, espalhai ao derredor.

                                       Entendai que, as idéias em si já são profundas mágicas, especiais e iluminadas ´homeopatias´.

                                       Que vossa existência seja um eterno ato de espalhar Saúde.

                                Entendai, também, que todo sofrimento e dor por que passai, tem por único objetivo te depurar, te sublimar, te fazendo ascender.

                                       Ide, grande é a Seara e, poucos são os seareiros!

 

                                       Paz e Luz.

 

                                       Com carinho,

                                       Do amigo/irmão sempre presente,

Samuel Hahnemann*

 

 

 

* Mensagem psicografada em 22 de junho de 2007.

Introdução

 

Rápidas considerações sobre a medicina exercida até nossos dias: alopatia e métodos paliativos da velha escola medicamentosa.

 

                           Desde que o homem existe, esteve exposto isolada, ou coletivamente, a doenças decorrentes de causas físicas ou morais. Ainda em condições naturais de vida, pouco utilizou os meios de auxílio, pois o modo de vida simples pouco favorecia a ocorrência de doenças. Quando o homem se organizou em Estados, aumentaram as causas mórbidas e, na mesma proporção, o uso de meios de auxilio contra elas. Desde então (logo após Hipócrates, portanto há 2.500 anos), o Homem passou a ocupar-se com o tratamento das doenças cada vez mais numerosas; deixando-se levar por sua vaidade, inventou estes auxílios usado a razão e suposições. Inúmeras e diversas opiniões sobre a natureza das doenças e seus recursos se originaram de cabeças tão diferentes, que chamavam o produto teórico arquitetado pelas mesmas de sistemas (estrutural) com o qual cada um dos demais e ele próprio estavam em contradição.

                           A principio, cada uma dessas sutis exposições produzia, nos leitores, um estado de atordoante espanto, em virtude da ininteligível sabedoria que continha e atraia para o fundador do sistema grande quantidade de adeptos, a repetir como papagaios os sofismas anti-naturais, cuja utilidade, porém, ninguém tinha oportunidade de empregar visando a melhores procedimentos, pois já um novo sistema, muitas vezes, totalmente opostos, desalojava o primeiro, adquirindo novamente reputação por curto espaço de tempo. Eram tramas teóricas de conseqüências ilusórias vindas de cabeças distintas que, na prática, nas atitudes à cabeceira do doente não podiam ser utilizadas, em virtude de sua sutileza e de seu caráter contrário à natureza, prestando-se unicamente ao exercício de vãs polêmicas.

                           Além disso, independentemente de todas essas teorias, formou-se um método de tratamento com misturas de substâncias medicamentosas desconhecidas contra formas de doenças arbitrariamente estabelecidas e catalogadas segundo pontos de vista materiais, em contradição com a natureza e a experiência e, portanto, só se podendo obter daí maus resultados: a velha medicina, chamada alopatia. Sem desconhecer os serviços que muitos médicos prestavam às ciências auxiliares da medicina, aos conhecimentos da natureza em física e química, à história natural em seus diferentes ramos, especialmente o do Homem, à antropologia, à fisiologia e à anatomia, etc., somente me ocuparei aqui com a parte prática da medicina, com o tratamento propriamente dito, a fim de mostrar quão imperfeitamente têm sido tratadas as doenças até hoje.

                           Longe de mim, contudo, está aquela descuidada rotina que consiste em tratar valiosas vidas humanas segundo manuais de receitas cujas constantes publicações infelizmente atestam seu uso cada vez mais freqüente. Abstenho-me de considera-los, por serem a escória da população médica comum. Falo apenas da arte medicamentosa atual, que se julga cientifica, gabando-se de sua antiguidade. Essa antiga escola medicamentosa vangloria-se de ser a única a poder pleitear o nome de ´Arte de curar racional´, alegando que só ela se esforça em pesquisar e afastar a causa da doença e que também procede nas doenças segundo os passos da natureza.

                           Tolle causam! Exclama ela reiteradamente, limitando-se, porém, a esse apelo vão. Presumiam unicamente poder encontrar a causa da doença, mas não conseguiram porque, não sendo reconhecível, não pode ser encontrada. Visto, pois, que sendo a maioria, a grande maioria mesmo das doenças, de origem dinâmica (não material) e de natureza dinâmica (não material) e sua causa também não podendo ser reconhecível materialmente, estavam, então, dispostos a inventar uma, comparando o aspecto dos órgãos normais do cadáver humano (anatomia), com as alterações evidentes destes órgãos internos nos indivíduos mortos por doenças (anatomia patológica) assim como atirar conclusões relativas ao processo mórbido invisível das alterações na essência interior do homem daquilo que parecia resultar da comparação dos fenômenos e funções na vida sadia (fisiologia) com as infinitas alterações da mesma nas inumeráveis condições mórbidas (patologia, semiótica): um obscuro quadro fantasioso que a medicina teórica considerava como sua prima causa morbi[1] que, portanto, deveria ser a causa próxima da doença e também, ao mesmo tempo, a essência interior da doença, a própria doença, não obstante o saudável entendimento humano saber que a causa de algo ou de um acontecimento nunca pode ser simultaneamente esta própria coisa ou este próprio acontecimento. Como poderiam eles, então, sem incorrer no engano, fazer dessa essência interior irreconhecível, objeto de cura, prescrevendo contra ela medicamentos cuja tendência curativa lhes era desconhecida ao menos na maioria e, além do mais, misturar vários desses medicamentos desconhecidos naquilo que eles chamavam de receitas?

                           No entanto, resumiu-se esse projeto sublime de encontrar uma causa interna, invisível e aprioristica da doença, ao menos para os médicos da velha escola que se julgam mais inteligentes, a uma busca – sem dúvida baseada nos sintomas da mesma – daquilo que, provavelmente, poderá ser admitido como o caráter geral do atual caso de doença[2]. Seria a cãibra? A debilidade? Ou seria a paralisia, a febre ou a inflamação? A enduração? OU a obstrução deste ou daquele órgão? A abundância de sangue (pletora)? A falta ou excesso de oxigênio, de carbono, hidrogênio ou nitrogênio nos humores? Aumento ou diminuição de vitalidade do sistema arterial, venoso ou capilar? Proporções relativas dos fatores de sensibilidade, irritabilidade ou de reprodução? Conjecturas que eram suposições demasiado enganosas e hipotéticas para poderem mostrar-se eficazes na prática, sendo honradas pela escola até então dominantes com o nome de indicação causal e consideradas como única racionalidade possível na medicina, incapazes, mesmo que fossem ou pudessem ter sido fundamentadas, de indicar o meio de cura mais adequado para o caso de doença, acalentando certamente o amor próprio do sábio criador, porém induzindo, a seguir, na maioria das vezes, a um procedimento equivocado e estabelecendo indicação curativa mais por ostentação do que por uma pesquisa séria.

                           E quantas vezes, por exemplo, não ocorria em uma parte do organismo espasmo ou paralisia, enquanto que, em uma outra, ocorria uma inflamação aparente! Ou, por outro lado, de onde deveriam provir os medicamentos para ajuda segura a cada um destes supostos caracteres gerais? Mas aqueles que seguramente ajudariam não poderiam com certeza ser outros além dos específicos, isto é o medicamento homogêneo[3] em sua ação ao estímulo morbifico, cujo emprego, no entanto, a velha escola proibira[4] e desaprovara como altamente prejudicial, porque a observação havia ensinado que tais medicamentos empregados em grandes doses haviam se mostrado perigosos diante de uma receptividade tão altamente exacerbada para estímulos homogêneos nas doenças. De menores doses e doses mínimas, contudo, a velha escola não tinha nenhuma idéia. Assim, não se podia nem se sabia curar por via direta (a mais natural) através de medicamentos específicos homogêneos, visto que a maior parte da ação dos medicamentos continuava sendo desconhecida e, mesmo que fosse conhecida, nunca seria possível acertar o meio de cura adequado diante de aspectos generalizados.

                           Entretanto, a antiga escola ainda acreditava, por parecer-lhe mais sensato, procurar um outro possível caminho reto do que trilhar desvios, extinguir doenças através da remoção das (supostas) causas mórbificas materiais – pois, para a escola médica comum, era quase impossível, pelo aspecto e julgamento de uma doença e muito menos pela busca da indicação curativa, desfazer-se dessa idéia material e reconhecer a natureza físico-mental do organismo como uma essência tão altamente potencializada que as modificações vitais nas sensações e funções, as quais são chamadas de doenças, pudessem principal e quase que exclusivamente ser causadas e provocadas através de uma influência dinâmica (não material).

                           A escola dominante via realmente aquela substância alterada pela doença, aquela substância turgescente, como a substância anormal, isolada, como a produtora da doença ou, pelo menos, como a mantenedora da mesma, em virtude de sua pretensa reação, ainda procedendo desse modo até o presente momento. Daí presumir fazer tratamentos causais ao empenhar-se em remover estas imaginárias e supostas causas materiais da doença. Daí suas constantes eliminações da bile através de vômitos na ocorrência de febres biliosas, seus vomitivos nas chamadas afecções estomacais[5],sua presença em purgar as pituitárias, as lombrigas e vermes quando há palidez da face, bulimia, dor abdominal e verme proeminente nas crianças[6], suas sangrias nos casos de hemorragia[7] e, principalmente, toda espécie de retirada de sangue[8] como sua principal indicação em inflamação, que ela, agora, seguindo conhecido procedimento de um sanguinário médico parisiense (como as ovelhas seguem o carneiro mesmo para as mãos do açougueiro) julga dever encontrar em quase todas as partes afetadas do corpo, pretendendo elimina-la com um número mortal de sanguessugas. Dessa maneira, ela acredita seguir genuínas indicações causais e tratar de modo racional.

                           Além disso, a velha escola medicamentosa que tem dominado até agora, acredita também ter curado radicalmente o doente, fazendo um tratamento causal, ligando pólipos, extirpando um abscesso glandular pela sua supuração artificial por meio de irritantes locais, dissecando cistos cutâneos (sebáceos ou melicéricos), operando aneurismas, fístulas lacrimais ou retais, amputando um seio canceroso, um membro afetado por necrose óssea, etc. quando empregam repellentia nas antigas úlceras purulentas nas pernas (às vezes com o auxílio simultâneo de purgativos que não suavizam a doença primitiva, apenas enfraquecendo o doente), secando-as por meio de cataplasmas adistringentes, de óxido de chumbo, cobre ou zinco ou quando cauterizam um cancro ou destroem localmente verrugas, eliminam a sarna da pele com os ungüentos de enxofre, chumbo, zinco ou mercúrio, quando suprimem as oftalmias com solução de chumbo ou zinco e quando acalma as dores repuxantes dos membros com o bálsamo de opodeldoque, as pomadas voláteis ou fumigações de cinábrio ou âmbar. Ela crê também haver eliminado completamente o mal, vencido a doença e empreendido tratamentos causais racionais. Mas o resultado! Mais cedo ou mais tarde, porém, inevitavelmente, as evidentes metamorfoses que ela provoca com tal procedimento (mas que se fazem passar por novas doenças) e que são sempre mais graves que o mal primitivo a desmentem de modo suficiente. Isso poderia e deveria abrir-lhe os olhos acerca da latência profunda da natureza imaterial do mal e de sua origem dinâmica (não material) que, como tal, apenas dinamicamente pode ser eliminada.

                           E sobretudo a hipótese mais aceita pela escola comum até os mais recentes (quisera eu não poder dizer recentíssimos!) era o das substâncias mórbificas (e das acridades), ainda que tão sutilmente imaginadas, que deveriam ser retidas do sangue e vasos linfáticos através da transpiração, pelos órgãos urinários ou mesmo através das glândulas salivares, do peito pelas glândulas traqueais e bronquiais como expectoração do estômago e do tubo intestinal pelo vômito e pelas evacuações intestinais a fim de que o corpo pudesse ser expurgado da causa material que provoca a doença, realizando, assim, um radical tratamento causal. Através de incisões no corpo doente, que transformava em úlceras crônicas, introduzindo, durante anos, substâncias estranhas (cautérios, sedenhos), ela pretendia extrair a matéria pecans do corpo (sempre apenas dinamicamente) doente, como se faz com a borra dos barris abrindo-lhes um escoadouro.

                           Ainda através de constantes emplastros de cantáridas e vesicatórios,, ela pretendia absorver os maus humores e limpar o organismo de toda substância mórbida, causando, contudo, com tal procedimento imprudente e contrário à natureza, o debilitamento do corpo doente, normalmente tornando-o incurável. Reconheço que para a fragilidade humana, é mais cômodo admitir na doença a ser curada (tanto mais que os próprios pacientes deixam levar-se por tal representação), uma substância morbífica que se imagina concreta porque não houve a preocupação com mais nada além de querer saber onde era possível buscar meios suficientes para purificar o sangue e outros humores, facilitar a urina e a transpiração, provocar a expectoração e limpar o estômago e intestino. Daí, não se haver escrito em nenhuma matéria médica, de Discórides até as mais recentes publicações desta espécie, quase nada sobre os medicamentos isolados, sobre sua ação própria e específica, meramente limitando-se, ao contrário, além das indicações de seu suposto emprego contra este ou aquele nome de doença listado pela patologia, a registrar se eles provocam a secreção da urina ou da transpiração, a expectoração ou o fluxo menstrual e, principalmente, se podem provocar a evacuação do tubo alimentar ou intestinal, por vias superiores ou inferiores, porque todo o interesse dos médicos práticos sempre esteve dirigido principalmente para a expulsão de alguma substância morbífica material e acridades (imaginadas) que deveriam fundamentar as doenças.

                           Isso tudo eram, porém, sonhos vãos, suposições e hipóteses infundadas, habilmente engendradas para a comodidade da terapia, que esperava desincumbir-se de modo muito fácil do tratamento através da remoção da substância morbífica material (si modo esse nt!)[9]. Porém, a essência das doenças e sua cura não podem guiar-se por tais sonhos ou pela comodidade dos médicos; as doenças não podem, para agradar àquelas tolas hipóteses alicerçadas sobre o nada, deixar de constituir desarranjos dinâmicos (não materiais) de nossa vida do tipo não material nas sensações e funções, isto é, desarranjos imateriais do nosso estado de saúde. As causas de nossas doenças não podem ser materiais, pois uma mera substância material[10] estranha introduzida nos vasos sanguíneos, embora nos pareça inofensiva, é imediatamente repelida pela força vital como um veneno, ou, quando isso não ocorre, sobrevém a morte. Mesmo quando o menor estilhaço atinge nossas partes sensíveis, o principio vital, onipresente em nosso corpo, não descansa até novamente desaloja-lo por meio da dor, febre, supuração ou gangrena. E é este incansavelmente ativo principio vital que deveria suportar de bom grado, por exemplo, durante vinte anos, uma substância eruptiva material tão hostil,uma acridade herpética, escrofulosa ou gotosa nos humores? Que nosólogo algum dia viu com olhos materiais uma tal substância morbífica a ponto de falar sobre ela com tanta segurança e querer construir, a partir daí, um procedimento médico? Quem já pôde alguma vez representar visualmente uma substância gotosa ou um veneno escrufuloso? Ainda quando a aplicação de uma substância material sobre a pele ou em uma ferida tenha propagado uma doença por contágio, quem pode provar (como tão frequentemente tem-se afirmado em nossas patogenias) que algo material desta substância tenha penetrado em nossos humores, sendo absorvido?[11]. Nenhuma limpeza das partes genitais, por mais esmerada e imediata que seja, consegue proteger do contágio com o cancro venéreo. Mesmo um leve sopro provindo de uma pessoa afetada pela varíola pode provocar essa terrível doença em uma criança sadia.

                           Que quantidade dessa substância material deverá penetrar, desse modo, nos humores para provocar, no primeiro caso, uma penosa doença (sífilis) que, não tratada, só se extingue no fim da vida, com a morte? E, no segundo caso, ao contrário, uma doença (varíola) que mata muitas vezes, rapidamente, causando uma supuração quase geral?[12] Dever-se-á pensar, então, como em todos esses casos, numa substância material morbifica que passou pelo sangue? Já houve muitos casos em que uma carta escrita no quarto de um doente transmitiu à distância, ao leitor da mesma, a doença miasmática. Dever-se-á pensar, aqui, numa substância morbifica material que penetrou nos humanos? Mas para quê todas essas provas? Quantas vezes já não houve casos de uma palavra ofensiva provocar uma perigosa febre biliosa ou uma profecia de morte ocasionar um falecimento na hora anunciada? E uma noticia triste ou muito boa chegar a causar a morte súbita? Onde se encontra, aqui, a substância material morbifica que, por estar presente no corpo, provocou e conservou a doença e sem cuja remoção e expulsão material nenhuma cura radical deveria ser possível?

                           Os defensores da substância morbífica tão grosseiramente aceita deveriam envergonhar-se de ter negligenciado e desconhecido tão irrefletidamente a natureza não material de nossa vida e as causas não materiais dinâmicas que provocam o poder morbifico, assim se rebaixando à categoria de médicos-limpadores, que, pelo seu empenho em expulsar do corpo doente substâncias mórbidas inexistentes, destroem a vida, ao invés de curar. As expectorações desagradáveis e muitas vezes repugnantes nas doenças serão, porventura, justamente a substância mórbida que as provoca e mantém, ou, ao contrário, serão sempre o produto da própria doença, isto é, da vida que foi simplesmente perturbada e alterada dinamicamente? Diante de tal opiniões falsas a respeito da origem e da essência da doença, sem dúvida, ao era de se admirar que em todos os tempos tanto empenho dos práticos tanto medíocres como ilustres e até dos inventores dos mais sublimes sistemas médicos tenha sido dirigido exclusivamente apenas à eliminação e ao extermínio de uma substância morbífica imaginária e à mais freqüente indicação de isola-la, provocando sua expulsão através da saliva, das glândulas traqueais, da transpiração e da urina; a uma limpeza de substâncias do sangue (acridades e impurezas) que nunca existiram, confiantes na ação sensata das beberagens feitas de raízes e caules, a punção mecânica da matéria morbífica imaginada através de sedenhos, cautérios, de contínuos emplastros de cantáridas ou casca de trovisco, mas, principalmente, à expulsão e expurgo de matéria peccans, ou, como eles diziam, a matéria nociva pelo tubo intestinal, por meio de medicamentos laxantes e purgativos a que eles, para conferir-lhes um aspecto mais lisonjeiro e uma importância mais significativa (os infartos?) davam o título de dissolventes e desobstruentes suaves, procedimentos voltados à caça de substâncias mórbificas hostis que jamais puderam existir e que jamais influenciaram na produção e na manutenção das doenças do organismo, que vive graças a um principio não material das doenças que jamais foram senão as perturbações dinâmicas, não materiais, da vida alterada em suas sensações e funções.

                           Supondo, agora, sem poder duvidar, que nenhuma doença, salvo aquelas que são provocadas pela ingestão de substâncias muito indigestas ou nocivas através de sua penetração em outras aberturas e cavidades do corpo, pela penetração de corpos estranhos pela pele, etc, em resumo, que nenhuma doença tem por base uma substância material qualquer mas que todas elas são pura e simplesmente uma alteração virtual dinâmica particular do estado de saúde, quão inadequado deve parecer aos olhos de todo homem sensato um procedimento de cura dirigido para a expulsão[13] de tais matérias imaginárias, visto que nas principais doenças humanas, as doenças crônicas, nada se pode conseguir com esta espécie de tratamento, obtendo-se sempre, pelo contrário, apenas um terrível prejuízo!

As matérias degeneradas e as impurezas que nas doenças se tornam visíveis não são, em resumo, como não de pode negar, outra coisa senão produtos da doença do próprio organismo anormalmente alterado que, muitas vezes, são expulsos violentamente – frequentemente de modo muito violento, sem que se necessite do auxilio da arte evacuante e que são continuamente reproduzidas enquanto ele estiver sofrendo de tal doença. Essas matérias se apresentam ao próprio médico genuíno como sintomas da doença, a fim de que possa cura-la por meio de uma potência morbífica medicamentosa semelhante. Mas os novos adeptos da antiga escola não mais querem ser vistos como praticantes da expulsão das substâncias mórbificas materiais em seus tratamentos.                                                                                                                                                            Eles explicam as numerosas e diversas evacuações como um método derivativo pelo qual a natureza do organismo doente, empenhando-se em ajudar-se,dá seu exemplo ao eliminar a febre pela transpiração e pela urina, ao suprimir a pleurisia pelo sangramento do nariz, os suores e escarros mucosos e outras doenças pelo vômito,diarréias e hemorragias; as doenças articulares pelas ulcerações nas pernas, as inflamações de garganta pela salivação, etc., ou por meio de metástases e de abscessos que a natureza faz surgir em partes do corpo distante daquela que está afetada. Acreditavam, assim, no tratamento da maior parte das doenças, estar fazendo o melhor ao imitar a natureza, também trilhando desvios, como procede a força vital abandonada a si mesma, provocando indiretamente[14] ou mesmo mantendo evacuações por estímulos heterogêneos mais fortes, distantes do foco da doença e normalmente também conservando, nos órgãos menos semelhantes estruturas mórbidas, a fim de, simultaneamente, deslocar para lá o mal. Essa assim chamada derivação foi e continuou sendo o principal método de tratamento da escola dominante.

                           Eles procuravam, segundo a expressão de alguns, pela imitação da natureza que se auto-auxilia, estimular intensamente novos sintomas nas estruturas que estão menos afetadas e que podiam melhor suportar a doença medicamentosa, sintomas esses que, sob a aparência de crises e sob a forma de evacuações, deviam desviar a primeira doença[15], permitindo, assim, uma gradativa resolução das forças curativas da natureza.[16] Isso eles realizavam através de meios sudorificos e diuréticos, através de extrações de sangue, sedenhos e cautérios, mas, principalmente,estimulando o esvaziamento do tubo alimentar e intestinal, às vezes por via superior, graças aos vomitivos, outras vezes e, de preferência, através de evacuações por via inferior, que se chamavam também meios desobstruentes e dissolventes.[17] Esses métodos derivativos de auxilio eram empregados a par de meios irritantes antagonistas que lhe eram afins: lã de carneiro direto sobre a pele, escalda-pés, tratamento pela repugnância, penalização do estômago e do intestino através da fome (tratamento pela fome), meios que provocavam a dor, supuração e inflamação nas partes próximas e afastadas, assim como todas as aplicações e raiz forte, sinapismos, emplastros de cantáridas, trovisco, sedenhos (cautério), pomada de Autenrieth, moxa, ferro em brasa, acupuntura, etc., igualmente conforme o curso da natureza bruta, que, entregue à si mesma na cura das doenças, procura desembaraçar-se da doença dinâmica (inutilmente, se for crônica), excitando a dor nas partes afastadas do corpo pela metástase e pelos abscessos, pelas erupções e úlceras.

                           Evidentemente, a velha escola era movida unicamente pela imitação com a qual queria tornar cômoda a cura, não conferindo uma fundamentação sensata atais métodos de tratamento indiretos, inúteis e perniciosos, tanto derivativos quanto antagonistas, levando a procedimentos tão ineficazes, tão debilitantes e tão agressivos, aparentando minorar ou afastar a doença por um certo tempo, que um outro mal mais grave do que o primeiro era estimulado, ocupando seu lugar. Pode-se, portanto, chamar de cura a um tal estrago? Ela somente estava seguindo a natureza bruta e instintiva nos seus esforços insuficientemente eficazes[18] apenas em crises mórbidas agudas e moderadas, estava imitando apenas a força vital mantenedora da vida, abandonada a si mesma nas doenças e incapaz de qualquer reflexão e que, assentada unicamente sobre as leis orgânicas do corpo, agindo única e exclusivamente segundo tais leis orgânicas, não é capaz de agir segundo a razão e a reflexão.

                           A mesma natureza que não consegue juntar as bordas separadas de uma ferida como um inteligente cirurgião, unindo-as a fim de cura-la, que por mais matéria óssea que elimine (muitas vezes em excesso) não sabe reduzir e adaptar as extremidades deslocadas e afastadas do osso fraturado como também não sabe ligar uma artéria ferida, deixando o ferido, que está com toda sua energia, sangrar até a morte; que não sabe recolocar no lugar a extremidade de um osso deslocado por luxação, impedindo, contudo, pela rápida inflamação produzir ao seu redor, que isso seja feito pelas mãos do Homem, que, a fim de remover um corpo estranho instalado na córnea, destrói o olho todo através da supuração; que apesar de todos os esforços, só sabem reduzir uma hérnia inguinal estrangulada através da gangrena dos intestinos ou da morte e que, através das metamorfoses que provoca nas doenças dinâmicas, frequentemente torna os doentes mais infelizes do que eram antes.

                           Mais ainda: os maiores flagelos de nossa existência terrestre, as centelhas que originam as inumeráveis doenças sob as quais geme a humanidade castigada há séculos e milênios pelos miasmas crônicos (psora, sífilis, sicose), a força vital desprovida de razão os admite no corpo sem hesitar; não sendo capaz, todavia, nem de suavizar o efeito de qualquer um deles e, muito menos, de remove-los do organismo, deixando-os, antes propagar-se, até que a morte, muitas vezes, após um longo e triste período de vida, feche os olhos do sofredor. Como é que a velha escola, que se intitula racional pôde, num empreendimento que exige tanto raciocínio, reflexão e juízo crítico, eleger essa força desprovida de razão como a única e melhor instrutora, como uma condutora cega, imitando sem refletir suas disposições indiretas e revolucionárias nas doenças, imitando-as como a única non plus ultra, a melhor em termos de engenhosidade, visto que, a fim de poder supera-la infinitamente no seu desempenho curativo, nos foi conferido, para o bem da humanidade, aquele dom maior de Deus, o raciocínio lógico e a livre reflexão?

                           Desse modo, quando a arte medicamentosa dominante em seus métodos de tratamento antagonistas e derivativos – procedimentos que lhe são habituais – imitando irrefletidamente a energia vital bruta, automática e desprovida de razão, ajuda as partes e órgãos não afetados, impingindo-lhes uma dor mais forte, ou, como é mais freqüente, compelindo à evacuação com esgotamento das forças e humores, ela está pretendendo desviar a atividade mórbida da vida das partes originalmente atingidas e dirigi-la para outras artificialmente afetadas, forçando, assim, indiretamente, a evasão da doença natural por meio da produção de uma outra espécie de doença bem mais grave nas partes mais sadias, isto é, por meio de um desvio que arrebata as forças e, na maioria das vezes, provoca a dor.[19].

                           Sem dúvida, a doença, se é aguda e de curta duração, cede também a esses ataques heterogêneos às partes afastadas e diferentes, não estando, contudo, curada. Não há nada em tal revolucionário tratamento sem orientação direta e imediata para o primitivo quadro do sofrimento que mereça o honroso nome de cura. Provavelmente, a doença aguda, muitas vezes, ter-se-ia dissipado espontaneamente até antes, sem esses graves ataques ao resto de vida, com menos seqüelas e com menos desgaste de forças. De qualquer modo, nenhum dos dois tratamentos, nem o que procede da natureza bruta, nem a cópia alopática da mesma pode ser comparado com um tratamento direto, dinâmico (homeopático) que, conservando as forças, suprime a doença imediata e rapidamente. Porém, na grande maioria dos casos mórbidos, as doenças crônicas, esses tratamentos turbulentos, debilitantes e indiretos não alcançam quase nunca o mínimo resultado.

                           Eles se limitam a suspender apenas por poucos dias esta ou aquela manifestação mórbida penosa, que, contudo, retorna assim que a natureza esteja acostumada ao estímulo distante do local do mal e a doença que reaparece é pior, pois as dores antagonistas[20] e as evacuações inoportunas fizeram que com as forças vitais entrassem em declínio. Assim, enquanto a maioria dos médicos da velha escola em geral, imitando os esforços curativos da natureza bruta entregue à si mesma, punham em prática, a seu bel-prazer, semelhantes derivações supostamente proveitosas (quando alguma indicação idealizada por sua mente os levava a isso), outros, que se compenetravam de um objetivo ainda mais alto, punham-se diligentemente a favorecer os esforços de auto-ajuda que a força vital logo evidenciava nos casos de doença e que consistem de evacuações e metástases antagonistas, ativando ainda mais tais derivações e evacuações, a fim de auxilia-la, acreditando, com esse procedimento prejudicial, agir como duce natura (Tendo por guia a natureza – N.T.), podendo honrar-se com o título ministri naturae ( Servidores da Natureza – N.T.).

                           Pelo fato de, nas doenças crônicas, as evacuações do doente organizadas pela natureza, não raro, fazem-se sentir pelo alivio, embora efêmero, de estados dolorosos, paralisias, cãibras, etc., a velha escola, ao favorecer, manter e mesmo ativar tais evacuações, considerava-as como o verdadeiro caminho para curar as doenças. Ela não via, porém, que todas aquelas dejeções e eliminações (crises aparentes) que a natureza, entregue a si mesma, produzia nas doenças crônicas, eram apenas paliativas melhoras de curta duração, contribuindo tão pouco para a verdadeira cura que, ao contrário, agravam a doença interna primitiva através do esgotamento de energia e de humores que daí advinham. Jamais se viu, alguém colocar um doente crônico em condições de saúde duradoura por meio de tais esforços da natureza bruta e nem curar uma doença crônica através de tais evacuações provocadas pelo organismo.[21] Em tais casos, ao contrário, o que acontece sempre é um manifesto agravamento após melhorar por um curto espaço de tempo, que se torna cada vez mais e mais curto, retornando as penosas crises cada vez mais fortes e mais freqüentes, apesar das continuadas evacuações.

                           Assim também, quando a natureza entregue a si mesma, nas ocorrências de um mal crônico que ameaçam a vida, não sabe ajudar-se senão pela ocorrência de sintomas locais externos, a fim de apartar o perigo das partes indispensáveis à vida, conduzindo-o para estruturas não indispensáveis à vida (metástases), tais procedimentos da força vital enérgica porém desprovida de razão e incapaz de reflexão e critérios, não consegue uma verdadeira ajuda ou cura, são meras e paliativas suspensões efêmeras do padecimento interno com desperdício de uma grande parte de humores e força, sem a mínima diminuição do mal original e que, sem um genuíno tratamento homeopático, podem, quando muito, retardar o declínio inevitável. A alopatia da velha escola não só superestimava muito tais esforços da natureza da força bruta automática da natureza, mas também os falseava completamente, considerando-os de modo errôneo, genuinamente salutares, procurando fornece-los e estimula-los, na ilusão de poder, talvez, por meio deles, aniquilar o mal, curando-o radicalmente.

                           Quando a força vital nas doenças crônicas, parecia aplacar este ou aquele incômodo o sintoma do estado interior, através de uma erupção cutânea úmida, por exemplo, lá ia o servidor da força bruta natural (minister naturae) aplicar sobre a superfície supurante um emplastro de cantáridas ou um exutório (trovisco), a fim de duce natura retirar da pele ainda mais umidade, favorecendo e apoiando assim, o intuito da natureza, a cura (por meio da retirada da matéria morbífica do corpo); mas, ou ele aumentava muito o padecimento externo, sem proveito algum para o mal original, agravando as dores que tiravam o sono do doente, esgotando suas forças (produzindo até mesmo uma erisipela [erisipelas] febre maligna), quando a influência do meio empregado era demasiado intensa, ou a dermatose úmida muito antiga e o corpo muito excitável, ou por meio de uma ação mais suave sobre o mal local talvez ainda recente, ao repelir, através de uma espécie de homeopatismo externo mal empregado, o sintoma local produzido pela natureza com o fito de aliviar o padecimento interno, ele renovava desse modo, por meio da expulsão do sintoma local, o perigoso mal, levando a força vital a provoca uma metamorfose mais grave em outras partes mais nobres. O doente, em compensação, adquiriu grave oftalmia, surdez, espasmos gástricos, convulsões epilépticas, acessos de sufocação ou apoplexia, doenças mentais ou psíquicas, etc..[22]

                           Na mesma ilusão de querer favorecer a força vital em seus esforços curativos, o minister naturae, quando a força doente da natureza comprimia o sangue nas veias do reto e do ânus (hemorróida cega), aplicava sanguessugas, muitas vezes em demasia, a fim de, por ali, proporcionar ao sangue o escoamento, com pequeno ou nenhum alivio de menção, enfraquecendo, contudo o corpo, ocasionando congestões ainda mais fortes em tais partes, sem provocar uma diminuição, ainda que mínima do mal original. Em quase todos os casos em que a força vital doente, para aplacar um padecimento interno perigoso, procurava expelir sangue por meio do vômito, da expectoração, etc., apressava-se o médico da velha escola, duce natura, a prestar auxílio a tais esforços supostamente salutares da natureza, fazendo escoar abundantemente o sangue das veias, não sem conseqüentes prejuízos e com evidente debilitamento do corpo. Em casos de náuseas crônicas freqüentes, pensando estar auxiliando a intenção da natureza, provocava fortes evacuações gástrica e habilmente causava vômitos, nunca obtendo sucesso, mas frequentemente nocivas conseqüências, não raro perigosas e até fatais. Por vezes, para acalmar a doença interna, a força vital provoca abscessos frios nas glândulas exteriores e ele crê auxiliar as intenções da natureza como seu devotado servidor, ao aplicar nas inflamações toda sorte de fricções abrasivas e emplastros, a fim de abrir a pústula madura por meio da incisão e retirar a matéria morbífica maligna. Quantos longos infortúnios, no entanto, são assim provocados, quase sem exceção, a experiência mil vezes nos tem ensinado.

                           E, como ele, muitas vezes, observara em casos de doenças crônicas breves melhoras de grandes sofrimentos, por meio de suores noturnos espontâneos ou de várias evacuações líquidas, acreditava, então, estar em condições de seguir esses sinais da natureza (duce natura) e dever favorece-los por meio da produção e manutenção de tratamentos sudoríficos completos ou do emprego, durante anos, de laxativos chamados suaves, a fim de favorecer e multiplicar, segundo seu raciocínio, aqueles esforços da natureza (da força vital do organismo desprovida de inteligência) voltados à cura geral do sofrimento crônico, libertando-o, assim, tanto mais rápido e seguramente, de sua doença (da matéria de sua doença?). Com tal procedimento ele apenas provoca sempre o resultado contrário: a agravação do mal primitivo.

                           Em virtude dessa opinião preconcebida, embora sem fundamento, prossegue o médico da velha escola sua contribuição aos esforços[23] de expulsão realizados pela força vital doente,multiplicando tais derivações e evacuações do paciente, nunca atingindo um fim proveitoso, mas somente levando à ruína, sem dar-se conta de que todos os males locais, evacuações e esforços derivativos aparentes, empreendidos e mantidos pela força vital entregue a si mesma e desprovida de razão, com o fito de aliviar o sofrimento crônico original, constituem, justamente, a própria doença, o conjunto de sinais da doença em seu todo contra o qual, praticamente, o único meio de cura – e, na verdade, o caminho mais curto – eficaz e muito rápido teria sido um medicamento homeopático escolhido segundo a ação de semelhança. Já que, tanto nos casos de doenças agudas, como principalmente nas crônicas, tudo aquilo que a natureza faz com o intuito de prestar ajuda é muito imperfeito, chegando mesmo a ser a própria doença, é fácil calcular que o favorecimento artificial dessa imperfeição e dessa doença podia ser ainda mais prejudicial ou, no mínimo, em nada contribuir com os esforços de ajuda realizados pela natureza, mesmo nos caos de males agudos, pois a arte medicamentosa não estava em condições de trilhar os caminhos ocultos, segundo os quais, a força vital organiza suas crises, antes conseguindo atuar somente através de meios exteriores agressivos, ainda menos benéficos do que aqueles que a instintiva força vital, entregue a si mesma, empreende à sua maneira e que acabam sendo, em contrapartida, mais perturbadoras, dissipando mais forças, pois a alopatia, trilhando caminhos semelhantes, não consegue nem mesmo o alivio imperfeito que a natureza provoca através de seus desvios.

                           Ela ainda permanece, com seus esforços, bem abaixo do mísero socorro que a força vital, abandonada a si mesma, consegue realizar sozinha. Tem-se tentado, por meio de instrumentos cortantes, provocar hemorragias nasais imitando a natureza, a fim de aliviar crises, por exemplo, de dores de cabeça crônicas. Com isso, o que se conseguiu foi fazer perder sangue em abundância pelas fossas nasais e enfraquecer os indivíduos, mas o alivio resultou nulo ou bem menor do que aquele produzido pelo próprio impulso da força vital instintiva ao provocar também o escoamento de algumas gotas apenas. Uma transpiração dita critica ou diarréia produzida pela força vital em sua ação permanente depois do súbito adoecimento causado por uma contrariedade, susto, distensão ou resfriamento, suprirá, pelo menos momentaneamente, os sofrimentos agudos, com mais sucesso do que todos os sudoríficos ou medicamentos purgativos da farmácia que, como a experiência diária nos ensina, somente agravam a doença. Entretanto, a força vital, capaz de atuar por si mesma, apenas seguindo uma disposição física de nosso organismo e não segundo o raciocínio e a reflexão, não foi conferida a nós, Homens, para que devêssemos considera-la como a melhor e única curadora de doenças, reconduzindo aqueles tristes desvios da saúde ao seu padrão normal e muito menos para que os médicos devessem imitar servilmente os imperfeitos esforços mórbidos (para salvar-se, ela própria, da doença) com disposições indiscutivelmente mais inadequadas e mais agressivas do que ela própria é capaz de produzir, evitando, com isso, de maneira cômoda, o dispêndio de raciocínio, de reflexão de juízo critico necessários à descoberta e à concretização da mais nobre das artes humanas: a verdadeira arte de curar, fazendo passar tal cópia ruim da auto-ajuda pouco eficaz da força bruta da natureza por arte de curar, por arte racional de curar!

                           Que individuo sensato quereria, portanto, imita-la em seus esforços de sobrevivência? Eles são, justamente, a própria doença e a força vital afetada é a causadora da doença que se manifesta! Portanto, qualquer imitação artificial desses esforços ou sua supressão deverá aumentar o mal ou ocasionar perigos; a alopatia faz as duas coisas e são seus procedimentos nocivos que ela faz passar por arte de curar, pela verdadeira arte de curar! Não! Aquela força magnífica inata no Homem, destinada a conduzir a vida da maneira mais perfeita durante sua saúde, simultaneamente presente em todas as partes do organismo, nas fibras sensíveis como nas fibras irritáveis, o motor infatigável de todas as disposições normais e naturais do corpo não foi criada absolutamente para ajudar-se a si mesma nas doenças, nem para exercer uma arte de curar digna de imitação.

                           Não! A verdadeira arte de curar é uma atividade reflexiva que conduz à grandeza do espírito humano, à reflexão livre e ao raciocínio, a fim de, por meio de uma afecção semelhante provocada por um medicamento escolhido homeopaticamente, demover a força vital instintiva – desprovida de razão e de intelecto, mas provida de energia automática – quando perturbada pela doença, deixando-a mesmo a um tal grau, que a afecção mórbida não mais possa atuar sobre ela, deixando-a livre, para ocupar-se apenas com a afecção medicamentosa semelhante à doença natural e até um pouco mais forte, mas que a força vital, dirigindo agora contra ela toda sua energia, em breve domina, tornando-se, com isso, livre e apta a retornar ao estado normal de saúde e à sua própria disposição: ´a estimulação e a manutenção da saúde no organismo´, sem haver sofrido com tal transformação qualquer agressão dolorosa ou debilitante. Tal procedimento nos ensina a arte de curar homeopática.

                           É verdade que, mediante o emprego de tais métodos de cura da velha escola, não eram raros os doentes que escapavam de suas doenças, porém, não das crônicas (não venéreas); apenas das agudas, não perigosas e, assim mesmo, por atalhos nocivos e, muitas vezes, tão imperfeitos que não se podiam chamar de cura tais tratamentos realizados sem uma arte suave. Tais doenças agudas, nos casos não muito perigosos, eram por eles tanto tempo reprimidas por meio de extração de sangue e supressão de um dos sintomas principais através de paliativos enantiopáticos (contraria contrariis) ou por outros meios irritantes e derivativos aplicados em outros pontos não afetados até que o curso natural da breve doença houvesse passado, portanto, por atalhos que esgotavam forças e humores e de tal maneira que o essencial para que a doença fosse removida e, novamente substituídas as forças e humores perdidos, ficava por conta da própria natureza da pessoa tratada com tal método, ou seja, à força conservadora da vida que, a par da remoção do mal agudo natural, tinha também que vencer as conseqüências de um tratamento inadequado, podendo, dessa maneira, nos casos não perigosos, através de sua própria energia, muitas vezes, contudo, penosa e imperfeitamente e com muito esforço, restaurar gradativamente as funções nas suas relações normais. Restam ainda muitas dúvidas se o processo curativo da natureza é realmente facilitado ou, pelo menos, um pouco abreviado através dessa intervenção da arte medicamentosa atual nos casos de doenças agudas, visto que, tanto esta como aquela (a da força vital) não agem senão de modo indireto; todavia, tais procedimentos derivativos e antagonistas são muito mais agressivos, retirando uma quantidade bem maior de forças. A antiga escola tem ainda outro método de tratamento, o chamado método de tratamento, o chamado método excitante e fortificante[24]  (através de excitancia, nervina, tonica, confortatia, roborantia). Porventura ela pôde alguma vez suprimir a debilidade tão freqüente do corpo, produzida, mantida ou agravada por uma doença crônica por meio do evanescente vinho do Reno ou do generoso vinho de Tokay, como já tentou inúmeras vezes? Com isso, as forças só declinavam progressivamente (porque a causadora da debilidade, a doença crônica, não podia ser curada por ela) e tanto mais intensamente quanto mais vinho o doente era persuadido a tomar, pois a força vital opõe às excitações artificiais em relaxamento na ação secundária. Ou a casca de quina e outros mal compreendidos, ambíguos e também prejudiciais Amara* restauram forças em casos tão freqüentes quanto esses?

                           Tais substâncias vegetais são tidas por tonificantes e fortificantes, sob todas as circunstâncias, juntamente com preparações marciais não estariam, em virtude de sua própria ação morbífica, acrescentando, não raro, ainda novos sofrimentos sem poder remover a debilidade que repousa na velha e desconhecida doença? Algum dia já se conseguiu reduzir, por pouco que fosse e de maneira durável, a paralisia incipiente de um braço ou de uma perna, oriunda de uma doença crônica, sem que se curasse a própria doença por meio dos chamados ungüenta nervina ou de outras fricções espirituosas balsâmicas? Ou os choques elétricos ou voltaicos, nestes casos, conseguiram provocar em tais membros outra coisa senão uma paralisia crescente e até mesmo completa e a supressão de toda a excitabilidade muscular e de toda a irritabilidade nervosa?[25]       Os louvados excitantia e aphrodisiaca como o âmbar, ´Meer-Stinz1, as tinturas de cantáridas, as tufas, o cardamomo, a canela e a baunilha não terminam por reduzir à completa impotência a capacidade reprodutiva progressivamente enfraquecida (na base da qual sempre esteve um miasma crônico despercebido)? Como podemos vangloriar-nos de uma força e de uma excitação que duram apenas algumas horas, quando o resultado que se segue deve ser, invariavelmente, o contrário, a impossibilidade da cura do mal, segundo as leis que regem a natureza de todos os paliativos?

                           O parco benefício que os excitantia e roborantia proporcionam durante o restabelecimento de doenças agudas (segundo a velha maneira) era mil vezes sobrepujado pelos inconvenientes que os mesmos traziam às doenças crônicas. Quando a antiga medicina não sabe como proceder com uma doença crônica, trata-a, então, com seus chamados meios transformadores (alterantia); e, assim, os mercurialia (calomel, sublimado corrosivo e o ungüento mercurial) são seus terríveis meios principais que ela (nas doenças não-venéreas!) faz agir no corpo doente de um modo prejudicial, muitas vezes em quantidade muito grande e pro um tempo muito longo, até que toda a saúde esteja minada. Certamente ela provoca grandes alterações, mas que nunca são benéficas, sempre destruindo totalmente a saúde, ao empregar tais metais extremamente nocivos no lugar inexato.

                           Quando, nas febres intermitentes epidêmicas que, muitas vezes, alastram-se por grandes países, ela prescreve em grandes doses a casca de quina que, como meio homeopático para a febre, apenas é específico para febre intermitente dos pântanos, quando a psora não atrapalha, a velha medicina revela, assim, patentemente, sua leviandade, pois as mesmas febres, quase todos os anos, apresentam caráter diferente, requerendo, por isso, quase sempre, um outro medicamento homeopático com o qual é também radicalmente curada em alguns dias, sempre através de uma ou algumas doses pequenas. Então, a velha escola acredita, porque tais febres epidêmicas apresentam também crises periódicas (typus), porque ela, contudo, não vê em todas as febres epidêmicas nada além desses tipos, não conhecendo nenhum outro meio para a febre, exceto a China e também não querendo conhecer nenhum outro, então, repito, esta velha escola negligente imagina que, ao extinguir com doses freqüentes de China e de seu custoso extrato (quinino) somente o typus da febre intermitente epidêmica (o que a força vital desprovida, na verdade, de razão, porém mais sensata, esforçar-se durante meses para impedir) ela haja curado tal epidemia de febre intermitente. Mas, após o desaparecimento dos períodos de crise de sua febre, o doente enganado sente-se sempre cada vez mais infeliz do que estava quando afetado pela própria febre: face pálida, asmático, sentindo uma espécie de aperto nos hipocôndrios, com desarranjos intestinais, falta de apetite, sono agitado, fraco e abatido, muitas vezes apresentando franco inchaço das pernas, do ventre e até das faces e das mãos. Deixa rastejante o hospital ao receber a alta como se estivesse curado e, então, quase sempre, são necessários anos de tratamento homeopático trabalhoso apenas para salvar da morte tal doente radicalmente arruinado (curado?) artificialmente caquético, não se cogitando de cura-lo nem de torna-lo saudável. A velha escola alegra-se de poder transformar, por algumas horas, o lânguido torpor das febres nervosas, em uma espécie de euforia, através da valeriana, usada aqui como antipático; porém esta é de curta duração, necessitando-se de doses cada vez mais altas de valeriana. Ocorre que, em breve, nem as doses mais altas têm resultado, mas na reação do medicamento que atua como paliativo, apenas em seu efeito primário, toda a força vital se torna paralisada, certificando tal doente de sua morte próxima por meio deste procedimento curativo racional da velha escola; ninguém escapa.

                           Essa velha arte da negligência, não compreendendo, porém, que deste modo, causa a morte tão seguramente, apenas o atribui à malignidade da doença. Um paliativo usado para os doentes crônicos quase ainda mais temível é a digitalis purpúrea da qual a escola medicamentosa dominante se orgulha ao usa-la para tornar mais lento o pulso acelerado em casos de doenças crônicas (de modo puramente sintomático), sem dúvida, este meio terrível, usado aqui como enantiopático, reduz consideravelmente e de modo surpreendente o número de pulsações arteriais após a primeira dose, por algumas horas retomando, brevemente, porém, o estado anterior. A dose é aumentada a fim de torna-lo novamente mais lento, o que de fato acontece, mas por curto período de tempo, até que tais doses cada vez mais altas não mais tenham efeito, fazendo com que as pulsações, durante a reação de digitalis, que por fim, não se consegue mais deter, aceleram-se bem mais do que antes do emprego desta planta, tornando-se incontáveis, havendo a perda completa do sono, do apetite e das forças e o doente se transforma em um verdadeiro cadáver. Nenhum deles escapa, portanto, da morte, quando não caem numa loucura incurável.[26]

                           Assim procedia o alopata. Os doentes, contudo, deviam conformar-se a esse triste mister porque não encontravam qualquer ajuda melhor junto a outros alopatas cujo aprendizado provinha dos mesmos livros mentirosos. A causa fundamental das doenças crônicas (não venéreas), assim com os meios para cura-las, permaneciam desconhecidos a tais práticos que, com tratamentos causas e pesquisa[27] Da gênese da doença, inutilmente se gabavam de seus diagnósticos. Como queria eles suprimir o incrível número de doenças crônicas com seus tratamentos indiretos que não passavam de perigosas imitações dos esforços de auto-ajuda da força vital desprovida de razão, esforços estes que não estão destinados a servir de modelo para a cura? Eles consideravam, como causa morbífica, o suposto caráter do mal, dirigindo, então, seus pretensos tratamentos causais contra cãibra, inflamação (pletora), febre, debilidade geral e parcial, pituita, putrefação, infartos, etc., que julgavam suprimir através de seus meios antagonistas (conhecidos por eles apenas superficialmente), antiespasmódicos, antiflogísticos, fortificantes, excitantes, antisépticos, dissolventes, resolutivos, derivativos e evacuantes. Contudo, indicações tão gerais não nos permitem encontrar medicamentos eficazes, muito menos na matéria médica dominante na velha escola que, como já mencionei alhures[28], baseia-se apenas em suposições e em falsas conclusões ab usu in morbis, mescladas com mentiras. E era desse modo ousado que acometiam contra as chamadas indicações ainda mais hipotéticas: falta ou excesso de oxigênio, nitrogênio, de carbono ou hidrogênio nos humores; aumento ou diminuição da irritabilidade, da sensibilidade, da reprodução, da arterialidade, da venosidade, da capilaridade, da astenia, etc., sem conhecer os meios curativos para a consecução de um objetivo tão fantástico. Pura ostentação: eram tratamentos que não visavam ao bem-estar dos doentes. Contudo, todo aspecto do tratamento oportuno das doenças desaparecia completamente diante de uma prática de há muito introduzida e, aliás, erigida em lei: misturar substâncias medicamentosas sempre tão diferentes entre si e cujos efeitos eram, quase sem exceção, desconhecidos para compor receitas.

                           Estabelecia-se em tais receitas, como meio principal (basis) um medicamento (não conhecido quanto à extensão de seus efeitos medicamentosos) que deveria vencer o que o médico supunha ser o principal caráter da doença, acrescentando-se, ainda este ou aquele meio (igualmente desconhecido quanto à extensão de seus efeitos), a fim de remover esta ou aquela indicação secundária ou como meio de reforços (adjuvantia), além do acréscimo de um meio corretor (corrigem) suposto (também não conhecido quanto à extensão de suas virtudes medicamentosas), misturando tudo (cocção, extração e aí incorporando, por vezes, um ou outro xarope qualquer ou água destilada também com efeitos medicamentosos. Imaginava-se, então, que cada uma das partes de tal mistura (ingredientes) pusessem em prática no corpo doente, as disposições de que o receitador as encarregara, sem deixar-se perturbar ou ser induzido ao erro pelos demais componentes de tal mistura, o que sensatamente não se pode esperar. Um ingrediente anulava completamente ou em parte o efeito do outro ou lhe conferia e aos demais uma propriedade ou tendência não previstas, de tal modo que o efeito desejado se tornava impossível de ser atingido.

                           Seguia-se – que não era nem podia ser esperado do obscuro enigma de tal mistura – uma nova perturbação mórbida que passava despercebida em meio ao tumulto dos sintomas da doença, tornando-se permanente durante o emprego continuo da receita, ou seja, uma doença artificial que se complicava com a original, uma agravação da doença original, ou então, quando a receita não era repetida muitas vezes, mas prescreviam-se outros sucessivos compostos de novos ingredientes, ocorria pelo menos um acentuado declínio das forças porque as substâncias ministradas nesse sentido tinham ou deviam ter pouca ou nenhuma relação direta com o sofrimento original, apenas agredindo inútil e prejudicialmente os pontos menos atingidos pela doença. Associar numa fórmula diferentes medicamentos, mesmo que se conhecesse exatamente o efeito que cada um produz no corpo humano (o receitador, contudo, muitas vezes não conhece a milésima parte dos mesmos), misturar tais ingredientes, repito, alguns dos quais já tão compostos, e de cujos exatos efeitos isolados nada se sabe, diferindo imensamente um dos outros, a fim de que esta inconcebível mistura seja ingerida, muitas vezes, repetida em altas doses pelo doente, pretendendo, todavia, obter com ela um seguro efeito curativo, é um absurdo que revolta até um individuo comum que possua capacidade de refletir.[29] O efeito, naturalmente, contradiz qualquer expectativa. Realmente, produzem-se resultados e mudanças, mas nenhum oportuno e favorável e sim nocivos e prejudiciais! Gostaria de saber quem chamaria de cura tal trabalho cego no corpo humano doente. A cura só pode ser esperada através da reserva do principio vital ainda presente no doente, quando conduzido à sua atividade normal por um medicamento adequado, mas não por meio de um esgotamento artificial do corpo, no entanto, a antiga escola, ao lidar com as doenças crônicas, além de penetrar no sofredor com meios altamente traumatizantes, esgota forças e humores, abreviando a vida! poderá ela salvar arruinando? Poderá ela merecer outro nome além de não-arte? Ela atua lege artis* da maneira mais oposta possível, fazendo quase poderia ser intencionalmente, isto é, o contrário do que ela deveria fazer. Poder-se-ia louva-la? Poder-se-ia tolera-la por mais tempo? Recentemente ela se superou perfeitamente na crueldade contra seus irmãos doentes e na inconveniência de suas ações, como deve admitir todo observador imparcial e como o confessam publicamente até mesmo os médicos de sua própria escola, despertados por sua consciência (como Krûger-Hansen).

                           Já era bem tempo para o sábio e benévolo Criador e Conservador dos Homens colocar um termo a tais horrores, ordenando o término de tais torturas, fazendo surgir uma arte de curar que fosse o contrário de tudo isso, sem o desperdício de humores vitais e forças através de vomitivos, constantes purgativos, banhos quentes, sudoríficos, salivantes ou excessiva perda de sangue vital e igualmente sem a penalização e o debilitamento através de meios dolorosos, sem a agressão impertinente e constante de medicamentos equivocados por eles desconhecidos em seus efeitos, ao invés de curar a doença do sofredor, acrescentando-lhes uma nova doença crônica, estenendo-a até a incurabilidade em resumo, sem conduzir o doente ao caminho que leva à morte, sem colocar mesmo através de paliativos violentos, como diz o velho e caro ditado, contraria contrariis curentur, o arado na frente dos bois, como o faz o negligente impiedoso; uma arte de curar que, ao contrário, poupa o mais possível as forças do doente, aliviando-o de maneira suave, por meio de medicamentos menos numerosos simples, examinados com cuidado e escolhidos segundo seus efeitos comprovados, ministrados em doses mínimas, segundo a lei de cura natural: similia similibus curentur, levando-os rapidamente e de modo duradouro, à cura e à saúde. Já era bem tempo que Ele fizesse com que a homeopatia fosse descoberta.

                           Através da observação, da reflexão e da experiência, descobri que, ao contrario da velha alopatia, a verdadeira, certa e melhor cura se encontra na proposição: escolha para cada caso mórbido um medicamento que possa produzir por si mesmo uma afecção semelhante àquela que ele deve combater, a fim de obter uma cura suave, rápida, certa e duradoura! Até então, ninguém ensinou este caminho homeopático de cura, ninguém o executou. Mas, se a verdade repousa unicamente em tal procedimento, como poder-se-á constatar, então, é compreensível que ela não tenha sido reconhecida através dos séculos, deixando-se, porém, revelar seus palpáveis indícios em todas as épocas.[30] É o acontece. Em todas as épocas, os doentes que realmente foram curados rápida, duradoura e seguramente, graças a um medicamento e não graças a algum acontecimento favorável ao término do curso natural da doença aguda ou porque o corpo, afinal, conseguiu recuperar gradativamente suas forças durante um tratamento alopático ou antagônico – pois a cura direta é muito diferente da cura por via indireta – tais doentes apenas foram curados (não obstante o desconhecimento do médico) através de um meio medicamentoso (homeopático), que possuía o poder de produzir, por si mesmo, um estado mórbido semelhante. Mesmo nas verdadeiras curas, devidas a várias espécies de medicamentos compostos e que são extremamente raras, descobre-se que o meio mais eficaz era sempre de natureza homeopática. Porém, ainda mais evidentemente convincente é o fato de que os médicos, contrariando a prática rotineira de prescrever meras misturas, curavam, às vezes, rapidamente, com uma substância medicamentosa simples. Nota-se, então, com assombro, que isso sempre acontecia com um medicamento capaz de produzir, por si mesmo, um sofrimento semelhante ao do caso em questão, embora os próprios médicos não soubessem o que estavam fazendo, empregando num acesso de amnésia, os preceitos contrários à sua escola. Prescreviam um medicamento que era justamente o contrário do que eles deveriam empregar, segundo sua terapia e só por esse motivo é que os doentes logo se curavam.[31] Não levando em consideração os casos em que o empirismo do Homem comum fornecem aos médicos habituais (e não sua arte inventiva), o meio específico curativo para uma doença invariável, por exemplo, o mercúrio para o cancro venéreo, a arnica para contusão, casca de quina para febre do pântano, pó de enxofre para sarna irrompida, etc.

                           Quando não se levam em consideração tal fato, verificamos que todos os outros tratamentos de doenças crônicas de aspecto distinto e que acarretam gastos ruinosos para as famílias, feitos por médicos da velha escola, constituem, para o doente, já por si só sofredor, quase sem exceção, debilitamento, torturas e penalizações. Por vezes, uma experiência cega os levava a um tratamento homeopático[32], mas, nem assim, observam a lei natural, segundo a qual ocorriam ou deveriam ocorrer tais curas. Por essa razão, é extremamente importante para o bem-estar da humanidade pesquisar como se procedia propriamente a tais tratamentos portadores de cura, extremamente raros. A conclusão a que chegamos é da maior significação. É que tais tratamentos sempre ocorriam nas mesmas condições da doença a ser curada, portanto, por meio de medicamentos cuja força homeopática era capaz de provocar uma doença semelhante; ocorriam de maneira rápida e duradoura, através de medicamentos cujos receitadores, mesmo em contradição com os ensinos de todos os sistemas e terapias dominantes, eram apanhados, assim como por acaso (muitas vezes sem mesmo saber, ao certo, o quê e por quê, faziam tal coisa.

                           Assim, contra sua vontade, a necessidade da única lei curativa natural, a lei da homeopatia, deveria confirmar de fato, uma lei curativa que nenhuma época médica cega de preconceitos se esforçara por encontrar, apesar de tantos fatos e de tão inumeráveis indicações nos conduzirem a ela. Pois até a prática de meios caseiros exercidos pela classe não-médica, dotada de saudável senso de observação, muitas vezes, julgou tal tipo de cura como o mais seguro e o mais fiel. No resfriamento recente dos membros, aplica-se chucrute gelado ou procede-se uma fricção com neve.[33] O cozinheiro experiente que tem a mão queimada por caldo fervente, aproxima-se do fogo, a uma certa distância, sem ater-se ao aumento da dor que, a principio, ocorre porque ele sabe, por experiência, que o local atingido pode recuperar-se em poucos minutos, tornando-se a pele novamente saudável e indolor.[34] Outras pessoas sensatas que não são medicas, como por exemplo, os envernizadores, aplicam sobre as queimaduras, uma substancia que, por si mesma, provoca um ardor semelhante: álcool quente[35] ou óleo de terebintina[36], curando-se em poucas horas, enquanto que, como todos sabem, os ungüentos refrescantes não obteriam o mesmo resultado em igual número de meses e a água fria[37] só agravaria o mal.

                           O velho e experiente carpinteiro, embora não tomando aguardente, jamais ingerirá água fria (contrariia contrariis) em casos em que seu trabalho ao sol o levou a uma febre queimante, conhecendo as conseqüências danosas de tal procedimento, ele ingerirá, ao contrário, um pouco de líquido que lhe provoque calor, um gole moderado de aguardente. A mestra da verdade, a experiência, convence-o da grande vantagem e do beneficio de tal procedimento homeopático: sua febre assim como sua fadiga serão rapidamente removidos.[38] É bem verdade que houve, de tempos em tempos, médicos que já supunham que os medicamentos com capacidade de produzir, por meios de sua ação, sintomas mórbidos análogos aos dos estados mórbidos podiam curar.[39]

 

[1] Isso, estaria bem mais de acordo com o raciocínio sadio e com a natureza das coisas, se eles, para poder curar uma doença, tivessem procurado descobrir como causa morbi, a causa original e se tivessem podido empregar, com sucesso, um plano de tratamento que se mostrara eficaz em doenças cuja causa e origem eram as mesmas, como mercúrio, por exemplo, que se revela eficaz para a úlcera da glande após um coito sem asseio, assim como havia sido, até então, para todas as  cancras venéreas, se eles, repito, tivessem descoberto as causas de todas as demais doenças (não venéreas) num contágio mais ou menos recente com o miasma da sarna (com a psora) e se houvessem encontrado para todas elas um método curativo comum, com observações terapêuticas, para cada caso individual, através do qual, cada uma de todas essas doenças crônicas poderia ser, curada, teriam podido, então, vangloriar-se, em razão de haver descoberto a causam morbarum chronicarum (non venereanum), a única pertinente e proveitosa, podendo, ao admiti-la como fundamental, curar tais doenças com a máxima eficácia. Porém, ao longo de tantos séculos, não conseguiram curar as inumeráveis afecções crônicas, por ignorarem que suas causas provinham do miasma psórico (que somente foi descoberto graças a homeopatia, ganhando, a seguir, um método curativo eficaz),vangloriando-se, apesar disso, de serem as únicas a conhecer a primam causam das mesmas e de curar de modo racional, esquecidas de que não possuíam a mínima idéia de sua origem psórica, único conhecimento realmente útil, comprometendo-se, assim, todas as doenças crônicas.

 

[2] Todo médico que pratica tratamentos assim tão gerais, embora se intitule homeopata, na realidade não passa de um alopata generalizador, pois nenhum tipo de tratamento homeopático é concebível sem a individualização mais absoluta.

 

[3] Chamados homeopáticos.

 

[4] ´Onde a experiência nos ensinou a conhecer a força curativa dos medicamentos que agem homeopaticamente cujo modo de ação não se podia explicar, contornou-se a dificuldade declarando-as específicas e colocando com esta palavra que nada quer dizer, um ponto final a toda e qualquer reflexão. Mas já, há muito tempo, proibiram-se os meios estimulantes homogêneos, as especificas (homeopáticas) como possuidoras de influências extremamente nocivas´Rau: Veb. d. homoop. Heiverf. Heidelb. 1824.S. 101.102

 

[5] Em uma afecção gástrica aguda acompanhada de contínuas e repugnantes eructações de alimentos deteriorados e, em geral,com abatimento psíquico, frio nos pés e nas mãos, etc., o médico comum só se ocupa com o conteúdo decomposto do estômago: um bom vomitivo deverá expurga-lo convenientemente. Naturalmente ele consegue realizar seu intento com tártaro emético adicionado ou não à ipecacuanha. Será que o doente, contudo, recobra a saúde, o ânimo e a alegria, depois disso? Oh não! Um tal desarranjo gástrico geralmente é de origem dinâmica e causado por perturbações psíquicas (tristeza, susto, contrariedade), resfriamento, esforço mental ou esforço físico imediatamente após haver comido, mesmo moderadamente. Nenhum dos dois medicamentos é apropriado para suprimir tal perturbação dinâmica e,muito menos,o vômito revulsivo por ele provocado. Além disso, os sintomas mórbidos particulares que eles produzem acrescentam prejuízos ao estado de saúde do doente; a secreção biliar se vê de tal modo perturbada que, se o doente não for muito robusto ressentir-se-á por vários dias ainda deste suposto tratamento causal, embora o expurgo violento de todo o conteúdo estomacal. Porém, se o doente, ao invés de ingerir tais medicamentos evacuantes violentos e sempre prejudiciais, aspirar uma única vez sumo de Pulsatilla altamente diluído (um grão de açúcar do tamanho de uma semente de mostarda nele umedecido) através do qual certamente será suprimida a perturbação de seu estado de saúde em geral e, principalmente, de seu estômago, estará, então, curado dentro de duas horas. Se ocorrerem, todavia, algumas eructações, serão unicamente gases insípidos e inodoros, não mais sendo alterado o conteúdo do estômago; na próxima refeição, terá recuperado o apetite normal, assim como recobrará o ânimo e a saúde. Eis o verdadeiro tratamento causal, aquele inventado, porém, é um mero estrago para os doentes. Mesmo um estômago sobrecarregado com alimentos de difícil digestão nunca requer um vomitivo medicamentoso. A natureza saberá ai melhor evacuar o excesso, provocando náuseas e vômitos, com o auxilio, em todos os casos, de excitações mecânicas do véu do palato e da faringe, evitando, assim, os efeitos medicamentosos secundários do vomitivo medicinal, um pouco de café provoca a completa evacuação normal do que restar no estômago. Mas, se a excitabilidade do estômago abusivamente sobrecarregado for nula ou insuficiente para provocar o vômito espontâneo, de modo que as fortes dores do epigástrio não provoquem qualquer rejeição, tal vomitivo, então, nesse estado de paralisia estomacal, apenas terá como conseqüência uma inflamação perigosa e mortal dos intestinos, enquanto que pequenas quantidades de café forte reavivariam dinamicamente a enfraquecida excitabilidade do estômago, colocando-o, por si só, em condições de expulsar seu conteúdo por mais excessivo que fosse, por vias inferiores ou superiores. Igualmente aqui, aquele pretenso tratamento causal está equivocadamente empregado. Mesmo o ácido gástrico cáustico, que, não raro, é regurgitado nas doenças crônicas, é evacuado violentamente através de um vomitivo, com grande sofrimento e, contudo, inutilmente, porque nos dias seguintes esse mesmo ácido cáustico é reproduzido normalmente em quantidade ainda maior, enquanto que teria cedido espontaneamente se sua origem dinâmica fosse suprimida através de uma dose muito pequena de ácido sulfúrico altamente diluído, ou, ainda melhor, em casos e quem tal ácido já se manifestou várias vezes, através do uso de doses mínimas de medicamento antipsórico, pela semelhança, aos outros sintomas. E assim, a velha escola continua praticando pretensas curas causais cujos esforços principais estão dirigidos para a expulsão dolorosa e prejudicial do produto material da perturbação dinâmica, desconhecendo a fonte dinâmica do mal e sem aniquila-lo de maneira homeopática ao suprimir as evacuações sintomáticas, não curando, portanto, de modo racional..

 

[6] Circunstâncias que repousam apenas numa doença psórica e que são curadas facilmente através de meios suaves (dinâmicos) antipsóricos, sem vomitivos ou laxantes.

 

[7] Não levando em consideração que quase todas as hemorragias mórbidas têm como fundamento uma perturbação dinâmica da força vital (do estado de saúde), a antiga escola lhe atribuía como causa uma superabundância de sangue, não podendo furtar-se de prescrever sangrias com o fito de expulsar a suposta profusão do sumo vital; o evidente resultado completamente desastroso, contudo, como o declinio das forças e a propensão a contrair a febre tifóide e o fato mesmo de contrair-lo, ela procura imputar à malignidade da doença a qual ela não pode muitas vezes eliminar. Em resumo, acredita, mesmo quando o doente não se restabelece, ter realizado um tratamento de acordo com seu adágio causam tolle e ter,segundo seu modo de expressar-se,feito tudo o que  podia pelo doente,acontecesse o que acontecesse.

 

[8] Não levando em consideração que talvez jamais houvesse sequer uma só gota de sangue a mais no corpo humano vivo, a velha escola, contudo, considera a suposta pletora de sangue como causa material e principal das hemorragias e inflamações que deve afastar e suprimir com aberturas na veia (ventosas escarificadoras) e sanguessugas. Eis o que ela considerava um procedimento racional, uma cura causal. Nas febres inflamatórias gerais e nas pleurisias agudas, ela considera, aliás, a linfa coagulável do sangue ou o que se chama couro como a matéria peccans que se esforça por expulsar através de reiteradas sangrias, não levando em conta o fato de que a mesma, não raro, tornava-se mais espessa e mais densa a cada nova emissão de sangue. Desse modo, ela derrame febre se a febre inflamatória não quer ceder, muitas vezes, até a morte iminente do doente, com o objetivo de fazer desaparecer o couro ou a suposta pletora, sem suspeitar sequer que o sangue inflamado não é mais do que um produto da febre aguda, da irritação inflamatória mórbida, imaterial (dinâmica) sendo esta última a causa da grande turbulência que ocorre no sistema vascular e que se pode destruir com uma dose mínima de um medicamento homeopático homogêneo, por exemplo, com um glóbulo de açúcar embebido em suco de Aconitum diluído ao decilionésimo grau, evitando os ácidos vegetais, de modo que a mais violenta febre pleurética desaparece e é curada com todos os seus sintomas ameaçadores no espaço de poucas, no máximo, 24 horas, sem diminuição de sangue e sem qualquer meio refrigerante (uma amostra de seu sangue não mais apresentará qualquer vestígio de couro), enquanto que um doente muito semelhante, tratado segundo o racionalismo da velha escola, se consegue escapar da morte, após copiosas sangrias e cruéis sofrimentos, debilita-se frequentemente, durante meses, antes de novamente poder colocar-se de pé, embora enfraquecido se, nesse ínterim (tais são as freqüentes conseqüências de um tratamento equivocado), uma febre tifóide, uma leucoflegmasia ou uma tísica  ulcerosa não o arrebatarem. Quem houver tocado o pulso tranqüilo do paciente uma hora antes da aparição dos calafrios que sempre precedem a pleurisia aguda não pode deixar de surpreender-se quando, duas hroas depois, havendo se manifestado o calor quer-se persuadi-lo de que a enorme pletora, agora existente, requere reiteradas sangrias nem pode deixar de perguntar-se que milagre no espaço destas 2 horas seria capaz de produzir tantas libras de sangue, que agora se deveria eliminar nas veias cujo movimento há 2 horas antes havia sentido tão tranqüilo? Nem sequer 1 ´Quentchen´ de sangue pode circular em suas veias a mais do que quando ele gozava de boa saúde, ou a mais do que ele possuía há 2 horas! Assim, o alopata, através de suas sangrias, não subtraia ao doente afetado por uma febre aguda qualquer excesso de sangue, já que o excesso não poderia existir, mas o priva da quantidade normal de sangue indispensável à vida e ao restabelecimento da saúde e, consequentemente, das forças – uma grande perda que o poder do médico não mais é capaz de reparar! – e, todavia, ele imaginava ter  realizado um tratamento de acordo com seu (equivocado)

 

[9] (N.T.) Só podem ser desta maneira.

 

[10] A vida esteve em jogo quando se injetou um pouco de água pura na veia (V. Muller, em Birch in history of the rhe royal society, Vo.IV).

O ar atmosférico injetado nas veias causou a morte (V.J.H. Vaigt, Majazin für den neuester Zustand der Naturkunde, I, II S.25).

Mesmo os líquidos mais suaves provocavam perigo de vida quando injetados nas veias (V. Autenrieth Physiologie. I, parágrafo 784).

 

[11] Em Glasgow, um cirurgião removeu, imediatamente o local afetado por uma mórbida de cão raivoso que sofrera uma menina de 8 anos e, todavia, 36 dias depois, ela contraiu a raiva, vindo a falecer (Méd. Comment, of Ediimb. Dec. II. Vol. II. 1793).

 

[12] Para explicar, nas doenças, a produção de quantidade muitas vezes grandes de matéria pútrida e de fétidos abscessos purulentos e para poder atribuir a elas a condição de produtoras e conservadoras da doença (embora não houvesse qualquer possibilidade de algum miasma perceptível ou algo de material ter sido introduzido no corpo por ocasião do contágio), recorre-se à hipótese, segundo a qual, a substância contagiosa, embora muito sutil, age como fermenteo, levando os humores aos mesmos danos e mesmo transformando-os, desse modo, em um tal fermento morbifico que continuamente propaga-se durante a doença, conservando-a. mas então, com que bebida depurativa universal e onipotente pretendeis eliminar e remover tal fermento que constantemente se renova, tal massa de substânci mórbida, de maneira a não restar nem mesmo a mínima parcela de tal fermento mórbido, que de acordo com tal hipótese deveria ser responsável pela deterioração e transformação dos humores em uma nova substância morbífica? Tornar-se-ia, portanto, impossível curar tais doenças segundo vosso modo. Podemos ver como todas as hipóteses, até mesmo as tão sutilmente engendradas, conduzem às mais palpáveis inconseqüências, quando repousam na inverdade! A sífilis, de há muito instalada, cura-se quando a psora, que frequentemente com ela se complica, é removida por uma ou duas doses bem pequenas de uma solução de mercúrio metálico, diluída e potencializada ao decilionésimo grau, desaparecendo a alteração geral sifilítica dos humores, sendo para sempre aniquilada (dinamicamente)>

 

[13] Nas chamadas doenças verminóticas a expulsão dos vermes assume a aparência de necessidade. Porém, mesmo tal aparência é falsa. Algumas poucas lombrigas talvez sejam encontradas em muitas crianças e alguns ascarídeos em não poucas delas. Mas, todos eles, assim como uma grande quantidade de uma espécie ou de outra, porvém sempre de uma afecção geral (psórica associada a um tipo insalubre de vida. melhore-se o regime e cure-se homeopaticamente a psora, o que semrpe é mais fácil nessa idade do que em qualquer outra e não mais haverá vermes, passando as crianças a não serem mais incomodadas por tais parasitas, quando se restabelecem desse modo. Em compensação, depois do uso de meros purgantes, mesmo associados à semente de cina, tais vermes logo reaparecem em grande quantidade. Ouço dizer: ´Mas é preciso expulsar por todos os meios possíveis a solitária, esse monstro criado para a tormenta da humanidade´. Sim, por vezes, ela é expulsa, mas com que sofrimento e perigos para a vida! Não quero ter na consciência a morte de centenas de pessoas que perderam a vida pelo uso de purgantes tão terríveis e agressivos dirigidos contra a solitária ou os anos de langor daqueles que escaparam de tal morte pela purgação. E quantas vezes, depois de anos consecutivos de tal tratamento pela purgação, ao invés de ser expulsa, ela não se reproduzia! E como seria se não houvesse qualquer necessidade de tal expulsão e morte violenta, muitas vezes cruel e perigosa desse animal? As diferentes espécies de vermes da solitária se encontram apenas nas afecções psóricas, desaparecendo toda vez que esta é curada. Mas, antes que tal cura tenha sido realizada, eles não vivem diretamente nos intestinos das pessoas e o doente passa relativamente bem, mas eles vivem no resíduo dos alimentos, nas matérias intestinais, como no seu próprio universo, tranquilamente e sem causar-nos o mínimo incômodo, encontrando em tais matérias o necessário para a sua nutrição. Nesse tempo, não tocam as paredes de nosso intestino, sendo inofensivos. Se a pessoa, contudo, adquire algum tipo de doença aguda, o conteúdo intestinal se torna insuportável ao animal que se agita, irritando as sensíveis paredes do tubo digestivo, aumentando não pouco os sofrimentos do doente, através de uma espécie particular de cólica espasmódica (do mesmo modo que o feto só se agita  e se move no útero quando a mãe está doente, nadando tranquilamente, porém, em sua água sem molestar a mãe, quando esta se encontra saudável). É fato digno de nota que os sintomas mórbidos das pessoas que se sentem mal por terem vermes da solitária são geralmente de tal natureza, que a tintura de raiz de feto macho em dose mínima suprime-as rapidamente (de uma maneira homeopática), porque ela faz cessar aquilo que ocasionava a agitação do parasita. O verme da solitária encontra-se, então, em seu elemento, continuando a viver tranquilamente em meio das matérias fecais, sem incomodar sensivelmente o doente ou seus intestinos, até que o tratamento antipsórico esteja tão bem avançado, que o verme, depois que a psora tiver sido destruída, não mais encontre, no conteúdo intestinal, as substâncias adequadas à sua nutrição, desaparecendo espontaneamente do ventre do convalescente, sem necessidade de qualquer purgante.

 

[14] Ao invés de suprimir rapidamente o mal sem perdas de forças e sem desvios através de potências medicamentosas homogêneas e dinâmicas, dirigidas diretamente aos pontos mórbidos do próprio organismo, como o faz a homeopatia.

 

[15] Como se fosse possível poder desviar algo não material! Consideram-na, então, uma substância e matéria morbífica ainda que tão sutilmente imaginada!

 

[16] Somente as doenças agudas moderadas costumam insensibilizar-se conforme se diz e chegar ao fim tranquilamente, quando termina seu curso natural com ou sem medicamentos alopáticos não muito agressivos; a força vital que se reanima no lugar das transformações do estado de saúde, progressivamente estabelece a normalidade. Porém, nas doenças muito agudas e nas afecções crônicas, que representam a maior parte das doenças humanas, a natureza bruta e a velha escola são impotentes, pois nem a força vital com seus esforços de auto-ajuda, nem a alopatia que a imita conduzem a uma solução, podendo, quando muito estabelecer uma trégua durante a qual o inimigo se fortalece, a fim de, cedo ou tarde, irromper bem mais forte.

 

[17] Uma expressão que denuncia que se tinha em mente e se pressupunha, todavia, uma matéria morbifica que devia ser dissolvida e removida.

 

[18] Na medicina habitual, considerava-se a auto-defesa da natureza do organismo nas doenças, quando nenhum medicamento era utilizado, como tratamentos-modelo digno de serem imitados. Porém, estava-se muito enganado. Os miasmas e incompletos esforços que empreende a força vital, a fim de ajudar-se nas doenças agudas, é um espetáculo que incita a humanidade a uma ativa compaixão e a empregar todas as forças de seu entendimento para pôr termo, através de uma legitima cura, aos tormentos que ela se impõe. A natureza, não podendo curar homeopaticamente uma doença já existente no organismo, produzindo outra doença nova semelhante a esta (parágrafos 43-46), pois tal feito muito raramente está ao seu alcance, ficando somente a carga do organismo abandonado e sem ajuda exterior vencer com suas próprias forças uma nova doença que acaba de surgir (nas afecções miasmáticas crônicas sua resistência é ineficaz), presenciamos então, apenas penosos esforços, muitas vezes perigosos, efetuados pela natureza do individuo com o intuito de salvar-se a todo custo, não raro recompensado com o aniquiilamento da existência terrena, isto é, com a morte. Se nós, mortais, sabemos tão pouco a respeito do processar que rege a economia da vida saudável, se ele certamente deve permanecer oculto a nós, simples criaturas, sendo claramente manifesta para o Criador e Conservador da espécie humana e que tudo vê, muito menos podemos compreender o que acontece no interior do organismo, quando a vida está perturbada, isto é, nas doenças. O processo interno nas doenças se faz conhecer somente através de perceptíveis transformações, sofrimentos e sintomas e é unicamente através deles que nossa vida expressa as perturbações internas, de maneira que, em cada caso dado, nem ao menos conhecemos quais dos sintomas mórbidos é a reação primitiva da malignidade da doença e quais são as reações da força vital em seus esforços de auto-defesa. Ambos desembrcam um no outro ante nossos olhos, remetendo-nos a uma imagem de todo sofrimento interno refletido apenas para o exterior; pois os esforços ineficazes que a vida, abandonada a si mesma, realiza, a fim de pôr termo ao sofrimento, constituem o próprio sofrimento de todo o organismo. Eis porque, nas evacuações que a natureza geralmente produz no fim das doenças agudas, frequentemente chamadas de crises, há muitas vezes mais sofrimentos do que ajuda salutar. O que a força vital faz nestas chamadas crises e como ela as realiza permanece oculta para nós, assim como todo processo interno da economia orgânica da vida. O que, sem dúvida, é certo, é que, no transcurso de tais esforços, sacrifica e destrói em maior ou menor grau as partes afetadas para salvar o restante. Tal auto-defesa da força vital combatendo uma doença aguda apenas segundo uma disposição orgânica de nosso corpo e não segundo uma reflexão intelectual é, na maior parte das vezes, uma espécie de alopatia; a fim de liberar, por meio da crise, os órgãos primitivamente afetados, desenvolve nos órgãos secretários uma atividade ampliada, muitas vezes turbulenta, para derivar o mal das primeiras para estas. Sobrevêm vômitos, diarréias, emissões de urina, transpiração, abscessos, etc., a fim de, através de tal excitação das partes afastadas, produzir uma espécie de derivação das partes originalmente doentes, pois, então, a força nervosa, agredida de maneira dinâmica parece, por assim dizer, descarregar-se por meio de produtos materiais. Somente através da destruição e sacrifício de uma parte do próprio organismo a natureza do homem, abandonado a si mesmo, consegue salvar-se das doenças agudas e, não sobrevindo a morte, a harmonia da vida e da saúde só poderá restabelecer-se lenta e imperfeitamente. Eis o que nos atestam a grande debilidade, o enfraquecimento, etc, que persiste nas partes expostas ao mal e mesmo em todo o organismo, após a cura espontânea. Em uma palavra: todo processo de auto-defesa do organismo, nas doenças que o afetam, mostra ao observador nada além de sofrimento, nada que ele possa ou deva imitar, a fim de exercer a verdadeira arte de curar.

 

[19]  A experiência diária atesta com que triste resultado é levado a efeito tal manobra nas doenças crônicas. A cura ocorre muito raramente. Mas quem poderia chamar o mesmo de vitória, quando, ao invés de atacar o inimigo de frente, com armas iguais e aniquila-lo, a fim de pôr termo a uma invasão tão hostil, limita-se covardemente a barrar qualquer entrada, devastando, crestando e queimando tudo o que o rodeia? É provável que, com isso, impedisse a sua resistência, mas o objetivo não é atingido e o inimigo não é aniquilado, permanecendo lá e, quando novamente ele tiver que procurar alimentos e provisões, levantará sua cabeça ainda mais exasperado. O inimigo, repito, de modo algum foi aniquilado, porém, o pobre pais inocente ficou tão arruinado que, por muito tempo, quase não conseguirá recobrar o ânimo. Assim faz a alopatia nas doenças crônicas quando arruína o organismo através de suas agressões indiretas às partes sadias distantes do foco da doença, sem curar o mal. Eis sua arte malfazeja!

 

[20] Que resultado benéfico poderiam ter os abscessos artificialmente mantidos, de odor fétido, tão frequentemente empregados, que se chamam cautérios? Se, nas primeiras semanas, ao provocarem ainda muita dor, eles parecem, por antagonismo, impedir de alguma forma o mal crônico, não obtêm, a seguir, quando o corpo se acostuma à dor, outro resultado além do debilitamento do doente, proporcionando, assim, à afecção crônica, um campo ainda mais vasto. Ou será que se supõe, em pleno século XIX, que, com isso, mantém-se aberto um escoadouro para a matéria peccans que é preciso evacuar? Chega-se quase a crer!

 

[21] E tampouco através das provocadas artificialmente.

 

[22] Consequentemente naturais da supressão de tais sintomas locais, conseqüências que muitas vezes são consideradas pelo médico alopata como doenças totalmente diferentes e novas.

 

[23] Com esse procedimento contraditório não é raro que a velha escola se permita fazer o contrário do que dela se espera, isto é, reprimir, como bem entende e quando eles se tornam penosos, os esforços que a força vital realiza para atenuar a doença interior através de evacuações e de sintomas locais manifestos nas partes externas do corpo com a ajuda de repercutientia e repellentia; suprimir as dores crônicas, a insônia e as diarréias antigas, por meio de doses de sumo de papoula que ela aumenta temerariamente, os vômitos empregando a mistura efervescente de sal, a transpiração fétida dos pés com lava-pés frios e cataplasmas adistringentes, o exantema cutâneo com preparados à base de chumbo e zinco; impedir hemorragias uterinas por injeções de vinagre, a transpiração coligativa com ´Alaun-Molkeu´, as poluções noturnas com grande quantidade de cânfora, os acessos freqüentes de ondas de calor por todo o corpo e face com salitre e ácido vegetal e sulfúrico, impedir o sangramento do nariz com tampões embebidos em álcool ou líquidos adistringentes e dissecar as úlceras das pernas provocadas pela força vital, a fim de aliviar grandes sofrimentos interiores, com óxido de chumbo e zinco, etc. Porém, com que tristes resultados? Milhares de experiências nô-lo mostram. O médico da velha escola se vangloria, em palavras e escritos, de ser um médico racional que pesquisa a causa da doença para cura-la sempre radicalmente, porém, vide: ele apenas cura um sintoma isolado e sempre com prejuízo para o doente.

 

[24] Ela é, na verdade, enantiopática; menciona-lo-ei novamente no texto do Organon (parágrafo 59).

* Substâncias amargas (N.T.)

 

[25] Aqueles que ouvem mal melhoraram com aplicações, somente por algumas horas, de moderadas descargas voltaicas com a coluna voltaica do farmacêutico Jever, mas, em breve, as mesmas não mais surtiam efeito, para obter resultado semelhante, o farmacêutico era obrigado a aumenta-las, até que nem mesmo tais descargas produzissem mais efeito, pois, embora as mais fortes ainda excitassem, a principio, a audição do doente, por curto espaço de tempo, terminavam por torna-lo completamente surdo.

 

[26] Todavia, um dos dirigentes dessa antiga escola Hufelando (v. Hamôopathie p.22) enaltece a Digitalis com este propósito, advogando-se em causa própria, com as seguintes palavras: ´ninguém negará (somente a experiência diária o faz!) que uma circulação muito intensa pode ser suprimida pela Digitalis (?)´. De modo duradouro? Suprimida? Através de um meio heróico enatiopático? Pobre Hufeland).

 

[27] Que Hufelando reivindica em vão para sua antiga não-arte em seu panfleto: Homôopthie (p.20). considerando, como é sabido que, antes da publicação de meu livro (Doenças Crônicas), a alopatia de 2500 anos de idade não sabia nada acerca da fonte da maioria das doenças crônicas (a psora), não deveria ela, então, falsear uma outro fonte (genesis) para os males crônicos!

 

[28] Antes da terceira parte da matéria médica pura: fontes da matéria médica dominante.

 

[29] Mesmo os Homens da escola medicamentosa tradicional reconheceram o absurdo de tais misturas de medicamentos, embora eles próprios seguissem em sua prática esse eterno descuido, desaprovado pelo seu bom senso. Assim expressa Marcus Herz no jornal de Hufeland (d. pr. A. II.p33) suas crises de consciência: ´Quando pretendemos suprimir um estado inflamatório, não empregamos nem salitre nem sal de amoníaco nem o ácido vegetal isolado, mas, ordinariamente, misturamos vários meios chamados antiflogísticos frequentemente em grande número ou os empregamos alternadamente. Para combater a putrefação não nos basta esperar o resultado de apenas um medicamento antiséptico conhecido, como a casca de quina, os ácidos minerais, a arnica, a serpentaria, etc.,, administrados em grandes doses, preferindo misturar vários deles e contar com sua ação combinada e, por ignorar qual é o seu efeito para o presente caso, lançamos mão de várias substâncias, entregando ao acaso, graças a uma delas, o cuidado de produzir a esperada transformação. Assim, é raro que nós provoquemos a transpiração, que purifiquemos o sangue (?), que provoquemos a expectoração, que aliviemos congestões (?) e que desobstruamos mesmo as primeiras vias com a ajuda de um único meio; nossas prescrições nesse sentido são sempre complicados, quase nunca simples e puras, (não o sendo) também, consequentemente, as experiências e, relação aos efeitos de suas substâncias isoladas. Na verdade, o que fazemos é estabelecer uma espécie hierarquia em nossas fórmulas, de um modo acadêmico, chamando de base (basis) aquele ao qual propriamente encarregamos de produzir um efeito e aos outros damos o nome de auxiliares, adjuvantes (adjuvantia), corretivos (corrigentia), etc. É evidente que, na maior parte das vezes, somente o arbítrio serve de fundamento a tal classificação. Os auxiliares e adjuvantes possuem a mesma cota de participação no efeito total que o meio principal, embora não possamos determinar-lhe o grau, por falta de uma escala. Da mesma forma, a influência do corretivo sobre as forças dos outros meios não pode ser totalmente indiferente, devendo as mesmas aumenta-las, diminui-las ou imprimir-lhes uma outra direção e nós devemos considerar sempre a transformação salutar (?) que uma tal fórmula realiza, como resultado de todo seu conteúdo, sem nunca deduzir, a partir dele, uma verdadeira experiência acerca da eficácia de um só de seus componentes. Com efeito, nossa compreensão dos fenômenos sobre os quais repousa, por assim dizer, o essencial do conhecimento de todos os nossos meios é, contudo, muito frágil, assim como nosso conhecimento das afinidades que ocorrem, talvez às centenas, por ocasião de suas misturas, para que possamos afirmar com certeza em que intensidade e de que maneira uma substância, aparentemente muito insignificante, pode atuar, quando for introduzida no corpo humano´.

* Segundo a lei da arte (N.T.).

 

[30] Pois a verdade tem a mesma eterna origem da sábia e bondosa divindade. Os Homens podem, por muito tempo, não lhe dar atenção até o momento em que cumprindo os decretos da Providência, seus raios deverão penetrar inevitavelmente a névoa dos preconceitos como a aurora e o dia nascente, a fim de iluminar a humanidade.

 

[31] Exemplos disso se encontram nas edições precedentes do Organon da arte de curar.

 

[32] Eles acreditavam, desse modo, expulsar da pele a transpiração que supunham imobilizada na epiderme, fazendo o doente tomar, durante os calafrios da febre, uma infusão de flor de sabugueiro, que pode, pelo efeito especifico de semelhança (homeopática), suprimir tal febre e restaurar melhor e muito rapidamente o doente e sem transpiração, se ele ingerir pouca quantidade de tal poção e mais nenhuma outra. Eles cobrem com cataplasmas quentes e continuamente renovados os abscessos agudos e duros cuja excessiva inflamação, acompanhada de dores insuportáveis, impede a supuração e, vide! A inflamação e as dores diminuem rapidamente com a breve formação do abscesso que eles reconhecem pela lustrosa elevação amarela e pelo flanco sensível. Supunham, então, haver amolecido o tumor graças à umidade do cataplasma quando, na verdade, eles amenizaram homeopaticamente o excesso de inflamação por meio do calor mais forte do cataplasma, possibilitando, assim, uma rápida supuração. Por que empregam com sucesso em algumas oftalmias o óxido vermelho de mercúrio, presente na pomada de St. Yves que, mais do que qualquer outra substância, tem a propriedade de inflamar os olhos? É difícil entender que procedem homeopaticamente em tal caso? Ou, por que na vontade de urinar (não raro) inútil e inquietante das crianças e na gonorréia comum, geralmente reconhecida pelos quase vãos e dolorosos esforços para urinar que a acompanham, um pouco de salsa teria eficácia instantânea se tal sumo fresco não provocasse, por si só, nas pessoas saudáveis uma necessidade quase inútil e dolorosa de urinar; em outras palavras, se não curasse homeopaticamente? Sem conhecer a lei homeopática, foram felizes em combater a angina chamada mucosa graças à raiz de pimpinela que favorece a secreção de mucosidades nos brônquios e na laringe e abrandaram algumas hemorragias uterinas com folhas de sabina que possuem a propriedade de causar as mesmas hemorragias. Muitos médicos descobriram que pequenas doses de ópio, que normalmente retêm a evacuação intestinal, eram o medicamento melhor e mais seguro para curar a constipação que acompanha as hérnias estranguladas e o íleo, sem pressupor, entretanto, a lei homeopática que aqui prevalece. Eles curaram úlceras não-venéreas da garganta com pequenas doses de mercúrio que, então, agia homeopaticamente, acalmaram diversas diarréias por meio de pequenas doses de ruibardo que habitualmente favorece a evacuação intestinal, curaram a raiva com belladona, que provoca um mal semelhante e removeram, como que por encanto, o perigo que representa o estado comatoso das febres agudas com uma pequena dose de ópio, substância aquecedora e estupefaciente. E, apesar de tudo, injuriam e perseguem a homeopatia com uma cólera que somente o despertar de sua consciência pesada consegue produzir num coração, incapaz de aperfeiçoar-se.

 

[33] Baseado em tais exemplos retirados da medicina caseira, Hr.M Lux construiu seu suposto método curativo através da mesma e da igual,chamada por ele de isopatia e que algumas cabeças excêntricas já adotaram como o non plus ultra da arte de curar, sem saber como poderiam realiza-lo. Porém, se examinarmos exatamente tais exemplos, as coisas tomarão um aspecto completamente diferente. As forças puramente físicas exercem sobre o organismo uma ação bem diferente daquela da força dinâmica dos medicamentos. O calor ou o frio do ar ambiente, da água ou dos alimentos e bebidas, não exercem por si mesmos, uma influência absolutamente prejudicial no corpo sadio (enquanto calor ou frio). O calor e o frio fazem parte, na sua alternância, do processo de conservação da vida, não constituindo, portanto, medicamentos em si. Não é devido à sua própria essência que o calor e o frio agem como medicamentos nas doenças do corpo (portanto, não como calor e frio e não como substâncias prejudiciais em si mesmas, como, por exemplo, os medicamentos, o ruibardo, a quina, etc., mesmo nas doses ínfimas), mas apenas devido à sua maior ou menor intensidade, isto é, segundo seu grau de temperatura, assim como (para dar um outro exemplo de forças puramente físicas) um grande bloco de chumbo machuca dolorosamente minha mão, não devido à sua essência como chumbo, pois uma lâmina fina não poderia faze-lo, mas graças à sua massa e a seu peso. Se, pois, o frio e o calor são úteis nas afecções do corpo, como os congelamentos e as queimaduras, isso acontece apenas devido a seu grau de temperatura, da mesma forma que é unicamente graças ao grau máximo de temperatura que eles prejudicam o corpo sadio. Isso posto, descobrimos, nos exemplos da medicina caseira, que não é a aplicação prolongada do grau de frio que congelou o membro o que o restabelece isopaticamente (ele se tornaria completamente inerte, perdendo toda a vida) mas sim um frio apenas aproximado (homeopatia), conduzindo pouco a pouco a uma temperatura suportável, do mesmo modo que o chucrute congelado, aplicado dentro de um aposento sobre a mão congelada, em breve se degela à temperatura ambiente e progressivamente se aquece, aproximando-se do grau +1 ou +2 e assim por diante, até atingir a temperatura do aposento, mesmo que esta seja +10º , restabelecendo, assim, o membro, de maneira física e homeopática. Igualmente uma queimadura na mão, causada por água fervente, não se cura, com a isopatia, mediante nova exposição à água fervente, mas sim, através de um calor um tanto mais fraco, mergulhando-a, por exemplo, em um recipiente contendo líquido aquecido a 60º cuja temperatura diminui a cada instante, adquirindo, finalmente, a temperatura do aposento, com o que, a parte queimada é novamente restabelecida através da homeopatia. Ainda, do mesmo modo, a água que se encontra sob a forma de gelo no interior das batatas geladas e das maçãs não se escoa sob essa forma pela isopatia, mas somente com a água próxima de seu grau de congelamento. Para dar mais um exemplo da ação física, o dano causado, por exemplo, por um golpe na fronte com um objeto duro *um ´Brausche´ muito doloroso) é suavizado quando se apóia o polegar sobre a parte afetada, a principio, com vigor, suavizando-se cada vez mais a pressão, homeopaticamente, não, porém, com o mesmo golpe e com o mesmo corpo rígido, o que, isopaticamente, exasperaria ainda mais o mal. O que é igualmente relatado como cura pela isopatia, no referido livro, como o caso de certas contrações no Homem e uma paralisia dos rins em um cão, ambos causados por resfriamento, que foram rapidamente curados com banhos rios, é erroneamente explicado como isopatia. Os sofrimentos devidos aos resfriamentos só têm de frio o nome e frequentemente ocorrem em organismos predispostos, em virtude, muitas vezes, de uma rápida corrente de ar que, aliás, nem chegaria a ser frio. Os diversos efeitos do banho frio no organismo vivo em estado de saúde ou de doença não podem tampouco  absolutamente ser abrangidos  com um único conceito, para que sobre ele se possa fundar um sistema com tamanha temeridade! Que se curassem, de maneira mais segura, como se vê, mordidas de cobra, aplicando-se pedaços da mesma, eis o que há tanto tempo ainda faz parte de fábulas pretéritas que uma informação tão inverossímil não foi confirmada através de observações e experiências irrefutáveis nem o será jamais. Enfim, quando se ouve dizer que a saliva de um cão raivo deve ter curado um homem já hidrófobo (na Rússia), este ´deve´ jamais induzirá um médico consciencioso a prática da imitação perigosa ou a construí um sistema tão inverossímil e tão incrivelmente expandido como o da chamada isopatia com o qual os excêntricos papagaios contribuem (não o modesto autor do livreto Die isopathik der-Contagionem, Leipz, em Kollmann), principalmente o Dr. Grab (v.allg.horn.Z. H. p.72), que proclama tal isopatia (aequalia aequalibus) como o único principio para a cura, vendo no similia similibus apenas um recurso de emergência, o que constitui uma ingratidão muito grande, pois, ele deve todo seu nome e toda sua fortuna unicamente ao principio similia similibus.

 

[34] Fernelius (Therap. Lib. VI cap. 20) já considerava a exposição ao fogo da parte queimada como o meio mais apropriado para fazer cessar a dor. John Hunther (on the bood, inflammation etc p. 218) menciona os graves inconvenientes do tratamento das queimaduras com água fria, preferindo a exposição ao fogo. Não estão de acordo com as doutrinas médicas tradicionais que prescrevem coisas refrigerantes contra a inflamação (contraria contrariis) mas de acordo com o que lhes ensinou a experiência: um aquecimento semelhante (similia similibus) é o meio mais eficaz.

 

[35] Sydenhaum (opera p.271) diz: ´As reiteradas aplicações de álcool são preferíveis a todo outro meio contra queimaduras´. Benj. Bell (System of surgery, third. Edit. 1798) rende também homenagem à experiência que mostra somente os meios homeopáticos como os únicos eficazes. Ele diz: ´O álcool é um dos melhores meios contra as queimaduras de todas as espécies. Quando se aplica, parece, a principio, agravar a dor (vide abaixo parágrafo 164), mas, em breve, ela se abranda, sobrevindo uma agradável sensação de alivio. O método é mais poderoso quando se submerge a parte afetada em álcool, mas quando não se pode praticar a imersão, deve-se manter a queimadura constantemente coberta com pano de linho, embebido em álcool´. Contudo, eu acrescento: o álcool quente e mesmo muito quente age aqui ainda mais rapidamente e de um modo mais seguro porque ele é mais homeopático do que o álcool não aquecido. Eis o que atesta toda experiência, para nosso espanto.

 

[36] Edw. Kentish, que tantas vezes teve que tratar vários operários queimados com exalação de gás inflamáveis nas minas de hulha, ´aplicava-lhes essência de terebintina quente ou álcool como o melhor meio que podia empregar nas queimaduras mais graves´ (Essay on Burns, London 1798. Second Essay). Nenhum tratamento pode ser mais homeopático do que este, nem há tampouco outro mais eficaz. Heisler (Institut. Chirung Tom. I p. 333), homem honrado e experiente, constatou tal fato em sua própria experiência, enaltecendo ´a aplicação de essência de terebintina, de álcool e de cataplasmas tão quentes quanto se possam suportar´. Mas, na absoluta impossibilidade de qualquer refutação, assiste-se à assustadora preponderância de tais meios (aqui homeopáticos, portanto) que, aplicados sobre as partes inflamadas, provocam, por si mesmas, uma sensação de queimadura e de calor. Assim, Johm Bel (in Kühn´s phys. Med. Journale, Leipz, 1901. Jun. p.428) recomendou a uma jovem que havia se queimado com líquido fervente, mergulhar um braço na essência de terebintina e o outro na água fria, o outro, contudo, continuou doendo durante seis horas. Quando ela o retirava apenas alguns instantes da água, sentia dores bem mais intensas, tendo necessitado de um tempo bem maior do que o primeiro para curar-se. Johm Anderson (em Kentish, am. Angef. Orte p. 43), tratou igualmente, desse modo uma senhora que queimava a face e o braço com gordura fervente. ´A face que estava muito vermelha e queimada e que doía muito, foi besuntada depois de alguns minutos, com óleo de terebintina, contudo, o braço ela própria colocou em água fria, pretendendo trata-lo durante algumas horas. Após sete horas, sua face apresentava um aspecto bem melhor e as dores estavam mais fracas. A água fria para o braço era constantemente renovada, mas quando ela a retirava, queixava-se de fortes dores, aumentando, com efeito, a inflamação. Na manhã seguinte, constatei que ela tivera fortes dores no braço; a inflamação se estendida agora até o cotovelo, formaram-se várias bolhas grandes e surgiram espessas crostas no braço e na mão nas quais se aplicou, então, cataplasma quente. A face, contudo, estava totalmente indolor; em contrapartida, o braço precisou ser pensado durante 14 dias com emolientes, antes que se curassem´. Quem não reconheceria aqui a infinita vantagem do tratamento (homeopático) através de meios de efeito semelhante, sobre o mísero procedimento através do oposto (contraria contrariis) segundo a arte medicamentosa obsoleta e comum?

 

[37] J. Hunter não é o único a mencionar (na passagem citada) as grandes desvantagens que apresenta o tratamento das queimaduras com água fria e W. Fabric von Hilden (De combustionibus libelles. Basil.1607. cap. 5 p. 11) afirma: ´As compressas frias que se aplicam sobre as queimaduras são altamente prejudiciais, trazendo as piores conseqüências, como a inflamação, a supuração e, por vezes, a gangrena´.

 

[38] Zimmermann (Ueber die Erfahurng. II. p.318) ensina que os habitants dos paises quentes assim procedem com o melhor resultado e que, após uma grande sensação de calor, ingerem um pouco de bebida alcoólica.

 

[39] Também as passagens seguintes tiradas de autores que entreviram a homeopatia não são por mim mencionados para testemunhar a fundamentação de tais ensinamentos que se afiram, por si sós, mas para evitar a censura pelo fato de haver omitido tais pressentimentos, a fim de assegurar-me a prioridade da idéia.

Apresentação

 

O principal instrumento de um estudo teórico sobre Homeopatia é o Organon da Arte de Curar, livro escrito por Samuel Hahnemann. Além de conter as regras básicas para se praticar a Homeopatia, os principais conceitos usados pelos homeopatas se baseiam em seus parágrafos. A sua importância também se deve ao fato de ter sido o último livro escrito por Hahnemann. Um dos grandes problemas na Homeopatia atualmente é que, pelo fato de que o Dr. Hahnemann era e escrevia em alemão, os cuidado necessários a serem tomados em sua tradução devem ser muito grandes, para que conceitos errôneos não sejam difundidos para os homeopatas em geral.

 

1

A mais alta e única missão do médico é restabelecer a saúde nos doentes, que é o que se chama curar.

 

* Sua missão não é, porém (com o que tantos médicos gastaram ambiciosamente, até hoje, forças e tempo), forjar idéias e hipóteses no interior do organismo para os chamados sistemas, ou as inúmeras tentativas de explicação a respeito dos fenômenos mórbidos e sua causa imediata, sempre oculta a nós, envolvidos em palavras inconcebíveis e num bombástico modo abstrato de expressões de aparência muito erudita a fim de impressionar os ignorantes, enquanto os doentes suspiram, em vão, por socorro. Basta desses sábios devaneios (chamados medicina teórica, e para os quais até cátedras próprias); está na hora de, uma vez para sempre, os que se chamam médicos cessarem de enganar os pobres seres humanos com palavras destituídas de conteúdo, e começarem, finalmente, a agir, isto é, a ajudar e curar realmente.

 

2

O ideal máximo da cura é o restabelecimento rápido, suave e duradouro da saúde, ou remoção e aniquilamento da doença, em toda a sua extensão, da maneira mais curta, mais segura e menos nociva, agindo por princípios facilmente compreensíveis.

 

3

Se o médico percebe claramente o que há para ser curado nas doenças, isto é, em cada caso individual de doença (conhecimento da doença, indicação), se ele claramente percebe o que é curativo nos medicamentos, isto é, em cada medicamento em particular (conhecimento das virtudes medicinais), e se sabe adaptar, de acordo com princípios bem definidos, o que é curativo nos medicamentos, ao que considerou indubitavelmente patológico no paciente, de tal maneira que a cura deva sobrevir; se sabe adapta-lo, tanto a respeito da conveniência do medicamento mais apropriado quanto ao seu modo de ação no caso de que se trata (a escolha do remédio, medicamento indicado), como a respeito da maneira exata de sua preparação e quantidade (dose certa), e do período apropriado de sua repetição se, finalmente, conhece os obstáculos ao restabelecimento de cada caso, e sabe remove-los de modo que a cura seja durável: então ele saberá agir de maneira racional e profunda, e então, ele será um verdadeiro médico.

 

4

Ele é igualmente um conservador da saúde, se conhece as coisas que a perturbam e causam e mantêm a doença, e sabe afasta-las do homem são.

 

5

Como auxilio da cura servem ao médico os dados detalhados da causa ocasional mais provável da doença aguda, bem como os momentos mais significativos da história inteira da doença crônica, para encontrar a sua causa fundamental, na maioria dos casos devida a um miasma crônico, no que se devem considerar a constituição física visível do paciente (especialmente do paciente crônico), seu caráter normal e intelectual, suas ocupações, seu modo de vida e hábitos, suas condições sociais e domésticas, sua idade e função sexual, etc...

 

6

O observador sem preconceitos – sabendo da futilidade de argumentações metafísicas, que a experiência não pode confirmar – nada percebe, mesmo sendo o mais arguto, em qualquer doença individual, senão alterações reconhecíveis externamente pelos sentidos do corpo e da alma, sinais mórbidos, acidentes, sintomas, i.e., perturbações do antigo estado são do atual paciente, os quais este mesmo sente, as pessoas de seu ambiente percebem e o próprio médico nele observa, todos esses perceptíveis representam a doença em toda a sua extensão, i. e., formam, juntos, o quadro verdadeiro e único que se pode imaginar da doença (...) Não compreendo, portanto, como podia vir aos médicos a idéia de procurar e querer encontrar, à cabeceira do doente, o que devia ser curado na doença, apenas no interior escondido e desconhecido, sem cuidarem dos sintomas e dirigirem a cura de acordo com eles, como, digo, podia surgir essa idéia com a pretensão arrogante e ridícula de que se pode restabelecer, com medicamentos (desconhecidos), as alterações do invisível interior sem considerar atentamente os sintomas, e que a isso se chama curar completa e racionalmente. Nas doenças, o que se manifesta aos sentidos pelos sintomas não é para o médico a própria doença, visto que ele nunca pode ver a doença latente, o ser imaterial que produz a doença,  a força vital? Nem é necessário que ele a veja, mas somente os seus efeitos mórbidos, para assim poder curar a doença. Que mais pretende a velha escola procurar no interior recôndito do organismo como ´prima causa morbi´, enquanto que rejeita, como objeto de cura, e desdenha, com falso orgulho, a representação sensível e óbvia da doença, os sintomas que se nos apresentam tão claramente? Que mais ela quer curar nas doenças senão isso?

 

7

Como em uma doença a respeito da qual nada se apresenta a afastar da causa que manifestamente a ocasione ou a mantenha (causa ocasionalis), não se pode perceber nada além dos sintomas; é preciso, achando-se na presença de um possível miasma, e em circunstâncias acessórias, que só os sintomas sirvam de guia na escolha dos meios próprios para a cura. A totalidade dos sintomas, esse quadro da essência interna da doença refletida para fora, isto é, a afecção da força vital, deve ser o principal e único meio pelo qual a enfermidade dá a conhecer o medicamento de que necessita – o único meio que determina a escolha do medicamento mais apropriado – em suma, a totalidade dos sintomas deve ser, para o médico, a principal, a única coisa que ele deve ver em cada caso de doença, e afastar pela sua arte, a fim de curar a doença e transforma-la em saúde (...) Entende-se que todo médico inteligente afastará, primeiramente, a causa; assim, o mal-estar em geral cessa espontaneamente. Ele removerá do quarto flores cujo perfume forte provoca desmaio e acidentes histéricos;da córnea,o corpo estranho que causa inflamação do olho; de um membro ferido, retirará o aparelho muito apertado que ameaça causar gangrena, e aplicará melhor um mais adequado; descobrirá a artéria ferida causadora do desmaio e fará ligaduras, procurará remover, pelo vômito, bagas de beladona ingeridas, etc., extrairá substâncias estranhas que tenham penetrado nos orifícios do corpo  (nariz, garganta, ouvidos, uretra, reto, vagina), triturará o cálculo vesical, abrirá o ânus imperfurado do neonato, etc. (...) Em todas as épocas, a velha escola procurava combater com medicamentos e, se possível, suprimir nas doenças um só dos sintomas, não sabendo, muitas vezes, a que outro expediente recorrer – uma unilateralidade que, sob o nome de tratamento sintomático, causou, com justa razão, desprezo geral, porque por esse meio, nada se ganha, mas muitos inconvenientes daí resultarão. Um único dos sintomas presentes é tanto a própria doença quanto um pé só é o próprio homem. Esse procedimento foi tanto mais repreensível, porque tratarem determinado único sintomas apenas com um remédio oposto (só, então, de maneira enantiopática e paliativa), pelo que, após curto alívio, o sintoma reaparecia pior que antes.

 

8

Não é concebível, nem pode ser provado por experiência alguma no mundo, que, removidos todos os sintomas mórbidos, e todo o conjunto dos acidentes perceptíveis, reste, ou possa restar, qualquer outra coisa além da saúde, ou que a alteração mórbida no meio interno não possa ficar destruída (...) Quando alguém foi recuperado de sua doença pro um verdadeiro médico, de tal maneira que nenhum sintoma mórbido tenha permanecido, e todos os sinais de saúde voltaram, pode-se presumir, em tal pessoa, que a doença esteja ainda residente no interior, sem com isso faltar ao bom-senso? Entretanto, o antigo chefe da velha escola, Hufeland, o afirma que as palavras: ´a homeopatia pode remover os sintomas, mas a doença fica´ - afirmou-o, em parte por desgosto pelos progressos da homeopatia, em benefício da humanidade, e em parte porque tem ainda conceitos bem materiais da doença, que ele ainda não julga um modo de ser do organismo alterado pela força vital doente, mas sim uma coisa material que talvez tivesse ficado ainda em qualquer canto do interior do corpo, para, de repente, na melhor saúde, e à vontade, irromper com a sua presença material. Quão grande é ainda a cegueira da velha patologia! Não admira que tal estado só pudesse produzir uma terapêutica, que teve como alvo apenas purgar o pobre doente.

 

9

No estado de saúde, a força vital imaterial (autocracia), que dinamicamente anima o corpo material (organismo), reina como poder ilimitado e mantém todas as suas partes em admirável atividade harmônica, nas suas sensações e funções, de maneira que o espírito dotado de razão, que reside em nós, pode livremente dispor desse instrumento vivo e são para atender aos mais altos fins de nossa existência.

 

10

O organismo material, destituído da força vital, não é capaz de nenhuma sensação, nenhuma atividade, nenhuma autoconservação; é somente o ser imaterial, animador do organismo material no estado são e no estado mórbido (o principio vital, a força vital), que lhe dá toda sensação e estimula suas funções vitais (...) Ele será morto e submisso apenas ao poder do mundo físico exterior; apodrece e se dissolve novamente em seus componentes químicos.

 

11

Quando o homem adoece, essa força vital imaterial de atividade própria, presente em toda parte no seu organismo (principio vital), é a única,que inicialmente sofre a influência dinâmica hostil à vida, dum agente morbigeno, é somente o principio vital, perturbado por uma tal anormalidade, que pode fornecer ao organismo as sensações desagradáveis e impeli-lo, destarte, a atividades irregulares a que chamamos doença; pois essa força invisível por si mesma é apenas reconhecível por seus efeitos no organismo, torna conhecida sua perturbação mórbida apenas pela manifestação da doença nas sensações e funções (as partes do organismo acessíveis aos sentidos do observador e médico), isto é, por sintomas mórbidos, e não pode torna-lo conhecido de outra maneira (...) Que é influência dinâmica – força dinâmica? Verificamos que a nossa terra, por uma força secreta, invisível, conduz a luz em torno de si, dentro de 28 dias e algumas horas, e que a luz levanta em marés, alternadamente, em horas fixas, os nossos mares do norte e os abaixa novamente em horas fixas, ao refluxo (deduzindo-se alguma diferença na lua cheia e na nova). Vemos isso e ficamos admirados, pois nossos sentidos não percebem como tal acontece. Aparentemente, isso não acontece por meio de invenções materiais ou realizações mecânicas, como as obras do homem. E vemos ao nosso redor ainda muitos outros acontecimentos, como resultado do efeito duma substância sobre outra, sem reconhecermos um nexo perceptível entre causa e efeito. Só o homem culto, experimentado na comparação e na abstração, é capaz de formar para si alguma idéia supersensorial suficiente para manter distante, nos seus pensamentos, tudo que é material ou mecânico na concepção de tais conceitos, ele chama tais efeitos de dinâmicos, virtuais, isto é, efeitos que resultam da energia e ação puras, específicas, absolutas, duma substância sobre outra. Assim, por exemplo, a ação dinâmica das influências mórbificas no homem são, bem como a força dinâmica dos medicamentos ao principio vital, para a restauração da saúde, não é outra coisa senão infecção, e de nenhum modo material, de nenhum modo mecânica, como o é a força dum imã que atrai um pedaço de ferro ou aço. Vê-se que o pedaço de ferro é atraído por um pólo do imã, porém, como isso acontece, não se vê. Essa força invisível do imã não precisa, para atrair o ferro, de nenhum meio auxiliar mecânico (material), de nenhum gancho ou alavanca; ela atrai e age sobre o pedaço de ferro ou agulha de aço por meio de pura força própria, imaterial, invisível, espiritual, isto é, dinamicamente, e comunica da mesma maneira invisível, dinâmica, a agulha de aço a força magnética; a agulha de aço torna-se magnética já à distância, sem ser tocada pelo imã, e magnetiza outras agulhas de aço com a mesma propriedade magnética (dinamicamente) que recebeu, antes, do imã, precisamente como uma criança com varíola ou sarampo comunica, à criança vizinha, são, não tocada por ela, a varíola, ou o sarampo, de maneira invisível (dinamicamente), isto é, infecta-a à distância, sem que qualquer material da criança infectante passe ou possa passar àquela outra tampouco como qualquer material do pólo do imã pudesse chegar à agulha de aço. Uma influência puramente imaterial especifica, comunicou à criança a varíola ou o sarampo, da mesma maneira como o imã comunicou a propriedade magnética à agulha vizinha. E de modo semelhante, deve-se considerar o efeito dos medicamentos no homem vivo. As substâncias naturais que se nos apresentam como medicamentos, são medicamentos desde que possuam a força (cada um uma própria especifica) de alterar o estado do homem pela influência imaterial, dinâmica (por meio da fibra sensitiva viva) sobre o principio vital imaterial que controla a vida. a propriedade medicinal daquelas substâncias naturais a que chamamos, em sentido mais estreito, de medicamentos, refere-se apenas à sua força de causar alterações no estado de vida animal; só a esse principio vital imaterial estende-se a sua influência (dinâmica) imaterial atiradora do estado; assim como a vizinhança dum pólo magnético pode comunicar ao aço  só força magnética (e isso por uma espécie de contágio), mas não outras propriedades (por exemplo, mais dureza ou ductilidade, etc.). E assim, cada substância medicinal especial altera, por uma espécie de infecção, o estado do homem de maneira peculiar, exclusivamente sua, e não de maneira peculiar a outro medicamento, tão certo quanto a proximidade duma criança com varíola comunicará a uma criança sã só a varíola, não o sarampo. Essa ação dos medicamentos sobre o nosso estado ocorre dinamicamente, como por infecção, completamente sem comunicação de partes materiais da substância medicamentosa. Muito mais força curadora manifesta-se, num caso mórbido apropriado, pela menor dose dos remédios melhor dinamizados – em que pode haver, de acordo com cálculos, apenas tão pouca substância material que sua pequenez não pode ser imaginada, nem concebida pela mente mais aritmética – do que por doses grandes do mesmo remédio em substância. Aquela pequeníssima dose pode, portanto, conter, quase inteiramente, a força medicinal imaterial pura, livremente desenvolvida, e realizar, apenas dinamicamente, tantas ações quantas nunca podiam ser obtidas pela substância medicinal bruta, tomadas mesmo em doses altas. Não é nos átomos corpóreos desses medicamentos altamente dinamizados, nem na sua superfície física ou matemática (com que as forças maiores dos medicamentos dinamizados são interpretados, como ainda bastante materiais, mas em vão) que se encontra a força medicinal, mas é uma força medicinal, específica, liberada da substância medicinal, que jaz invisível no glóbulo umedecido ou na sua solução, a qual age dinamicamente sobre o organismo inteiro, já em contato com a fibra animal viva (sem, porém, comunicar-lhe qualquer matéria, por mais atenuada que seja) e age tanto mais fortemente quanto mais livre e imaterial ela se tornou por meio da dinamização. É, pois, tão impossível, em nossa idade, notável pela sua riqueza em pensadores, imaginar a força dinâmica como algo de não-corpóreo, visto veremos, diariamente, fenômenos que não se podem explicar de qualquer outro modo! Se olharmos para algo repugnante e sentirmos vontade de vomitar, por acaso um vomitivo material entrou em nosso estômago, que o obrigou a esse movimento peristáltico? Não foi unicamente o efeito dinâmico do aspecto repugnante sobre a sua imaginação? E se levantarmos os braços isso ocorre por meio dum instrumento material visível? Não é unicamente a força dinâmica, imaterial de nossa vontade que os levanta?

 

12

É somente a força vital morbidamente afetada que produz moléstia, de modo que os fenômenos mórbidos que são perceptíveis aos nossos sentidos expressam, ao mesmo tempo, toda a mudança interna, isto é, toda a perturbação mórbida do dinamismo interno. Por conseguinte, são reveladores de toda a doença; além disso, a desaparição, pelo tratamento, de todos os fenômenos mórbidos e de todas as alterações mórbidas que diferem das funções vitais no estado de saúde, afeta, certamente, e necessariamente acarreta o restabelecimento da integridade do principio vital e, portanto, a recuperação da saúde de todo o organismo (...) como a força vital faz com que o organismo revele sintomas mórbidos, isto é, como ele produz a moléstia, viria a ser de nenhuma utilidade para o médico saber o como e o porquê, e jamais ele o saberá, e o que é inteiramente suficiente para permitir-lhe curar, o Senhor da Vida o revelou a seus sentidos.

 

13

Por isso, a doença (que não constitui objeto da cirurgia), sendo considerada pelos alopatas como algo separado do todo vivo, do organismo e sua força vital animadora, e oculta em seu interior, como se fosse algo de natureza tão sutil, é um absurdo somente imaginado por mentes materialistas, que durante milênios têm dado ao sistema de medicina predominante todos aqueles impulsos perniciosos que a tornaram uma arte (não curativa) verdadeiramente nociva.

 

14

Não há, no íntimo do homem, nada mórbido que seja curável, nem alteração mórbida curável, que não se revele ao médico observador por meio de sinais e sintomas mórbidos – o que está em perfeita harmonia com a bondade infinita do Onisciente Preservador da vida humana.

 

15

A afecção do dinamismo (força vital) espiritual que anima nosso corpo no interior invisível, morbidamente perturbado, bem como todos os sintomas exteriormente observáveis, por ele produzidos no organismo, e que representam o mal existente, constituem um todo, um e o mesmo. O organismo é, na verdade, o instrumento material da vida, não sendo, porém concebível sem a animação que lhe é dada pelo dinamismo instintivamente perceptor e regularizador, tanto quanto a força vital não é concebível sem o organismo; consequentemente, os dois juntos constituem uma unidade; embora em pensamento, nossas mentes separem essa unidade em dois conceitos distintos para mais fácil compreensão.

 

16

Nossa força vital, como um poder dinâmico, não pode ser atacada e afetada por influências danosas sobre o organismo sadio, causadas por forças estranhas maléficas que perturbam o jogo harmonioso da vida, deforma que não seja imaterial (dinâmica), e, do mesmo modo, todas essas perturbações mórbidas (moléstias) não podem ser afetadas pelo médico a não ser por meio dos poderes alternativos, imateriais (dinâmicos, virtuais) dos remédios em uso que agem sobre a força dinâmica, que os percebe pro meio da faculdade sensitiva dos nevos que se acham em todo organismo. De modo que somente pro sua ação dinâmica sobre a força vital os remédios podem restabelecer, e realmente restabelecerem, a saúde e a harmonia vital, depois que as alterações na saúde do paciente, perceptíveis por nossos sentidos (a totalidade dos sintomas) revelaram a moléstia ao médico atentamente observador e investigador, tão amplamente quanto foi necessário de modo que lhe permitisse a cura.

 

17

Ora, como na cura efetuada pela remoção da totalidade dos sinais e acidentes perceptíveis da doença (isto é, pela remoção da totalidade da doença), remove-se ao mesmo tempo a alteração interna do principio vital a que se deve a doença – é lógico que o médico só tem de remover a totalidade dos sintomas para afastar e aniquilar ao mesmo tempo a modificação interna, isto é, o transtorno mórbido da força vital, a totalidade da doença, a doença em si. Assim aniquilada a doença, restabelece-se a saúde e é esse o mais elevado e único objetivo do médico que conhece verdadeiramente o escopo de sua missão, que não consiste em falatórios que soam a erudição, mas em dar auxílio ao doente (...) Moléstias gravíssimas podem ser produzidas por distúrbios suficientemente sérios da força vital resultantes da imaginação, e também curadas da mesma maneira. Um sonho premonitório, uma fantasia supersticiosa ou a solene predição de que a morte ocorrerá em certo dia ou certa hora, não infrequentemente produziram todos os sinais da doença incipiente e em progressão, de morte próxima ou a própria morte na hora anunciada, o que não ocorreria sem a produção simultânea da alteração interna (correspondente ao estado observado externamente). Em tais casos, todos os sintomas mórbidos de morte próxima dissiparam-se pro causa idêntica, por um ardil engenhoso, pela persuasão em sentido contrário, e a saúde restabeleceu-se subitamente, o que não aconteceria sem a remoção, mediante esse remédio moral, da alteração mórbida interna e externa, que acarretou o perigo de morte. Só assim é que Deus, o Preservador da humanidade, pode revelar Sua sabedoria e bondade em relação à cura das doenças a que o homem está sujeito em sua vida terrena, mostrando ao médico o que ele teria de remover nas doenças para aniquila-las e assim restabelecer a saúde. Mas, o que pensaríamos de Sua sabedoria e bondade, envolvesse Ele em mística obscuridade o que se deva curar nos doenças (como o assevera a escola dominante da medicina, que afeta possuir sobrenatural visão da natureza intima das coisas), encerrasse e ocultasse Ele bem no fundo e assim impossibilitasse ao homem conhecer acuradamente a doença e consequentemente o impossibilitasse de cura-la?

 

18

Desta verdade inegável, que além da totalidade dos sintomas, considerando-se as modalidades que os acompanham, nada pode de maneira alguma ser descoberto em doenças em que elas possam expressar sua necessidade de tratamento, conclui-se que indubitavelmente a soma desses sintomas e condições em cada caso individual de moléstia deve ser a única indicação, o único meio de nos guiar na escolha de um remédio.

 

19

Ora, se as moléstias nada mais são que alterações do estado do individuo são, e se a cura não é possível, além disso senão pela conversão do estado de doença ou de saúde, é evidente que os medicamentos jamais poderiam curar moléstias se não tivessem o poder de alterar o estado de saúde do homem que depende de sensações e funções; em verdade, que seu poder de cura se atribua apenas a esse poder que tem de alterar o estado de saúde do homem.

 

20

O poder dinâmico de altera as condições de saúde do indivíduo, que jaz latente na natureza íntima dos medicamentos, em si, jamais pode ser descoberto por meros esforços da razão; é somente pela experiência dos fenômenos que manifesta, quando age no estado de saúde do indivíduo, que podemos percebe-lo claramente.

 

21

Assim, sendo inegável que o principio curativo dos medicamentos não é em si perceptível, e como nas experiências puras com medicamentos, levadas à  cabo pelos observadores mais atentos, nada pode ser observado que os constitua em remédios, a não ser o poder de causar alterações distintas no estado de saúde do corpo humano, e especialmente do indivíduo são, e de nele excitar diversos sintomas mórbidos definidos, conclui-se que, quando os medicamentos agem como meios de cura, só podem fazer funcionar sua capacidade curativa mediante esse seu poder de alterar o estado de saúde do homem produzindo sintomas peculiares. Assim, podemos confiar somente nos fenômenos mórbidos pelos medicamentos no corpo são como única indicação possível de seu poder curativo inerente, a fim de descobrir que poder produtor de moléstia, e, ao mesmo tempo, poder de curar, possui cada medicamento.

               

22

Contudo, como nada se observa nas doenças que deva remover-se, para cura-las, a não ser a totalidade dos sintomas e sinais e, do mesmo modo, como os medicamentos nada podem apresentar de curativo a não ser sua tendência a produzir sintomas mórbidos em pessoas sãs e remove-las em pessoas doentes – segue-se, por um lado, que os medicamentos só se tornam remédios, capazes de aniquilar doenças, porque a substância medicinal, provocando certos efeitos e sintomas, isto é, produzindo certo estado mórbido artificial, remove e anula os sintomas já presentes, a saber, o estado mórbido natural que desejamos curar; por outro lado, para que se cure a totalidade dos sintomas, procure-se aquele medicamento que mostrar (consoante a experiência revele que os sintomas mórbidos se removem e se transformem em saúde da maneira mais pronta, certa e permanente, por sintomas artificiais semelhantes ou opostos)* a maior tendência a produzir sintomas semelhantes ou opostos.

 

* O outro possível método de emprego de remédios contra moléstias, além desses dois, é o método alopático, em que se dão medicamentos cujos sintomas não têm relação patológica direta com o estado mórbido, nem semelhante, nem oposta, mas bastante diverso dos sintomas da doença. Esse método já mostrado noutro lugar, como sendo um jogo assassino e irresponsável contra a vida dos doentes, com medicamentos violentos e perigosos, cuja ação é desconhecida, e que são escolhidos por meras conjecturas, sendo dados em doses grandes e freqüentes; outrossim, com operações dolorosas, destinadas a levar a moléstia para outras regiões do organismo, e tirar a força e os sucos vitais do paciente, por meio de eliminação por cima e por baixo, suco e salivação, mas especialmente tirando-se o sangue insubstituível, conforme se pratica pela rotina usual, empregada às cegas e sem cessar, geralmente inadequados, de força vital ininteligente e instintiva, que se acha arraigada no nosso organismo, desde que ele esteja sadio, continuar a vida em desenvolvimento harmônico, mas não curar-se da doença. Pois fosse dotado de tal capacidade, nunca poderia o organismo adoecer. Quando afetado por agentes nocivos, nossa força vital nada pode fazer, a não ser exprimir sua depressão causada por distúrbios da regularidade de sua via, pelos sintomas, mediante os quais o médico inteligente recebe o pedido de ajuda. Se esta não for dada, tenta salvar-se mediante violentas evacuações, não importa quais os efeitos, geralmente com grandes sacrifícios ou destruição da própria vida. para efeitos de cura, a força vital morbidamente deprimida possui tão louca capacidade digna de imitação, que todas as alterações e sintomas produzidos por ela no organismo são a própria moléstia! Que médico inteligente quereria imitar a doença com o fito de curar, sem com isso sacrificar o paciente?

 

23

Toda a experiência pura, contudo, e toda a pesquisa perfeita nos convencem que sintomas pertinazes de moléstias estão longe de ser removidos e eliminados por sintomas opostos de medicamentos (como no método antipático, enatiopático ou paliativo), que, ao contrário, após alívio aparente e transitório, recrudescem com denodado vigor e agravam-se manifestamente (vide 58-62 e 69).

 

24

Não resta, assim, nenhum outro método de emprego de medicamentos contra moléstias, que ofereça possibilidades, a não ser o homeopático, pelo qual procuramos, para a totalidade dos sintomas do caso de doença, um remédio que dentre todos os outros (cujos efeitos patogenéticos são conhecidos por experimentos realizados em indivíduos sãos) tenha o poder e propensão de produzir um estado mórbido artificial o mais semelhante ao caso de doença em questão.

 

25

Contudo, todos os ensaios cuidadosos,experiência pura*, o único e infalível oráculo da arte de curar, nos ensina que realmente aquele medicamento que, em sua ação no corpo humano são, tem demonstrado seu poder de produzir o maior número de sintomas semelhantes aos observáveis no caso da doença sob tratamento, igualmente, em doses de potência e atenuação adequadas, remove rápida, radical e permanentemente todos os sintomas desse estado mórbido, isto é (6-16), toda a doença atual, transformando-a em saúde; e que todos os remédios curam, sem exceção, aquelas moléstias cujos sintomas mais se assemelham aos seus, sem deixar de curar nenhum.

 

*Não me refiro ao tipo de experiência de que se vangloriam os clínicos comuns da velha escola, após haverem trabalhado anos a fio com uma série de receitas complexas em inúmeras doenças que nunca investigaram cuidadosamente, mas que, fieis aos padrões de sua escola, consideraram como já tendo sido descritos em obras de patologia sintomática, sonhando nelas poder encontrar alguma matéria morbífica imaginária, ou atribuíram-lhe alguma anormalidade interna hipotética. Sempre viram algo, mas eles não sabiam o que viam e obtinham resultados de forças complexas que agiam em um objeto desconhecido, que nenhum ente humano e apenas Deus poderia ter desvendado – resultados dos quais nada se pode aprender, ou ganhar experiência. Cinqüenta anos de experiência desse tipo correspondem a cinqüenta anos olhando num caleidoscópio cheio de objetos coloridos desconhecidos girando incessantemente – milhares de figuras que sempre se alteram sem que se possa explica-las.

 

26

Isso depende da seguinte lei homeopática da natureza, realmente às vezes imaginada, mas, até agora, não inteiramente reconhecida, e à qual se deve toda a cura efetiva que se tenha realizado: Uma afecção dinâmica mais fraca é extinta de modo permanente no organismo vivo por outra mais forte, quando esta última (embora de espécie diferente) seja semelhante à primeira em suas manifestações*.

 

*Assim se curam tanto as afecções físicas como os males morais. Como é que nas primeiras horas da madrugada o brilhante Júpiter desaparece da vista do observador? Por uma força semelhante, mas muito mais forte agindo no nervo óptico o brilho do dia que se aproxima! – Em ambientes repletos de odores fétidos, como que é que se acostuma aliviar os nervos olfativos ofendidos? Com rapé, que afeta o sentido do olfato de modo semelhante, mas muito mais intenso! Não há música nem doces que, agindo nos nervos de outros sentidos, possam curar esse mal-estar olfativo. Como é que o soldado destramente abafa os gritos de que está sendo punido aos ouvidos dos assistentes? Pelas notas agudas da flauta misturada com o rufar do tambor. E o rugido distante do canhão do inimigo que enche de medo seu exército? Com fortes batidas do grande tambor. Pois nem a um nem a outro servira a distribuição de belos uniformes ou reprimenda ao regimento. Do mesmo modo, o luto e a dor serão apagados da mente por outra causa ainda mais forte de dor, mesmo que seja mera ficção. Os inconvenientes da alegria exagerada são removíveis tomando-se café, que produz um estado de espírito excessivamente alegre. Os povos como o alemão, que durante séculos e séculos mergulharam cada vez mais fundo em apatia material e degradante servidão, devem ser calcados ainda mais fundo no pó pelo conquistador ocidental até que sua situação se torne intolerável; assim, sua baixa opinião de si próprios foi levado ao máximo e removida; podem outra vez viver dignamente como homens, e assim, pela primeira vez, erguerem suas cabeças como alemães.

27

O poder curativo dos medicamentos depende, portanto, de seus sintomas, semelhantes aos da doença, mas superiores em força (12, 26), de modo que cada caso individual de doença é mais certa, radical e rápida e permanentemente eliminado e removido apenas por um remédio capaz de produzir no organismo humano, de maneira mais completa e semelhante, a totalidade dos seus sintomas, que são, ao mesmo tempo, mais fortes que a doença.

 

28

Como esta lei natural de cura se manifesta em cada experiência pura e em cada verdadeira observação no mundo esse fato acha-se consequentemente firmado; pouco importa qual seja a explicação científica de como ele ocorra; e dou pouca importância às tentativas feitas para explica-lo. Contudo, a seguinte explicação parece será mais razoável, por basear-se em premissas oriundas da experiência.

 

29

Como cada moléstia (não inteiramente cirúrgica) consiste apenas numa alteração dinâmica especial e mórbida de nossa força vital (do princípio) vital0 manifestada em sensação e atividades, do mesmo modo, em cada cura homeopática, esse princípio vital dinamicamente alterado pela doença natural é atingido, pela administração de uma potência medicinal escolhida exatamente de acordo com o sintoma-semelhança, por uma doença artificial, semelhante, um tanto mais forte. Assim, cessa e desaparece a sensibilidade de afecção da doença dinâmica natural (mais fraca). Esta afecção da doença não mais existe para o principio vital agora ocupado e governado somente pela afecção da doença artificial mais forte. Logo perde a sua força essa afecção da doença, deixando o paciente livre de doença, curado*. O dinamismo, assim liberado, pode agora fazer continuar a vida em condições de saúde. Esse processo altamente provável baseia-se nas proposições a seguir.

 

*A curta duração da ação das forças mórbificas artificiais, a que chamamos de medicamentos, torna possível que, sejam mais fortes que as doenças naturais, possam ser ainda mais facilmente dominadas pela força vital que as doenças naturais mais fracas, que, somente em conseqüência da duração maior, geralmente permanente, se sua ação (psora, sífilis, sicose), não podem ser vencidas e eliminadas por ela apenas, até que o médico afete a força vital de modo mais forte por meio de agente que produza doença muito semelhante, porém mais forte (um remédio homeopático). As curas de moléstias de muitos anos de duração (46), pela varíola e sarampo (que se fazem sentir por apenas algumas semanas), são processos de caráter semelhante.

 

30

O corpo humano parece ser muito mais fortemente afetado em seu estado de saúde por meio de medicamentos (em parte, porque regulamos a dose de acordo como a nossa vontade) do que por estímulos mórbidos naturais, pois as moléstias naturais se curam e se dominam com remédios adequados.

 

31

As forças inimigas, em parte psíquicas e em parte físicas, a que está exposta a nossa existência terrena, os chamados agentes nocivos morbificos, não possuem o poder de afetar morbidamente a saúde do homem, incondicionalmente*, mas estes fazem adoecer somente quando o nosso organismo se encontra suficientemente disposto e suscetível tanto ao ataque da causa morbifica presente, como a ser alterado em seu estado de saúde, perturbado e sujeito a sensações e funções anormais – daí não produzirem moléstias nem em todos, nem sempre.

 

*Quando eu chamo doença uma aberração ou uma perturbação do estado de saúde do individuo, estou longe de querer dar uma explicação hiperfisica da natureza interna das doenças em geral, ou de cada doença em particular. Com esta expressão quero significar que as doenças, evidentemente, nem podem ser, perturbações mecânicas ou químicas de substância material do corpo físico, que elas não dependem dum agente patogênico material, mas são alterações dinâmicas e imateriais da vida.

 

32

Algo bem diferente ocorre com os agentes morbíficos artificiais a que chamamos de medicamentos. Cada medicamento verdadeiro age em todo o tempo e em todas as circunstâncias, em todo ser humano vivo, nele produzindo seus sintomas peculiares (distintamente perceptíveis, se a dose for suficientemente grande), de modo que evidentemente cada organismo humano vivo é suscetível de ser afetado e, por assim dizer, inoculado com a doença medicinal sempre, e absolutamente (incondicionalmente), o que como acima referido, de modo algum ocorre com as moléstias naturais.

 

 

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De acordo com esse fato, está inegavelmente demonstrado pela experiência* que todo organismo humano vivo acha-se muito mais disposto e tem maior suscetibilidade de receber influências, e a ter seu estado de saúde perturbado por poderes medicinais, que por agentes morbificos nocivos e miasmas infecciosos, ou, em outras palavras, que os agentes morbificos nocivos têm um poder de perturbar morbidamente a saúde do individuo, o qual é subordinado e condicionado, por vezes muito condicionado; ao passo que os agentes medicinais têm um poder incondicional absoluto, grandemente superior ao primeiro.

 

*Um exemplo marcante que vem corroborar esta afirmativa é que quando antes do ano de 1801, quando a escarlatina lisa de Sydenham ainda ocasionalmente prevalecia de forma epidêmica entre as crianças, atacava quase sem exceção todas as crianças que dela escaparam em epidemia anterior; em epidemia semelhante a que testemunhei em Konigslutter, ao contrário, todas as crianças como tomaram a tempo uma pequeníssima dose de Belladona, não foram atacadas por esse mal infantil altamente contagioso. Se os medicamentos podem proteger alguma doença que esteja grassando, esses devem ter o poder de afetar a força vital de modo superior.

 

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A força maior das moléstias artificiais produzíveis pelos medicamentos não é, contudo, a causa única de seu poder de curar moléstias naturais. Para que possam curar, é primeiramente necessário que sejam capazes de produzir no corpo humano uma moléstia artificial tão semelhante quanto possível ao mal a ser curado, que, com uma força um tanto maior, transforma em estado mórbido muito semelhante o princípio vital instintivo que é em si incapaz de qualquer reflexão ou ato de memória. Não somente obscurece, como também extingue e aniquila a perturbação causada pela moléstia natural. Tanto isto é verdade que nenhuma doença pré-existente pode ser curada, mesmo pela própria Natureza, pela influência de nova doença diferente, por mais forte que seja, e nem tampouco pode ser curada por tratamento médico com drogas incapazes de produzir um estado mórbido semelhante no organismo são.

 

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Para ilustrar o acima exposto, consideraremos três casos distintos, e o que acontece na natureza quando dois males naturais diferentes se encontram em um individuo, e também o resultado do tratamento médico ordinário da moléstia com drogas alopáticas inadequadas, que são incapazes de produzir condição mórbida artificial semelhante à moléstia a ser curada, pelo que parecerá que mesmo a natureza é incapaz de remover um mal dessemelhante que já esteja presente, por outro lado não homeopático dos remédios mais fortes, ainda que capazes de curar uma doença qualquer que ela seja.

 

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I. Se as duas doenças semelhantes coexistentes no ser humano forem de força igual, ou ainda, se a mais antiga for mais forte, a nova moléstia será repelida, do corpo, pela anterior e não lhe será permitido afetar o organismo. Um paciente que sofra de severo mal crônico grave, não será atacado de disenteria outonal de vigor moderado, ou outra moléstia epidêmica. A peste de Levante, de acordo com Larrey não atinge os locais assolados por escorbuto, e as pessoas que sofrem de eczema não são tampouco infectadas por esse mal. O raquitismo, afirma Jenner, impede que a vacinação surta efeito. Os pacientes de tuberculose pulmonar não são suscetíveis a ataques de febre epidêmicas de caráter não muito violento, de acordo com von Hildenbrand.

 

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Assim, também, sob tratamento médico ordinário, um mal crônico antigo, permanece, incurado e inalterado se tratado de acordo com o método alopático comum, isto é, com medicamentos incapazes de produzir em indivíduos sãos um estado de saúde semelhante à doença, muito embora o tratamento dure anos a fio e não seja de caráter muito violento*, Isto vemos diariamente na prática, sendo, portanto, desnecessário dar quaisquer exemplos.

 

* Mas se tratado com remédios alopáticos enérgicos, formar-se-ão outros males em seu lugar, mais difíceis e perigosos à vida.

 

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II. Ou o caso de a nova doença dessemelhante ser mais forte. Ai, a moléstia que afligia anteriormente o paciente, sendo mais branda, será contida e suspensa pela superveniência de um mal mais forte, até que este último tenha se extinto ou curado, e então reaparece a moléstia primitiva não curada. Duas crianças atacadas de uma espécie de epilepsia curaram-se dos ataques do mal após contraírem uma infecção de tinha (tineal); assim que a erupção na cabeça passou, a epilepsia voltou com igual intensidade que antes, como Tulpius observou. A sarna, como observou Schoepf, desapareceu com a ocorrência de escorbuto, mas, após a cura desta última moléstia, reapareceu. Assim, também a tuberculose pulmonar permaneceu estacionária quando o paciente foi atacado de violento tifo, prosseguindo mais tarde quando o último mal terminou seu curso. Ocorrendo mania em um paciente de tuberculose pulmonar, esta com todos os sintomas será removida pela primeira; porém, se passar, retornará a tuberculose imediatamente, sendo então fatal. Quando coincide haver, ao mesmo tempo, sarampo e varíola, e ambas atacam a mesma criança, as marcas que haviam irrompido são geralmente removidas pela varíola que veio tanto mais tarde; o sarampo não retoma seu curso até após a cura da varíola. Com certa freqüência, ocorre que a varíola inoculada fica suspensa por quatro dias pela superveniência do sarampo, conforme observou Magnete, após cuja descamação a varíola completa o seu curso. Mesmo quando a inoculação da varíola se fizera sentir por seis dias, irrompendo, então, o sarampo, a inflamação da inoculação permaneceu estacionária, não se seguindo a varíola até haver o sarampo completado seu curso normal de sete dias. Em uma epidemia de sarampo, este mal atacou diversos indivíduos no quarto e quinto dia após a inoculação da varíola, impedindo-lhe o desenvolvimento até haver completado o seu curso. Findo o qual apareceu a varíola que se fez sentir normalmente até o término. A escarlatina de Sydenham* , a verdadeira, lisa, com aparência de erisipela, acompanhada de dor de garganta, foi interrompida no quarto dia pela irrupção de vacina, que seguiu seu curso normal, e não foi senão quando este terminou que a escarlatina reapareceu; em outra ocasião, porém, visto que ambas as doenças parecem ser de igual intensidade, a vacina foi suspensa no oitavo dia pela superveniência da verdadeira escarlatina lisa de Sydenham, e a auréola vermelha da primeira desapareceu até que passasse a escarlatina, quando então a vacinia retomou imediatamente seu curso, até o seu término regular. O sarampo suspendeu a vacina (pústula vacinia); no oitavo dia, quando a vacina havia quase atingido o seu clímax, o sarampo irrompeu; a febre vacinica permaneceu estacionária, sem retornar e completar o seu curso até a descamação das marcas de sarampo, de modo que no décimo sexto dia apresentava a aparência que deveria apresentar no décimo dia, como observou Kortum. Mesmo após a erupção do sarampo se fez sentir a inoculação da febre vacinia , porém não se desenvolveu em seu curso até o desaparecimento do sarampo, também conforme testemunhou Kortum. Eu mesmo observei que a caxumba (angina parotidea) desaparece imediatamente ao começar a fazer seus efeitos e febres vacinia, ao aproximar-se esta de seu ponto máximo. Não foi antes do término completo da febre e do desaparecimento de sua auréola vermelha que esta tumefação febril das glândulas parótidas e submaxilares, causada por um miasma peculiar, reapareceu e desenvolveu-se por todo o seu curso normal de sete dias. Assim sucede com todas as moléstias dessemelhantes; a mais forte suspende a mais fraca (quando uma não complica a outra, o que raramente ocorre com males agudos), porém uma jamais cura a outra.

 

* Descrita com grande precisão por Nithering e Plenciz, porém diferindo muito da púrpura, quase sempre chamada erroneamente de febre escarlate. Foi somente nos últimos anos que as duas, primeiramente moléstias muito diferentes, vieram a se aproximar em seus sintomas.

 

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Os adeptos da escola oficial de medicina já haviam notado isto há muitos séculos; observaram que a própria natureza não pode curar qualquer moléstia por meio de outra, por mais forte que seja, se a nova moléstia for dessemelhante da já presente no organismo. O que pensaremos deles, que não obstante continuaram a tratar as doenças crônicas com medicamentos alopáticos, isto é, com medicamentos e receitas capazes de produzir que estados mórbidos Deus sabe, quase invariavelmente dessemelhante da moléstia a ser curada! E muito embora os médicos não tenham até agora observado a natureza com atenção, os fracos resultados de seus tratamentos deveriam ter-lhes ensinado que estavam em caminho impróprio, falso. Não percebiam eles (segundo seu costume) que, quando empregavam um tratamento alopata agressivo, em uma doença crônica, criavam apenas uma doença artificial dessemelhante da original, que, simplesmente suprimida, apenas suspendia o seu mal original, o qual, contudo, sempre retornava, como não podia deixar de ser, assim que as forças do paciente, diminuídas, não mais admitiam a continuação dos ataques alopáticos à sua vida. Assim, o exantema da sarna desaparece sem dúvida rapidamente da pele com o emprego de purgativos violentos, repetidos com freqüência; mas quando o paciente não pode mais suportar a moléstia dos intestinos (dessemelhante), e já não pode mais tomar purgativos, então a erupção cutânea irrompe como antes, ou a Psora interna se revela com seus sintomas, e o paciente, além de seu mal antigo que não se atenuou, tem de suportar as misérias de uma digestão estragada e dolorosa e, além disso, uma fraqueza igual. Assim, também, quando os médicos oficiais mantêm as ulcerações artificiais da pele e exutórios no interior do corpo, com o fim de erradicar uma doença crônica, não podem JAMAIS atingir o seu objetivo desta maneira, e não podem jamais cura-las assim, visto que tais ulcerações cutâneas artificiais são bem estranhas e alopáticas à afecção interna; mas visto que a irritação produzida por diversos tecidos é, às vezes, uma moléstia mais forte (dessemelhante) que o mal intimo, este último é, às vezes, por ela silenciado, por uma ou duas semanas. Mas é apenas suspenso e por muito pouco tempo, enquanto as forças do paciente se esvaem pouco a pouco. A epilepsia, suprimida mediante exutórios, por muitos anos, invariavelmente volta, e de forma mais grave, desde que se deixe que sarem, de acordo com Pechlin e outros. Mas purgantes para a sarna e exultórios para epilepsia, não podem ser agentes perturbadores mais heterogêneos, mais diferentes – não podem ser modalidades de tratamento mais alopáticos, mais exaurientes – que as receitas comuns, compostas de ingredientes desconhecidos usados comumente para outras formas de moléstia. Estas, da mesma maneira, nada faze a não ser debilitar, suprimem ou suspendem o mal por período curto sem serem capazes de cura-los, e quando empregadas por períodos mais extensos sempre, acrescentam um novo estado mórbido à doença antiga.

 

40

III. Ou a nova doença, após haver agido longamente no organismo, finalmente une-se à antiga que lhe é dessemelhante, e forma com ela uma moléstia complexa, de modo que cada uma delas ocupe determinado lugar do organismo, isto é, ocupe os órgãos que mais se adaptem a ela, e, por assim dizer, somente os lugares que lhe pertencem, deixando o restante do organismo para a outra moléstia que lhe é dessemelhante. Assim, um sifilítico pode ter sarna e vice-versa, pois duas moléstias dessemelhantes entre si não podem remover-se, ou curar-se mutuamente. Primeiro os sintomas venéreos são interrompidos e suspensos quando a erupção da sarna começa a aparecer com o decorrer do tempo, contudo (visto que a sífilis é pelo menos tão intensa quanto a sarna), ambas se combinam*, isto é, cada uma afeta apenas as partes do organismo que mais se adaptam a elas, com o que o paciente se torna mais difícil de curar. Quando dois males agudos infecciosos dessemelhantes se encontram, como por exemplo, varíola e sarampo, um geralmente suspende o outro, como já vimos, contudo, já tem havido, também, diversas epidemias desta espécie, em que, em casos raros, dois males agudos dessemelhantes ocorreram simultaneamente na mesma parte do organismo, e por algum tempo combinaram-se, por assim dizer. Durante uma epidemia, em que a varíola e o sarampo ocorreram ao mesmo tempo, entre trezentos casos, em que estas doenças evitaram-se ou suspenderam-se, e o sarampo atacou os pacientes vinte dias após haver irrompido a varíola, reaparecendo esta última moléstia, contudo, dezessete ou dezoito dias após o aparecimento do sarampo, de modo que a primeira já havia completado o  seu curso normal, houve pelo menos um caso em que P. Russel encontrou ambas estas doenças dessemelhantes em uma pessoa ao mesmo tempo. Rainey testemunhou a ocorrência simultânea de varíola e sarampo em duas meninas. J. Maurice, em toda a sua vida de clínico, só observou dois casos desses. Encontram-se casos semelhantes nas obras de Ettmuler, e nos escritos de alguns outros autores. Zencker, viu casos de febre vacinia em que esta permaneceu seu curso normal simultaneamente com sarampo e com púrpura. A febre vacinia progrediu sem ser afetada, durante o tratamento por mercúrio administrado em um caso de sífilis, como observou Jenner.

 

* Experiências cuidados e curas de males complexos desta espécie convenceram-me firmemente de que não ocorre verdadeiramente uma combinação, dos dois, mas que em tais casos ambos coexistem lado a lado, cada uma na parte que se lhe adapta, e sua cura efetuar-se-á completamente pela criteriosa elaboração do melhor preparado de mercúrio, com todos os remédios específicos para a sarna, cada um deles administrado na dose e forma mais convenientes.

 

41

Muito mais freqüente que as moléstias naturais que se associam e complicam no mesmo organismo são as complicações mórbidas que o tratamento médico inadequado (o médico alopático) pode produzir pelo emprego prolongado de drogas inadequadas. A moléstia natural, que se propõe curar, acrescentam-se então outras pela repetição constante do agente medicinal, inadequado, outras de condições mórbidas, muitas vezes renitentes, correspondentes à natureza deste agente; esses pouco a pouco unem-se e complicam-se com a moléstia crônica que lhes é dessemelhante (que não puderam curar por semelhança de ação, isto é, homeopaticamente, aliando à moléstia antiga outra nova, diferente, artificial, de natureza crônica, dando, assim, ao paciente uma doença dupla, em vez de uma única, isto é, agravando-o e dificultando-lhe a cura, às vezes impossível, podendo até leva-lo à morte. Muitos dos casos para os quais se pedem conselhos em jornais médicos, bem como a registros de outros casos em escritos médicos, atestam-lhe a veracidade. De caráter semelhante são os casos freqüentes em que o cancro venéreo, complicado, principalmente com sarna, ou com a discrasia da gonorréia condilomatosa, não é curado com tratamento prolongado ou frequentemente repetido de grandes doses inadequadas de preparados de mercúrio* que a este tempo já terá gradativamente progredido, formando assim com ele uma complicação monstruosa (sob o nome de moléstia venérea dissimulada), que então, quando não de todo incurável, só pode ser dominada com grande dificuldade.

 

* Pois o mercúrio, além dos sintomas que em virtude de semelhança podem curar homeopaticamente a doença venérea tem, entre seus efeitos, muitos outros diferentes, dos da sífilis, como por exemplo, inchação e ulceração óssea, pois, empregado em grandes doses, causa novas moléstias e grande dano ao organismo, especialmente quando complicado com Psora, como é tão comum acontecer.

 

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A própria natureza permite, como já se disse, em alguns casos, a ocorrência simultânea de duas (mesmo de três) moléstias naturais no mesmo organismo. Esta complicação, no entanto, como se deve notar, ocorre apenas no caso de duas moléstias dessemelhantes, que de acordo com as eternas leis da natureza, não removem, nem aniquilam, não podem curar-se mutuamente, mas, ao que parece, ambas (ou as três) permanecem, por assim dizer, em separado no organismo, cada uma tomando posse das partes e sistemas que lhe são peculiares e lhe correspondem, o que, em virtude da falta de semelhança dessas moléstias entre si, podem bem ocorrer sem detrimento da unidade da vida.

 

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Contudo, totalmente diferente é o resultado quando duas moléstias semelhantes encontram-se no organismo, isto é, quando a doença já presente no organismo soma-se outra mais forte. Em tais casos, vemos como se pode efetuar a cura por obra da natureza, e aprendemos uma lição de como deve o homem curar.

 

44

Duas moléstias semelhantes não podem (como se afirma de moléstias dessemelhantes em I) nem repelir-se, nem (como se disse de males dessemelhantes em II) interromper-se mutuamente, de modo que a anterior retorne quando a mais recente tiver completado seu curso; nem tampouco podem duas moléstias semelhantes (como foi demonstrado em III, com referência a afecções diversas) existir uma junto de outra no mesmo organismo,ou formar uma moléstia dupla complexa.

 

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Não! Duas moléstias, diferindo, é verdade, em espécie, mas muito semelhantes em seus fenômenos e efeitos, e nos sofrimentos e sintomas que produzem em separado, invariavelmente aniquilam-se quando se encontram no organismo; o mal mais forte, assim, aniquila o mais fraco, isto pelo simples motivo de que o poder morbifico mais elevado, quando invade o organismo em virtude de sua semelhança de ação, afeta exatamente as mesmas partes do organismo anteriormente afetadas pela irritação mórbida mais fraca, que consequentemente não pode mais agir nessas parte, sendo extinta*, ou (em outras palavras) a nova força morbifica, semelhante, mais forte, porém, controla as sensações do paciente, e daí o principio vital por sua peculiaridade, não mais pode sentir a mais fraca, semelhante, que se extingue – não mais existe – pois nunca foi algo material, porém uma afecção dinâmica (imaterial). O principio da vida, daí por diante, é afetado somente, e apenas temporariamente, pelo poder morbifico novo, semelhante, contudo mais forte.

 

* Da mesma forma que a imagem da chama de uma lâmpada é rapidamente vencida e apagada de nossa retina pelo raio de sol mais forte que incide em nosso olho.

 

46

Muitos exemplos poderiam ser tirados de moléstias que foram por obra da natureza curadas homeopaticamente por outras moléstias que apresentarem sintomas semelhantes, não fosse necessário, sendo nosso objetivo falar de algo determinado e indubitável, reservar nossa atenção apenas para as (poucas) doenças, que são invariavelmente as mesmas, e que surgem de um miasma fixo, merecendo daí nome diverso. Entre essas, a varíola, tão temida pro motivo de grande número de seus sintomas graves, ocupa lugar de destaque, tendo sido removida e curada com numerosas moléstias que apresentam sintomas semelhantes. Com que freqüência, produz a varíola oftalmia violenta, às vezes mesmo causando a cegueira! E, note-se, por sua inoculação Dezpteux, curou permanentemente uma oftalmia crônica, tal como também o fez Leroy. Uma amaurose de dois anos resultante de tinha que havia sido suprimida, foi radicalmente curada por essa moléstia, de acordo com Klein. Com que freqüência a varíola causa surdez e dispnéia! E ambas estas doenças crônicas foram por ela removidas ao alcançar esta seu ponto de maior intensidade, como observou J. Fr. Closss. O intumescimento dos testículos, mesmo de caráter muito agudo, é frequentemente sintoma de varíola, e por causa disto pode-se curar, como observou Klein, em virtude de sua semelhança, grande inchação com endurecimento do testículo esquerdo resultante de um golpe. E outro observador testemunhou a cura por este meio de inchação semelhante de testículo. Entre os acidentes nocivos de varíola, existe um estado disentérico, e este logrou eliminar um caso de disenteria, como agente morbifico semelhante, qual observou Fr. Wendt. A superveniência de varíola após a vacina, tanto devido à sua maior potência, como à sua grande semelhança, remove imediatamente (homeopaticamente), a febre vacinia, e não permite que esta se desenvolva; mas, por outro lado, esta febre, quando se aproxima de seu desenvolvimento máximo, devido à sua grande semelhança, diminui (homeopaticamente) em muito a variola que sobrevém, tornando-a muito mais branda, como testemunhou Muhry e muitos outros. A febre vacinica, inoculada, cuja linfa, além da matéria protetora, contém o contágio de uma erupção cutânea geral de outra natureza, que consiste em espinhas (´pimples´) geralmente pequenas, secas (raramente grandes, pustulentas), com pequena auréola vermelha frequentemente associadas com manchas cutâneas vermelhas e acompanhadas de violento prurido, o que ocorre em crianças alguns dias antes, e, mais frequentemente, contudo, após a auréola vermelha da febre vacinica, saindo em poucos dias, deixando pequenas manchas vermelhas e duras na pele: - a vacina inoculada, após ´pegar´, cura-se perfeita e permanentemente, de maneira homeopática, pela semelhança deste miasma acessório, erupções cutâneas análogas, de crianças, muitas vezes quando já muito antigas e muito complicadas, como afirmam diversos autores. A vacina, da qual um dos sintomas peculiares é intumescimento do braço, já curou, após sua erupção um braço semiparalisado e edemaciado. A febre da vacina, ocorrendo ao tempo do aparecimento da auréola vermelha, já curou homeopaticamente febre intermitente em dois indivíduos, como relata Hardege Jr., confirmando o que J. Hunter já havia observado, que duas febres (males semelhantes) não podem coexistir no mesmo organismo. O sarampo guarda grande semelhança, na natureza de sua febre e tosse, com a coqueluche, e por essa razão foi que Brosquillon notou, em uma epidemia em que ambas as afecções dominavam, que diversas crianças que então contraíram sarampo ficaram livres de coqueluche. Todas elas teriam sido protegidas e imunizadas contra a coqueluche, naquela epidemia e nas subseqüentes, por ação do sarampo, se a coqueluche não fosse uma doença que só em parte se assemelha ao sarampo,isto é, se também tivesse uma erupção cutânea semelhante à desta última. Assim sendo, contudo, o sarampo só pode preservar alguns da coqueluche, e isto só na epidemia então presente. Contudo, se o sarampo entrar em contato com uma moléstia semelhante a ela em seu sintoma principal, a erupção pode sem duvida alguma remove-la, realizando uma cura homeopática. Assim, uma erupção crônica herpética foi radical e permanentemente (homeopaticamente) curada pela erupção do sarampo, como foi observado por Kortum. Uma erupção miliar com ardência excessiva, n face, pescoço e braços, que durava havia seis anos, agravando-se com mudanças de tempo, ao ocorrer o sarampo, assumiu a forma de inchação da superfície da pele; após haver o sarampo completado o seu curso, o exantema foi curado, não mais retornando.

 

* Esta parece ser a razão deste fato benéfico notável, que, desde a distribuição geral da vacina de Jenner, a varíola do homem nunca mais apareceu de forma tão epidêmica quanto 40 ou 50 anos antes, quando uma cidade atingida perdia pelo menos metade, e muitas vezes, três quartos de sua população infantil, em virtude desta peste.

               

47

Nada mais poderia ensinar ao médico,de maneira mais simples e convincente que o acima exposto, qual o tipo de agente morbifico artificial (medicamento) que ele deveria escolher a fim de curar de modo seguro, rápido e permanente, de acordo com o processo que se realiza na natureza.

 

48

Nem na natureza, como vimos em todos os exemplos acima, nem pela arte do médico, pode-se remover uma afecção ou moléstia por um agente morbifico dessemelhante, por mais forte que este seja, porém somente por um que seja semelhante em seus sintomas e um tanto mais forte, de acordo com as leis da natureza, eternas e irrevogáveis, até agora não reconhecidas.

 

49

Poderíamos ter encontrado muito mais curas homeopáticas reais, naturais, dessa espécie, se, por um lado, a atenção dos observadores fosse mais dirigida a elas, e, por outro lado, se a natureza não houvesse sido tão deficiente em moléstias homeopáticas auxiliares.

 

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A própria natureza, poderosa, como testemunhamos, tem em seu poder, como instrumentos para a realização de curas homeopáticas, pouco além das moléstias miasmáticas de caráter constante (sarna), sarampo e varíola*, agente morbificos que**, como remédios, oferecem maior perigo a vida, e são mais temidos que as moléstias que curam, ou são de espécie tal que (como as erupções), após haverem realizado a cura, elas próprias devem ser curadas a fim de serem, por sua vez, erradicadas, sendo ambas essas circunstâncias que tornam seu emprego como remédios homeopáticos, difíceis, incertos e perigosos. E muito raras são as moléstias a que o homem se chama se acha, sujeito a que encontram seu remédio semelhante na varíola, sarampo e sarna! Assim, na natureza, pouquíssimas moléstias podem ser curadas por esses remédios homeopáticos incertos e arriscados e as curas realizadas por esses meios são também acompanhadas de perigo e são também muito difíceis, razão pela qual as doses desses poderes morbificos não podem ser diminuídas de acordo com as circunstâncias, como podem ser as doses de medicamentos; mas o paciente de há muito sofredor de mal análogo deve sujeitar-se a toda doença perigosa e desagradável, a varíola, ao sarampo (ou sarna), que por sua vez têm de ser curadas. Contudo, como se vê, podemos apontar curas homeopáticas surpreendentes realizadas por essa feliz concorrência, bem como diversas provas incontrovertíveis da grande, da única Lei terapêutica da natureza que nelas prevalece: a cura pela semelhança sintomática!

 

* E o principio contagioso exantemáticos presentes na linfa da vacina.

** A saber, varíola e sarampo.

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Essa lei terapêutica se torna óbvia a todos os espíritos capazes em virtude de tais fatos, e são inteiramente suficientes para esse fim. Mas, por outro lado, vejamos que vantagens tem o homem sobre a rude natureza em suas operações fortuitas! De quantos milhares de agentes morbíficos homeopáticos não dispõe o homem para alivio de seus irmãos sofredores, nas substâncias medicinais universalmente distribuídas por toda a criação! Nelas ele encontra produtores de moléstias de todas as variedades de ação possíveis, para todas as incontáveis moléstias naturais concebíveis e inconcebíveis a que pode dar tratamento homeopático – agentes morbificos (substâncias medicinais), cujo poder, quando se completar seu emprego terapêutico, sendo subjugado pela força vital, desaparece espontaneamente sem necessitar de segundo tratamento para sua extirpação do organismo, como a sarna, agentes morbificos artificiais, que o médico pode atenuar, subdividir e graduar quase ao infinito, e cuja dose ele pode diminuir tanto que se tornam apenas ligeiramente mais fortes que a moléstia natural semelhante para cuja cura são usados; de modo que nesse incomparável método de cura, não há necessidade de qualquer ataque violento ao organismo para a erradicação mesmo de uma doença antiga inveterada; a cura por esse método realiza-se por uma transição calma, imperceptível, contudo rápida, da moléstia natural que atormenta o organismo, ao estado desejado de saúde permanente.

 

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Há apenas dois métodos principais de cura: um baseado na cuidadosa observação da natureza, experimentação cuidadosa e experiência pura, a homeopática (nunca usada intencionalmente antes de mim), e o segundo, que não age assim, o heteropático, ou alopático. Cada um se opõe ao outro, e somente o que não conhece nenhum dos dois pode julgar que eles se aproximam ou se unem, ou pode tornar-se tão ridículo a ponto de clinicar homeopaticamente, às vezes, ou em outras vezes, alopaticamente, de acordo com a vontade do paciente, prática essa que pode ser chamada de traição criminosa contra a divina homeopatia.

 

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As verdadeiras curas, suaves, sucedem de acordo com o método homeopático, que, como descobrimos (7-25) por experiência e dedução, é fora de dúvida, aquele por meio do qual as curas mais rápidas, certas e permanentes são obtidas pois essa arte de curar baseia-se em Lei eterna e infalível da natureza. A arte pura homeopática de curar é o único método correto, o único possível à arte humana, o caminho mais reto de curar, e isto é tão certo como não é possível senão uma única linha reta entre dois pontos.

 

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O método alopático de tratamento usou muitas coisas contra a doença, mas geralmente somente coisas impróprias e foi largamente empregado durante muitos séculos em formas diferentes denominadas sistemas. Cada um desses, sucedendo-se em diversas épocas e diferenciando-se grandemente entre si, honrava-se com o nome Medicina Racional*. Cada construtor de tal sistema julgava-se capaz de penetrar na natureza íntima da vida tanto dos sadios como dos doentes, e de reconhece-la claramente e dar-lhe a receita adequada. Por esse meio indicava que matéria nociva** que deveria ser banida do doente, como bani-la a fim de restaurar a saúde, tudo de acordo com vagas suposições e hipóteses arbitrárias, sem honestamente consultar a natureza e escutar com isenção de ânimo a voz da experiência. As moléstias eram consideradas condições que reapareciam de modo mais ou menos semelhantes. A maior parte dos sistemas, portanto, deu nomes a seus quadros imaginados de doenças e classificou-os, cada sistema de modo diferente. Atribuíram-se ações aos remédios, os quais curariam estas condições anormais (daí os numerosos livros sobre ´Matéria Médica´***).

 

  • Como se na criação de uma ciência, baseada apenas na observação da natureza e pura experimentação e experiência pudesse haver lugar para especulação sem valor, misturada como conceitos escolásticos.

** Até recentemente, o que era curável na doença era considerado matéria que tinha de ser removida, pois ninguém podia conceber o efeito dinâmico (vide nota do número 11) de agentes morbíficos, tais como os exercidos pelos remédios sobre a vida do organismo animal.

*** Para entornar a gota de autoconvencimento, misturavam (com muito saber) cada vez mais e mais diversos remédios nas assim chamadas receitas a serem administradas em doses grandes e freqüentes, e assim a vida humana, preciosa e facilmente destrutível, ficava realmente em perigo, nas mãos desses perversos. Isto se aplica especialmente a sedenhos, sangrias, eméticos, purgativos, fontanelas e cautérios.

 

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Em pouco tempo, contudo, o publico convenceu-se de que os sofrimentos dos doentes aumentavam e cresciam com a introdução de cada um desses sistemas e métodos de cura, quando esses eram seguidos à risca. Há muito tempo esses médicos alopatas teriam desaparecido, não fosse o alívio às vezes obtidos com remédios empiricamente descobertos (cuja ação satisfatória, instantânea e evidente ao paciente) e isto até certo ponto, servia para manter-lhes o crédito.

 

56

Por este método paliativo (antipático, emantiopático), introduzido de acordo com os ensinamentos de Galeno, ´´contraria contralis´, durante dezessete séculos, os médicos podiam até agora esperar ganhar confiança, enquanto enganavam com melhoras quase instantâneas. Mas, como veremos a seguir, esse método de tratamento é inútil e nocivo (em doenças de curso não muito rápido). É certamente o único dos métodos de tratamento adotados pelos alopatas, que teve evidente relação com parte dos sofrimentos causados pela moléstia natural; sim, mas que espécie de relação! Em verdade, o mesmo (o oposto exato do método concreto) que deveria ser evitado, se não procurássemos iludir o paciente de mal crônico e dele escarnecer*.

 

* Um terceiro método de emprego de remédios em moléstias foi tentado por meio da isopatia, como era chamado, isto é, um método de curar determinada doença pelo mesmo principio contagioso que a produziu. Mesmo que isso pudesse ser feito, ainda assim, visto que o miasma e dado altamente potencializado, e, consequentemente, em condição alterada, só se realiza a cura, opondo-se um simillimo a um simillium. Tentar curar por meio da mesma potência morbifica (per idem) contradiz todo o entendimento humano e, portanto, toda a experiência. Os que primeiro observaram a assim chamada isotopia, provavelmente pensaram no benefício que a humanidade recebeu da vacina, pela qual o individuo vacinado se protege contra a futura infecção por varíola, são somente muito semelhantes e de modo nenhum a mesma doença. Em muitos aspectos elas diferem, isto é, no curso mais rápido e benigno da febre vacínica e especialmente no fato de não ser jamais contagiosa para o homem por simples aproximação. A vacinação universal pôs um termo a todas as epidemias da mortal, terrível varíola, de modo tão completo, que a geração atual não mais tem uma concepção clara da praga antiga da varíola. Além disso, desse modo, sem dúvida, certas moléstias peculiares e animais podem dar-nos remédios e potências medicinais para moléstias humanas importantes muito semelhantes, e, assim, felizmente, aumentarem nosso estoque de remédios homeopáticos. Mas com uma matéria morbifica humana (um psorinum tirado de sarna humana como remédio para a mesma sarna humana ou para a mesma sarna humana ou para os males dela decorrente) querer curar – está longe disso, não é a mesma coisa. Nada pode resultar daí a não ser complicação e agravamento do mal.

 

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A fim de por em prática esse método antipático (alopatia), o médico comum dá, para um único sintoma incômodo entre os muitos sintomas da moléstia que lhe passam despercebidos, um remédio que se sabe produzir o oposto exato do sintoma que se tenta eliminar, isso de acordo com a regra seguida há mais de 15 séculos pela antiga escola (contraria contrariis), da qual ele pode esperar o alívio mais rápido (paliativo). Dá grandes doses de ópio, para dores de todas as sortes, porque esta droga entorpece logo a sensibilidade, e administra o mesmo remédio para diarréias, pois este rapidamente para o movimento peristáltico do canal intestinal e o torna insensível; e também para a insônia, porque o ópio logo produz um sono comatoso; dá purgantes quando o paciente está há muito tempo sofrendo de constipação e prisão de ventre; manda que a mão que apresente queimaduras seja mergulhada em água fria, que, por sua baixa temperatura, parece remover instantaneamente a dor queimante, como por passe de mágica; recomenda banhos quentes ao paciente que se queixa de tremores de frio e deficiência de calor vital, pois esses o aquecem imediatamente; que bebam os que sofrem de debilidade prolongada, pelo que se sente imediatamente fortalecidos e refrescados; do mesmo modo, usa outros meios medicinais opostos (antipáticos), mas dispõe de muito poucos além dos mencionados, pois a escola médica oficial só conhece muito poucas ações peculiares (primárias).

 

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Se, ao estimarmos o valor desse método de emprego de remédios, deixássemos de lado a circunstância de que se refere a tratamento sintomático extremamente falho (vide nota do 7) em que o clínico devota a sua atenção, de modo meramente unilateral, a um só único sintoma, e, consequentemente, a uma pequena parte do todo, pelo que o alivio para a totalidade da doença, que é o que deseja o paciente, não pode evidentemente ser esperado, devemos, por outro lado, procurar na experiência se, em um caso único em que tal emprego antipático de remédio foi utilizado em afecção crônica ou persistente, após melhora passageira, não se seguiu de agravação do sintoma que havia primeiramente cedido de modo aliviador, uma agravação, assim, de toda a doença? E todos os observadores mais atentos concordarão em que, após essa ligeira melhora antipática, segue-se uma agravação, em todos os casos, sem exceção, embora o médico comum esteja habituado a dar ao paciente outra explicação para a subseqüente agravação, atribuindo-a à malignidade da doença original, que agora, pela primeira vez, se revela, ou à ocorrência de outro mal*.

 

* Por pouco que os médicos tenham até agora estado habituados à observação minuciosa, a agravação que tão certamente se segue a tal tratamento paliativo não lhes podia escapar completamente. Um exemplo marcante disso pode ser encontrado em J. H. Schule: Diz que o vinho e cordiais dados aos enfraquecidos aumentam a atividade sem dar força real, e que as forças do corpo caem mais tarde na mesma proporção em que se ergueram, pelo que nada se ganha, mas muito pode ser perdido.

 

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Os sintomas importantes de males persistentes jamais no mundo foram tratados com tais paliativos, remédios antagônicos, sem que o estado oposto, uma recaída – na verdade, sensível agravação do mal – voltasse algumas horas mais tarde. Para uma tendência persistente de sonolência, o médico prescrevia café, cujo primeiro efeito é despertar; e quando seu efeito se dissipava, aumentavam a sonolência. Para freqüentes interrupções do sono noturno, dá ópio, que em razão de sua ação primária produzia o mesmo sono (muito pesado) noturno, mas nas noites subseqüentes a insônia era ainda mais forte que antes. Para diarréias crônicas, prescrevia sem observar os outros sintomas mórbidos, o mesmo ópio, cuja ação primária é constipar os intestinos, e, após melhora passageira da diarréia, esta tornava-se mais tarde muito mais grave. Dores violentas freqüentes, de toda a espécie, podiam ser suprimidas com ópio por apenas pouco tempo, voltando então com maior gravidade,ou sobrevindo uma afecção muito mais séria. Para tosse noturna, que havia muito afligia o paciente, o médico comum não conhecia, para prescrever, nada melhor que ópio, cuja ação primária é de suprimir a irritação; a tosse talvez tivesse cessado por uma noite, agravando-se nas subseqüentes, e se, nas outras vezes, tivessem sido suprimidas mediante esse paliativo, em doses maiores, acrescentar-se-iam febre e suores noturnos à doença. Tentou-se curar o enfraquecimento da bexiga, com conseqüente retenção de urina, pela ação antipática de cantáridas para estimular as vias urinárias, pelo que se conseguia, primeiramente, a evacuação da urina, mas mais tarde a bexiga tornou-se menos capaz de receber estímulos e tornou-se iminente a sua paralisação. Com grandes doses de drogas purgativas e sais laxativos, que excitam os intestinos a ponto de faze-los evacuar constantemente, tentou-se curar uma tendência crônica à constipação, mas em seus efeitos secundários, os intestinos tornaram-se ainda mais constipados. O médico comum procura remover a debilidade crônica com a administração de vinho, que, contudo, estimula apenas em sua ação primária a partir desse ponto, as forças decaem em sua ação secundária. Com substâncias amargas e condimentos quentes ele tenta fortalecer e aquecer o estômago cronicamente fraco e frio, mas em sua ação secundária desses paliativos, estimulantes apenas em sua ação primária; a partir desse ponto, as forças decaem em sua ação secundária. Com substâncias amargas e condimentos quentes ele tenta fortalecer e aquecer o estômago cronicamente fraco e frio, mas em sua ação secundária desses paliativos, estimulantes apenas em sua ação primária, o estômago se torna ainda mais inativo. A demorada deficiência de calor vital e sensação de frio certamente cederiam à prescrição de banhos mornos, mas os pacientes se tornariam ainda mais enfraquecidos, se sentiriam ainda mais frios, posteriormente. Partes do corpo que tenham sido queimadas encontram alivio imediato com a aplicação de água fria, mas ficariam ainda mais sensíveis mais tarde, e a inflamação subiria a um grau ainda mais elevado. Mediante remédios esternutatórios que provocam a secreção das mucosas, tende-se a curar a coriza acompanhada de entupimento das fossas nasais, mas não se atenta para o fato de que essa doença é ainda mais agravada por esses remédios antagônicos (em sua ação secundária), tornando-se o nariz ainda mais entupido. Por meio da eletricidade e do galvanismo, que em sua ação primária estimulam grandemente a atividade muscular, excitaram-se membros cronicamente fracos e quase paralíticos, a ponto de se tornarem ainda mais ativos, mas a conseqüência (a ação secundária) foi o amortecimento completo de toda a irritabilidade muscular e paralisia total. Mediante sangrias, tentou-se remover o afluxo de sangue excessivo à cabeça, mas eram sempre seguidas de congestões ainda mias graves. Os clínicos comuns nada melhor conheciam para tratar o torpor paralítico dos órgãos corporais e mentais, juntamente com inconsciência, que se observa em muitas formas de tifo, do que com grandes doses de valeriana, por ser ela um dos agentes medicinais reanimadores mais poderosos e para aumentar a faculdade motora; em sua ignorância, contudo, não sabiam que esta é somente uma ação primária, e que o organismo, após haver ela passado, com toda a certeza, na ação secundária (antagônica), cai em torpor e imobilidade ainda maiores, isto é, em paralisia dos órgãos mentais e corpóreos (e morte); eles não viram que as próprias doenças a que deram grandes doses de valeriana, que, no caso, é um remédio antipático de ação oposta, terminaram, quase sempre, de modo fatal. O médico da velha escola vangloria-se de poder reduzir durante diversas horas a velocidade do pulso, fraco e acelerado, de pacientes caquéticos com a primeira dose simples de digitalis purpúrea (que em sua ação primária diminui a velocidade da pulsação); contudo, sua cadência retorna logo; doses repetidas e aumentadas causam uma diminuição menor de seu ritmo, e por fim, não há pulsação alguma. Na verdade, na ação secundária o pulso já não pode ser contado; caem o sono, apetite e forças, e uma morte rápida e invariavelmente o resultado, ou então segue-se a loucura. Em suma, quantas vezes é a moléstia agravada, ou algo ainda pior sucede, em virtude da ação secundária de tais remédios antagônicos (antipáticos), e a velha escola não percebe com suas falsas teorias, mas a experiência no-lo ensina de modo terrível.

 

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Se esses efeitos desastrosos se produzem, como se deve naturalmente esperar do emprego antipático de medicamentos, o médico comum imagina que pode vencer o mal, administrando, a cada piora da moléstia, uma dose mais forte do remédio, pelo que se realiza uma supressão igualmente passageira*; e como há, então, necessidade ainda maior de dar quantidades sempre maiores do paliativo, segue-se ou outra moléstia mais grave, ou frequentemente incurável, com perigo de vida, mesmo, e a própria morte, mas jamais uma cura do mal que já tenha tido duração considerável.

 

* Os paliativos usuais, em sua totalidade, dados para o sofrimento dos doentes (como se vê) têm efeitos posteriores na forma de aumento do mesmo sofrimento, e os médicos mais antigos tinham de repeti-los em doses cada vez mais fortes a fim de obter uma diminuição semelhante, que, contudo, jamais foi permanente ou suficiente para impedir uma recaída mais forte do mal. Mas Broussais, que há vinte e cinco anos combateu a mistura desenfreada de drogas diferentes em receitas, e assim terminou seu reinado na França (pelo que a humanidade lhe é grata), introduziu seu chamado sistema fisiológico (sem atentar para o método homeopático então já estabelecido), método de tratamento, embora diminuindo e permanentemente impedindo o retorno de todos os sofrimentos, o qual se aplica a todas as moléstias da humanidade; coisa que os paliativos então em uso não eram capazes de fazer. Sendo incapazes de curar moléstia com remédios inócuos e assim restabelecer a saúde. Broussais descobriu a maneira mais fácil de acalmar os sofrimentos dos pacientes, mais ou menos à custa de suas vidas, e finalmente extinguir a vida inteiramente – método de tratamento esse que, infelizmente, pareceu suficiente para seus contemporâneos. À medida que o paciente retém suas forças, seus males tornam-se aparentes e com mais intensidade sentirá suas dores. Lamenta-se, queixa-se, grita e pede socorro cada vez mais forte, de modo que não pode o médico dar-lhe alívio a tempo. A Broussais bastou deprimir a força vital, diminui-la mais e mais, quanto mais se sangrasse o paciente, mais sanguessugas e vidros de sangria tiravam o fluido vital (pois o sangue inocente e insubstituível era, de acordo com ele, responsável por quase todos os males). Na mesma proporção o paciente perdia as forças para poder sentir dores ou exprimir sua agravação por meio de violentas queixas e gestos. O paciente aparenta maior calma à medida que enfraquece, os assistentes rejubilam-se com sua melhora aparente, estando prontos a recomeçar seus sofrimentos, quer sejam eles espasmos, sufocação, tremores ou dor, pois tinham acalmado tanto o paciente e lhe haviam dado já maior tranqüilidade. Em males de longa duração e quando o paciente tinha ainda alguma força, tiraram-lhe a alimentação, pondo-o em ´dieta de fome´, a fim de deprimir a vida e fazer desaparecer o estado de inquietação. O paciente debilitado sente-se incapaz de protestar contra outras medidas semelhantes de sangria, banhos quentes, etc., recusando seu emprego. Que a morte deverá seguir-se a estas reduções e exaustão frequentemente repetidas, é um fato que não percebe o paciente, já destituído de toda a consciência, nem os parentes, enganados por uma melhora mesmo dos últimos sofrimentos do paciente, pela perda de sangue e banhos quentes, podem compreender e ficam surpresos quando o paciente pouco a pouco vai morrendo. ´Mas Deus sabe que o paciente em seu leito não foi tratado com violência, pois a picada de uma pequena lanceta não chega a ser dolorosa e a solução de goma-arábica (Eau de Gomme, praticamente o único remédio que Broussais empregava), era de gosto suave e sem efeito aparente – a sucção das sanguessugas e a sangria realizadas pelo médico eram suaves, ao passo que os banhos mornos só podiam acalmar, razão pela qual a moléstia desde o começo deveria ter sido fatal, de modo que o paciente, não obstante todos os esforços do médico, teve de deixar este mundo´. Assim os doentes, e especialmente os herdeiros do querido falecido, consolavam-se com isto. Os médicos na Europa e em outros lugares aceitavam esse método conveniente de tratamento de todas as moléstias, de acordo com uma única regra, pois poupava-lhes o trabalho de pensar (o trabalho mais laborioso debaixo do sol). Eles só tinham de se preocupar em acalmar os remorsos de consciência e consolar-se que não eram os iniciadores do sistema e método de tratamento, que todos os outros milhares de seguidores de Broussais faziam a mesma coisa e que possivelmente tudo terminaria com a morte de qualquer modo, como lhes ensinou o seu mestre´. Assim, milhares de médicos foram miseravelmente levados a verter o sangue quente (com o coração frio) de seus pacientes que foram incapazes de curar e assim roubar milhões de vidas, gradativamente, de acordo com o método de Broussais, mais do que morreram nos campos de batalha de Napoleão. Foi talvez necessário, por determinação de Deus, que o sistema Broussais, que destruiu medicamente a vida de pacientes curáveis, precedesse a homeopatia a fim de abrir os olhos do mundo para a única e verdadeira ciência e arte da medicina, a homeopatia, em que todos os pacientes curáveis encontram a saúde e nova vida, quando a mais difícil das artes  é praticada pelo médico incansável, de forma pura e conscienciosa?

 

61

Se os médicos pudessem meditar sobre os tristes resultados do método antagônico de empregar medicamentos, teriam, há muito, descoberto a grande verdade: QUE A VERDADEIRA E RADICAL ARTE DE CURAR DEVE SER ENCONTRADA NO OPOSTO EXATO DE TAL TRATAMENTO ANTIPÁTICO DOS SINTOMAS DA MOLÉSTIA. Eles se convenceriam de que como uma ação medicinal antagônica aos sintomas da moléstia (um remédio empregado antipaticamente) e seguido por alívio apenas temporário, e após haver passado, invariavelmente, por sua agravação, o contrário dessa prática, o emprego homeopático de medicamentos de acordo com a semelhança de sintomas, deverá realizar uma cura permanente e perfeita, se, ao mesmo tempo, o posto das suas doses maiores, as doses mais diminutas, forem empregadas. Mas nem o óbvio agravamento que se seguiu a seu tratamento antipático, nem o fato de que nenhum médico jamais realizou cura permanente de moléstias de certa duração, a não ser que algum agente medicinal homeopático tenha sido, acidentalmente, um dos ingredientes principais em sua receita, nem ainda, a circunstância de que todas as curas rápidas e perfeitas já realizadas pela natureza (46) o foram pela superveniência sobre a moléstia antiga, de uma de caráter semelhante, alguma vez lhes ensinou, nessa sucessão de séculos, esta verdade, o conhecimento do que só pode conduzir ao benefício dos doentes.

 

62

As causas de que depende esse resultado pernicioso do tratamento paliativo, antipático, bem como a eficácia do oposto, o tratamento homeopático, são esclarecidas pelos fatos seguintes, conclusões de diversas observações, que ninguém antes de mim havia percebido, embora sejam tão evidentes e palpáveis, e de importância infinita para a arte de curar.

               

63

Cada agente que atua sobre a vitalidade, cada medicamento, afeta mais ou menos a força vital, e causa certa alteração na saúde do individuo, por período mais longo ou mais curto. Isto chama-se ação primária. Embora sendo conjuntamente um produto das forças vital e medicinal, pertence principalmente à segunda. A sua ação a nossa força vital procura opor sua própria energia. Essa ação resistente é uma propriedade, é, de fato uma ação automática de nosso poder de preservar a vida, chamada ação secundária ou reação.

 

64

Durante a ação primária dos agentes artificiais morbíficos (medicamentos) em nosso organismo são (como se verificará nos exemplos seguintes), nossa força vital parece conduzir-se apenas de modo passivo (receptivo) e acha-se, por assim dizer, aparentemente compelida a permitir que a força artificial externa a impressione, alterando, destarte, seu estado de saúde; porém, então parece despertar novamente, por assim dizer, e desenvolver: (A) o estado de saúde exatamente oposto (ação contrária, secundária) a este efeito (ação primária) nele produzido, se houver este oposto, e em grau tão elevado quanto este efeito (ação primária) do agente morbifico ou medicinal sobre ele, e proporcional à sua energia; ou (B) se não houver na natureza um estado que seja exatamente o oposto da ação primária, parece procurar tornar-se indistinta, isto é, libertar seu poder superior na extinção da mudança que nele se operou de fora (por meio do medicamento), em lugar do qual restabelece seu estado normal (ação secundária, curativa).

 

65

Exemplos de (A) são conhecidos por todos. Uma mão banhada em água quente fica primeiro muito mais quente que a outra mão que não o foi (ação primária); mas, após retirada da água quente, e sendo completamente enxuta, esfria em pouco tempo, ficando, depois, muito mais fria que a outra (ação secundária). Uma pessoa aquecida por violento exercício (ação primária) torna-se, mas tarde, tomada de frios e tremores (ação secundária); alguém que ontem tenha-se aquecido tomando muito vinho (ação primária), hoje sente que cada lufada de ar está muito fria (ação contrária do organismo, secundária). Um braço que tenha sido conservado demoradamente em água muito fria fica primeiro muito mais pálido e frio (ação primária) que o outro; retirado, porém, da água fria e enxuto, torna-se posteriormente não apenas mais quente, que o outro, mas também vermelho, quente e inflamado (ação secundária, reação da força vital). Uma excitação excessiva à ingestão de café forte (ação primária), porém, mais tarde, sobrevêm certo relaxamento e sonolência, que permanece por algum tempo (reação, ação secundária), se não for sempre removido outra vez, por pouco tempo, bebendo-se mais café (paliativo). Após um sono muito profundo causado pelo ópio (ação primária), a noite seguinte será tanto mais sem sono (reação, ação secundária). Após a constipação produzida pelo ópio (ação primária), segue-se uma diarréia (ação secundária); após a purgação mediante medicamentos que irritem os intestinos, sobrevêm uma constipação de diversos dias de duração (ação secundária). Acontece sempre igualmente: após a ação primária de um medicamento que produz em grandes doses grande modificação na saúde de uma pessoa saída, produz-se o seu oposto exato (se é que existe de fato tal coisa, como já se observou), como ação secundária da nossa força vital.

 

66

Contudo, uma ação contrária secundária certa, como se conclui facilmente, não se deverá notar na ação de doses homeopáticas mínimas dos agentes perturbadores, no corpo são. Uma pequena dose de cada uma delas produz certamente, uma ação primária que é perceptível ao observador suficientemente atento; mas o organismo vivo emprega contra ela a reação (ação secundária) que for necessária para o restabelecimento do estado normal.

 

67

Essas verdades incontestáveis, que espontaneamente se oferecem à nossa observação na natureza e na experiência, explicam-nos a ação benéfica que ocorre com o tratamento homeopático; embora, por outro lado, demonstre o absurdo do tratamento antipático e paliativo de moléstias com medicamentos de ação antagônica*

 

* Só nos casos de maior urgência, em que perigo de vida e a morte iminente não dão tempo para a ação de um medicamento homeopático – são horas, às vezes nem quartos de hora, ou apenas minutos – em acidentes repentinos com indivíduos sãos – por exemplo, em caso de asfixia e morte aparente em vitimas de raios, de sufocação, de congelamento, afogamento, etc. – é admissível, e aconselhável, nestes casos, como medida preliminar, estimular a irritabilidade e sensibilidade (a vida física) com um paliativo, como, por exemplo com choques elétricos fracos, com clisteres de café forte, com um odor estimulante, aplicação progressiva de calor, etc. Quando esse estimulo for efetuado, os órgãos vitais retomam suas funções normais sadias, pois não há, nesses casos, nenhuma moléstia (**) a ser removida, mas apenas uma obstrução e supressão da força vital sadia. A esta categoria pertencem vários antídotos de envenenamento súbitos: ácalis para ácidos minerais, ´hepar sulphuris´, para venenos metálicos, café e cânfora (e ipecacuanha) para envenenamento por ópio, etc. Não se deve concluir que se escolheu mal um medicamento homeopático para um caso de doença, porque alguns dos sintomas medicinais são somente antipáticos a alguns dos sintomas menores e menos importante da doença; se somente os outros, os sintomas da doença, mais fortes, bem definidos (característicos) e peculiares, são atingidos e contrabalançados pelo mesmo medicamento com semelhança de sintomas (homeopáticos) isto é, vencidos, destruídos e extintos; os poucos sintomas opostos, também desaparecem por si após o termino do período de ação do medicamento, sem de modo nenhum retardarem a cura.

 

** E ainda a nova seita que confunde os dois sistemas apela (embora em vão) para esta observação, a fim de ter uma desculpa para achar por toda a parte tais exceções à regra geral das doenças, e justificar em seu uso de paliativos alopáticos, bem como de outras drogas alopáticas, somente para poupar-se o trabalho de procurar um remédio homeopático adequado para cada caso de doença – e assim figurarem comodamente com médicos homeopáticos sem o serem. Mas seus atos combinam com o sistema que seguem – estão viciados.

 

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Em curas homeopáticas, a experiência nos ensina que das doses extraordinariamente pequenas de medicamentos (275-267), necessárias nesse método de tratamento, que, pela semelhança de seus sintomas, são apenas suficientes para vencer e remover da sensação do principio vital a moléstia natural semelhante, certamente resta, após a destruição desta última, a principio certa quantidade de doença medicinal no organismo, mas, em virtude da extraordinária pequenez da dose, é tão passageira, tão pequena, que desaparece rapidamente por si, que a força vital não precisa empregar, contra esse distúrbio artificial da saúde, reação que seja mais forte que o necessário para elevar seu estado atual de saúde ao ponto saudável (isto é, para realizar uma cura completa); para o que, após a extinção da antiga perturbação mórbida, apenas se requer um esforço muito pequeno (64, B).

 

69

No método antipático (paliativo) de tratamento, contudo, acontece exatamente o oposto. O sintoma medicinal com que o método combate com o sintoma patológico (por exemplo, a insensibilidade e estupefação causada pelo ópio em sua ação primária contra dores agudas) não é certamente estranho, não inteiramente alopático, a esse último; há uma relação evidente do sintoma medicinal com o sintoma da doença, mas é o oposto do que deveria ser; ai se pretende que a eliminação do sintoma da doença seja efetuado por um sintoma medicinal oposto, o que, contudo é impossível. Sem dúvida, o medicamento antipático escolhido atinge exatamente o mesmo ponto afetado no organismo, que o medicamento homeopático, por causa da afecção semelhante que produz; o primeiro,porém, atinge apenas ligeiramente o sintoma oposto da doença, somente como um oposto, deixando de ser notado pelo nosso principio vital, por tempo muito breve, apenas, de modo que no primeiro período da ação do paliativo antagônico, a força vital não percebe nada de desagradável em qualquer dos dois (nem no sintoma da doença, nem no do medicamento), por parecerem ambos removidos e dinamicamente neutralizados, por assim dizer (isto é, por exemplo, o efeito produzido na dor, pelo poder estupefaciente do ópio). Nos primeiros minutos a força vital permanece normal, sem perceber nem a estupefação do ópio, nem a dor da doença. Mas, como o sintoma medicinal antagônico não pode (como no tratamento homeopático) ocupar o lugar da perturbação mórbida presente no organismo na sensação do principio vital como moléstia semelhante, mais forte (artificial), e não pode, portanto, como um medicamento homeopático, afetar a força com um mal semelhante artificial, a fim de poder substituir o mal natural mórbido, o medicamento paliativo deve, como coisa totalmente diferente e oposta do distúrbio patológico, deixar esse mal não eliminado; ele o deixa, como já foi dito, por uma semelhança de neutralização dinâmica*, primeiro sem ser notado pela força vital, mas, como todo mal medicinal, logo desaparece espontaneamente, não só deixando que a moléstia continue, exatamente como estava, porém obrigando a força vital (que, todos os paliativos, deve ser administrado em grandes doses, a fim de efetuar a remoção aparente) a produzir uma condição oposta (63-65), a esse medicamento paliativo, o inverso da ação medicinal, consequentemente análoga ao mal natural mórbido, intacto, ainda presente, que foi necessariamente revigorado e aumentado** por esse acréscimo (reação contra o paliativo) produzido pela força vital. O sintoma do mal (esta parte isolada do mal) consequentemente piora após terminar a ação do paliativo; piora em relação à magnitude da dose do paliativo. Assim (para nos atermos ao mesmo exemplo), quanto mais a dose de ópio dada para aliviar a dor, tanto mais aumenta esta além de sua intensidade original, assim que o ópio termina sua ação***.

 

  • No ser humano vivo não podem ocorrer neutralizações permanentes de sensações antagônicas, ao contrário do que ocorre com substâncias de qualidades opostas no laboratório químico onde, por exemplo, o ácido sulfúrico e a potassa se unem, formando uma substância inteiramente diferente, um sal neutro, que já não é nem ácido nem alcalino, nem é decomposto pelo calor. Tais misturas e combinações, formando algo permanentemente neutro e indiferente, como dito acima, nunca ocorrem com relação a impressões dinâmicas de natureza antagônicas em nosso aparelho sensitivo. Somente uma semelhança de neutralização e remoção mútua ocorre em tais casos, primeiramente, mas as sensações antagônicas não se removem mutuamente de maneira permanente. As lágrimas do sofredor enxugar-se-ão por tempo muito breve, com uma anedota; contudo, logo se esquecem as anedotas, e suas lagrimas correrão, estão ainda mais abundantes que antes.

 

** Por mais clara que seja esta proposição, tem sido mal interpretada, e contra ela alguns têm afirmado ´que o paliativo, em sua ação secundária, que seria então semelhante ao mal presente, deve ser capaz de curar, tão bem quanto o medicamento homeopático por sua ação primária´. Mas não refletiam que a ação secundária não é um produto do medicamento, mas invariavelmente da força vital do organismo, agindo de forma contrária; que, portanto, esta ação secundária não é um produto do medicamento, mas invariavelmente da força vital do organismo, agindo de forma contrária; que, portanto, esta ação secundária resultante da força vital, sobre o emprego de um paliativo, é um estado semelhante aos sintomas da moléstia que o paliativo deixou intacta, e que a reação da força vital contra o paliativo, consequentemente, ainda mais aumentou.

 

*** Como num cárcere escuro, em que o prisioneiro pode reconhecer com dificuldade os objetos ao seu redor, quando se acende repentinamente uma luz, tudo se ilumina instantaneamente de forma deveras consoladora para o infeliz recluso; mas quando se extingue, quanto mais brilhante era antes a chama, tanto mais escura é a noite que agora o envolve, e torna tudo ao seu redor ainda mais difícil de divisar que antes.

 

70

Do acima exposto, não podemos deixar de tirar as seguintes conclusões: Que tudo o que há de caráter realmente mórbido, e que deve ser curado, que o médico pode descobrir em doenças, consiste apenas nos sofrimentos do paciente, e nas alterações sensíveis em sua saúde, em uma palavra, na totalidade dos sintomas, por meio dos quais a moléstia exige o medicamento necessário para o seu alívio; enquanto, por outro lado, cada causa interna a ela atribuída, cada qualidade oculta ou principio morbifico, não é mais que vã ilusão. Que esta perturbação do estado de saúde, a que chamamos moléstia, somente pode ser convertida em saúde mediante outra revolução efetuada no estado de saúde por meio de medicamentos, cujo único poder curativo, consequentemente, só pode consistir em alterar o estado de saúde do homem; isto é, em uma produção peculiar de sintomas mórbidos, sendo percebidos com grande clareza e pureza, sendo experimentados no organismo são. Que, de acordo com toda a experiência, um mal natural nunca pode ser curado por medicamentos que possuem o poder de produzir no individuo são um estado estranho (sintomas mórbidos dessemelhantes)  que diferem do da doença a ser curada (nunca, portanto, por método alopático de tratamento); e que mesmo na natureza jamais ocorre cura em que se remove uma doença inerente, ou é esta eliminada e curada pelo acréscimo de outra doença dessemelhante, por mais forte que a mais nova seja. Que, além disso, toda a experiência prova que, mediante medicamentos que tenham tendência a produzir no individuo sadio sintoma mórbido artificial antagônico ao simples sintoma da doença que se procura curar, a cura de uma afecção antiga jamais será efetuada, resultando apenas alivio muito passageiro, sempre seguido de sua agravação; e que, em uma palavra, este tratamento antipático e meramente paliativo, em casos de doenças antigas de caráter grave, é absolutamente ineficaz. Que não obstante, o terceiro e único método possível de tratamento (o homeopático), em que se emprega contra a totalidade dos sintomas de uma doença natural um medicamento capaz de produzir os sintomas mais semelhantes possíveis no individuo são, dado em doses convenientes, é o único método eficaz pelo qual as moléstias, que nada mais são que irritações perturbadoras dinâmicas da força vital,são vencidas, sendo assim fácil, perfeita e permanentemente extintas, deixando, portanto, de existir. Isto é produzido mediante as irritações perturbadoras semelhantes e mais fortes do medicamento homeopático na sensação do principio vital. Para este método, temos um exemplo da própria natureza, quando a uma doença acrescenta-se outra semelhante à primeira, pela qual a nova é aniquilada e curada rápida e permanentemente.

 

71

Já que não há mais dúvida de que as doenças do gênero humano consistem apenas em grupos de certos sintomas, podendo ser eliminados e transformados em saúde pro substâncias medicinais, somente, porém, pelas capazes de artificialmente produzirem sintomas mórbidos semelhantes (e este é o processo em todas as curas genuínas), então a operação da cura restringe-se aos três pontos seguintes: I – Como deve o médico determinar o que é necessário saber a fim de curar a patogené? II – Como pode ele adquirir o conhecimento necessário para a cura da moléstia natural, os poderes patogenéticos dos medicamentos? III – Qual o método conveniente de emprego destes agentes morbíficos artificiais (medicamento) para a cura do mal natural?

 

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Quanto ao primeiro ponto, o que se segue servirá de base geral e preliminar. As moléstias a que está sujeito o homem são ou processos mórbidos rápidos da força vital anormalmente perturbada, que têm a tendência de completar seu curso de modo mais ou menos rápido, mas sempre em um tempo moderado, as chamadas doenças agudas, ou são doenças de caráter tal que, com um início pequeno, muitas vezes imperceptível, afetam dinamicamente o organismo vivo, cada uma de seu modo peculiar, fazendo-o desviar, pouco a pouco, do estado normal de saúde, de forma que a energia vital automática, chamada força vital (principio vital), cuja função é preservar a saúde, só lhes opõe no começo e no decorrer de seu curso, uma resistência imperfeita, inadequada e inútil, sendo por si incapaz de extingui-las, devendo sofrer importantemente o seu alastramento, a ponto de ser cada vez mais perturbado até que, por fim, o organismo seja destruído. Estas doenças se chamam crônicas. São causadas pelo contrário dinâmico por um principio infeccioso (miasma crônico).

 

73

Quanto às moléstias agudas, pode ser de tal natureza que atacam os homens individualmente, sendo a causa excitante influências prejudiciais a que estavam especialmente expostas. Excessos ou insuficiências alimentares, impressões físicas intensas, frio, ou calor excessivos, desgaste, esforços, etc., ou irritações físicas, emoções ou algo semelhante, são causas excitantes de tais afecções febris; em realidade, contudo são geralmente apenas uma explosão passageira de Psora latente, que retorna espontaneamente a seu estado latente se as moléstias não forem de caráter demasiado violento e foram logo dissipadas. Podem, também, ser de espécie tal que atacam diversas pessoas ao mesmo tempo, aqui e ali (esporadicamente), mediante influências meteóricas ou telúricas e agentes maléficos, sendo a suscetibilidade de ser morbidamente afetado por elas possuída por apenas poucas pessoas ao mesmo tempo. Juntamente com essas estão as doenças em que diversas pessoas são atacadas por sofrimentos muito semelhantes, provenientes da mesma causa (epidemicamente) quando assolam diversos grupos humanos densos. Daí surgem febres*, em cada caso de natureza peculiar e, porque os casos de doenças têm origem idêntica, determinam a todas elas um processo mórbido idêntico, que, se deixado à própria sorte, sem tratamento, em pouco tempo termina ou em morte ou no restabelecimento; as calamidades da guerra, inundações e fome muitas vezes são as suas causas – às vezes são miasmas agudos peculiares que retornam da mesma maneira (daí serem conhecidos por algum nome tradicional), que ou atacam as pessoas apenas uma vez na vida, como a varíola, sarampo, coqueluche, a antiga febre escarlate** de Sydenham, a caxumba, etc., ou as que reaparecem frequentemente de modo muito semelhante, a praga do Levante, a febre amarela, a cólera asiática, etc.

 

  • O médico homeopata, que não leva em conta os preconceitos da escola comum de medicina (que se ateve a certos nomes de tais febres, além das quais a poderosa natureza, não  ousou produzir quaisquer outras, de modo a admitir seu tratamento de acordo com algum método fixo), não reconhece os nomes febre dos cárceres, febre biliar, febre tifóide, febre de putrefação, febre nervosa ou catarral, tratando cada uma delas de acordo com suas diversas peculiaridades.

 

** Depois do ano de 1801, uma espécie de ´purpura miliaris´ (roodvonk) proveniente do Ocidente, foi confundida pelos médicos com a febre escarlate, não obstante apresentar sintomas inteiramente diferentes, havendo essa última encontrado seu remédio curativo e profilático na beladona, ao passo que a primeira o encontrou no aconitum, sendo, geralmente, apenas esporádica, e a última invariavelmente epidêmica. Ultimamente parece que as duas uniam-se ocasionalmente formando uma febre eruptiva de tipo peculiar, para a qual nenhum dos dois remédios citados, empregados separadamente, será exatamente homeopático.

 

74

Entre as doenças crônicas, infelizmente, ainda devemos incluir as tão comumente encontradas, produzidas artificialmente no tratamento alopático, pelo uso prolongado de medicamentos heróicos violentos em doses fortes e progressivas, pelo abuso de calomelano, sublimado corrosivo, ungüento de mercúrio, nitrato de prata, iodo e seus ungüentos, ópio, valeriana, casca de cinchona e quinino, digital, ácido prússico, enxofre e ácido sulfúrico, purgantes, repetidas sangrias*, vertendo rios de sangue, cautérios, sanguessugas, sedenhos, etc., pelo que a energia vital é, às vezes demasiadamente enfraquecida, quando não sucumbe, sendo anormalmente afetada (por cada substância de maneira peculiar) de modo tal que, a fim de conservar a vida, a despeito desses ataques atrozes e destrutivos, deve produzir uma revolução no organismo, ou privando alguma de suas partes de sua irritabilidade e sensibilidade, ou exaltando-as de modo excessivo, causando dilatação ou contração, relaxamento ou endurecimento, ou mesmo destruição total de certas partes, e desenvolvendo alterações orgânicas falhas, aqui e ali, no interior e exterior do organismo** (estropiando o corpo interna ou externamente, a fim de preservar o organismo de completa destruição da vida pelos ataques hostis e sempre renovados, por parte dessas forças destrutivas.

 

* Se o paciente por fim sucumbe, o médico que administra esse tratamento habitualmente aponta aos chorosos pacientes, no exame post-mortem, esses males orgânicos internos, que se devem à sua pseudo-arte, mas que ele afirma, espertamente, serem a doença original incurável . Esses registros enganosos, trabalhos ilustrados sobre anatomia patológica, apresentam os produtos desses trabalhos mal feitos. Os mortos do campo e os pobres das cidades que tenham falecido sem esses tratamentos por meio de medidas prejudiciais não são, via de regra, abertos para fins de estudos anatomopatológicos. Tal corrupção e tais deformidades não seriam encontradas em seus cadáveres. Desse fato se pude julgar o valor da evidência tirada dessas belas ilustrações, bem como a honestidade dos autores e editores.

 

** Entre todos os métodos imagináveis de alívio da doença, nenhum método mais alopático, irracional os inadequado pode ser imaginado que o de Broussais, tratamento debilitante mediante sangrias e dietas de fome, que, por muitos anos, difundiu-se em grande parte do mundo. Nenhum homem inteligente pode ver nele qualquer coisa de valor médico ou medicinal, ao passo que os remédios verdadeiros, mesmo se escolhidos às cegas, e administrados ao paciente, podem, às vezes, ser valiosos em determinado caso de doença, porque podem ser, acidentalmente homeopáticos ao caso. Mas da sangria o bom senso nada mais pode esperar, do que diminuição e encurtamento da vida. é um engano triste e inteiramente infundado pensar que a maioria, e mesmo a totalidade das doenças dependem de inflamação dessas partes. É geralmente inadequado, até homicida, tirar diversas libras de sangue das veias em febres inflamatórias, quando alguns remédios adequados acabariam com esse estado de irritação arterial, eliminando o sangue até então parado, juntamente com a moléstia, em algumas horas, sem a menor perda de fluidos ou de força. Tal perda de sangue é evidentemente insubstituível para o prosseguimento do restante da vida, pois os órgãos destinados pelo Criador para a produção de sangue tornaram-se assim enfraquecidos, e, embora ainda possam produzir sangue na mesma quantidade, não o podem da mesma qualidade. E quão impossível é que esta pletora imaginada tenha sido produzida com tão notável rapidez e assim retirada por freqüentes sangrias ainda uma hora antes o pulso desse paciente (antes do período da febre e dos tremores) estava tão tranqüilo. Nenhum homem, nenhum doente teve jamais sangue em demasia*** ou força demasiada, do contrário, cada doente carece de forças, ou então seu principio vital teria impedido o desenvolvimento do mal. Assim é irracional e cruel acrescentar aos sofrimentos desse paciente uma fonte de debilidade maior, na verdade a mais séria de todas as fontes de fraqueza que se possam imaginar. É uma prática crônica, assassina, irracional e cruel, baseada numa teoria inteiramente infundada e absurda, em vez de remover a doença que é sempre dinâmica e só pode ser eliminada por potências dinâmicas.

 

*** O único caso possível de pletora apresentar-se na mulher sadia, alguns antes da menstruação, com uma sensação de certa plenitude no útero e nos seios, sem inflamação porém.

 

75

Essas incursões na saúde humana realizada pela arte não-curativa alopática (principalmente nestes últimos tempos) são, de todas as doenças crônicas, as mais deploráveis, as mais incuráveis, e lamento acrescentar que é aparentemente impossível descobrir ou acertar remédios para a sua cura, quando essas doenças já alcançaram um estágio consideravelmente adiantado.

 

 

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Somente para as doenças naturais a Providência benéfica nos concedeu, na homeopatia, os meios de alcançar alívio, mas as devastações e mutilações do organismo, tanto externa como internamente, realizadas muitas vezes durante anos de exercício impiedoso de uma falsa arte com suas drogas e tratamentos nocivos, devem ser remediadas pela própria força vital (dando-se ajuda adequada para a erradicação de qualquer miasma crônico que possa permanecer oculto), se já não tiver sido enfraquecido em demasia portais atos maléficos, e pode dedicar-se por anos a fio a esta enorme operação sem ser afetado. Não há, nem pode haver, uma arte humana de curar, para a restauração ao estado normal destas inúmeras condições normais, tão frequentemente produzidas pela arte não-curativa alopática.

 

77

Os males impropriamente chamados crônicos são os contraídos pelas pessoas que se expõem continuadamente a influências nocivas evitáveis, que se habituam a abusar de líquidos ou alimentos nocivos, que se entregam a dissipações de muitos tipos, as quais prejudicam a saúde, que se privam por muito tempo de coisas necessárias para o sustento da vida, que residem em locais insalubres, principalmente em lugares pantanosos, que habitam em sótãos ou outras moradias fechadas, que se privam de exercício ou de ar puro, que arruínam a saúde, forçando o corpo ou a mente, que vivem em constante preocupação, etc. Esses estados de falta de saúde, que as pessoas contraem, desaparecem espontaneamente, desde que não haja, latente no corpo, nenhum miasma crônico, com um método de vida mais sadio, não podendo ser chamadas doenças crônicas.

 

78

As verdadeiras doenças crônicas naturais são as oriundas de um miasma crônico, que, quando entregues à própria sorte, e não combatidos pelo emprego de remédio especifico para elas, continuam sempre aumentando e piorando, não obstante os melhores regimes mentais e físicos, e atormentam o paciente até o fim de sua vida, com sofrimentos sempre correntes. Esses, exceto os produzidos mediante tratamento médico errôneo (74), são os mais numerosos e maiores flagelos da raça humana; mesmo uma constituição físico muito robusta, o modo de vida normal e a energia mais vigorosa da força vital são insuficientes para a sua erradicação*

 

* Durante os anos florescentes da juventude, e com o inicio da menstruação regular combinada a um modo de vida benéfico à alma, ao coração e ao corpo, elas permanecem despercebidas durante anos. Os doentes apresentam perfeita saúde aos seus parentes e conhecidos e a doença que havia sido tomada por infecção, ou doença hereditária, parece ter desaparecido de todo. Mas, em anos subseqüentes, após acontecimentos e condições adversas da vida, reaparecem com toda a certeza, progridem com grande rapidez e assumem maior gravidade à medida que o principio vital é afetado por paixões, sofrimentos e cuidados debilitantes, mas especialmente quando perturbados por tratamento medicinal inadequado.

 

79

Até agora só a sífilis tem sido conhecida, até certo ponto, como doença crônica miasmática, que quando não curada, cessa somente com o término da vida. A sicose (o mal condilomatoso), igualmente inerradicável pela força vital sem tratamento medicinal adequado, não foi reconhecida como doença crônica miasmática de caráter peculiar, o que, sem sombra de dúvida, o é, e os médicos imaginam que a tinham curado quando haviam destruído as excrescências da pele, embora a discrasia persistente por ela ocasionada escapasse à sua observação.

 

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Incalculavelmente maior e mais importante que os dois miasmas crônicas que acabáramos de mencionar, é o miasma crônico da Psora, que (conquanto aqueles dois revelam sua discrasia interna específica, um pelo cancro venéreo, o outro pelas excrescências em forma de couve-flor) também se revela, após o término da infecção interna de todo o organismo, por uma erupção cutânea peculiar, constituindo, às vezes, de pequenas vesículas acompanhadas de prurido forte e voluptuoso (e de odor característico), o miasma interno crônico monstruoso – a Psora, a única causa fundamental real, produtora de todas as demais numerosas outras, direi mesmo incontáveis, formas de moléstias*, que, com os nomes debilitantes nervosa, histérica, hipocondríaca, mania, melancolia, demência, furor, epilepsia e convulsões de toda a sorte, amolecimento de ossos (raquitismo) escrofulose, escoliose e cifose, cárie ´fungus haematodes´, neoplasmas, gota, hemorróidas, icterícia, cianose, hidropsia, amenorréia, hemorragias, gástrica, nasal, pulmonar, vesicular e uterina; asma e úlcera pulmonar, impotência e esterilidade, enxaqueca, surdez amaurose, cálculos dos rins, paralisia, defeitos dos sentidos e dores de milhares de espécies,etc., figuram nas obras sistemáticas de patologia como doenças peculiares e independentes.

 

* Passei doze anos investigando a fonte deste numero terrivelmente alto de afecções crônicas, verificando certas provas desta grande verdade que permaneceu desconhecida de todos os observadores, quer os antigos, quer os contemporâneos, e descobrindo, ao mesmo tempo, os principais remédios (antipsóricos) que, em conjunto, combatem este monstro de mil cabeças, esta doença em todas as suas formas e estágios. Publiquei minhas observações sobre este assunto no livro intitulado ´As doenças crônicas´; antes de ter obtido este conhecimento eu só pude ensinar a tratar  toda a série de doenças crônicas como males individuais, isolados, com as substâncias medicinais cujos efeitos pouco até então haviam sido experimentados em indivíduos sãos, de maneira que cada caso de doença crônica era tratado por meus discípulos de acordo com o grupo de sintomas que apresentava, do mesmo modo que um mal idiopático, e frequentemente curava de tal jeito que a humanidade doente se regozijava com extenso tesouro medicinal já coligido pela nova arte curar. Muito mais motivo para jubilo há agora que o fim almejado está mais próximo, portanto, os medicamentos homeopáticos recentemente descobertos e muito mais específicos, para as afecções crônicas resultantes da Psora (chamados,com suas propriedades, remédios antipsóricos) e as instruções para sua preparação e uso publicados; e dentre eles o verdadeiro médico pode agora escolher aqueles cujos sintomas medicinais correspondem da maneira semelhante (homeopática) mais adequados a este miasma, pode ele prestar serviços mais essenciais e quase invariavelmente realizar cura completa.

 

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O fato de que este agente infeccioso muito antigo tem passado gradativamente, por centenas de gerações, através de milhões de organismos humanos, havendo atingido assim, desenvolvimento incrível, permite, de certa forma, conceber-se como pode agora apresentar tantas formas mórbidas na grande família humana, principalmente quando consideramos o número de circunstâncias* que contribuem para a produção dessa grande variedade de males crônicos (sintomas secundários da Psora) além da diversidade indescritível de homens em relação a suas constituições físicas congênitas, de modo que não é de admirar que tal variedade de agentes nocivos em ação no organismo, de fora e de dentro, e às vezes, continuamente, em tal variedade incontável de defeitos, afecções, perturbações e sofrimentos, que até agora tem sido tratados nas antigas obras sobre patologia**, sob diversos nomes especiais, como males independentes.

 

  • Algumas das causas que exercem influência, modificadora na transformação da Psora em males crônicos manifestamente dependem, às vezes do clima, e do caráter peculiar físico da moradia do paciente, às vezes, das grandes variedades de treinamentos físico e mental dos jovens, os quais podem ter sido negligenciados, atrasados ou realizados em excesso, ou de seu abuso no trabalho ou condições de vida, em questão de dieta e regime, paixões, maneiras, hábitos e costumes de várias espécies.

 

** Quantos nomes impróprios e ambíguos não contém estas obras, sob uma das quais incluem-se condições mórbidas excessivamente diferentes, que muitas vezes se assemelham em apenas um sintoma isolado, como malária, icterícia, hidropsia, tuberculose, leucorréia, hemorróidas, reumatismo, apoplexia, convulsões, histeria, hipocondria, melancolia, mania, anginas, paralisias, etc., que são descritas como males de caráter fixo e invariável, sendo tratadas por causa de seu nome, de acordo com um plano determinado! E como pode o simples fato de se dar um nome justificar tratamento médico idêntico? E se o tratamento não for sempre o mesmo, por que usar o mesmo nome sempre, por que usar um nome idêntico que postula uma identidade de tratamento?. Mesmo os males epidêmicos, que sem dúvida podem ser propagados em cada epidemia separada por um princípio contagioso peculiar que permanece desconhecido por nós são designados na velha escola de medicina por nomes peculiares, como se fossem doenças fixas conhecidas que retornavam invariavelmente da mesma maneira, com febre de hospital de cárcere, febre de campo, febre de putrefação, febre biliar, febre nervosa, febre catarral, embora cada epidemia de tais febres se apresentasse em cada caso de modo diferente, como doença nova, como se jamais tivesse surgido antes de modo exatamente igual, diferindo muito em cada caso, em seu curso bem como em seus sintomas mais marcantes e em sua aparência. Cada uma delas é tão diferente das epidemias anteriores – não importa que nomes tenham – que seria inteiramente irracional dar a estas doenças, que diferem tanto entre si, um dos nomes que encontramos nos escritos sobre patologia, e trata-las medicamente de acordo com esse nome mal empregado..O integro Sydenham só percebeu isso quando insistiu na necessidade de não considerar qualquer moléstia epidêmica como havendo ocorrido antes e trata-las da mesma maneira que outra, visto que todas as que ocorrem em sucessão, por mais numerosas que sejam, diferem entre si. Do acima disposto vê-se que esses nomes de doenças, inúteis e mal empregados, não devem influenciar no tratamento a ser dado pelo verdadeiro médico, que sabe que tem de julgar e curar doenças, não de acordo com a semelhança de nomes de um de seus sintomas, mas de acordo com a totalidade de sinais do estado individual de cada paciente, cuja afecção é de seu dever investigar cuidadosamente, sem jamais fazer conjecturas hipotéticas a seu respeito. Se, contudo, se julgar necessário, às vezes, emprega-se o nome das doenças, a fim de nos fazermos compreender em poucas palavras, quando estivermos falando de determinado paciente a outras pessoas, devemos somente referir-se a elas pelos seus nomes coletivos, e dizer-lhes, por exemplo, que o paciente tem uma espécie de doença de São Vito, uma espécie de hidropsia, uma espécie de tifo, uma espécie de malária; mas (para evitar de uma vez por todas as noções errôneas que tais nomes possam dar) jamais devemos dizer que ele tem a doença de São Vito, que ele tem tifo, hidropsia, malária, visto não existirem doenças desse nome ou semelhantes de caráter fixo e invariável.

 

82

Embora, pela descoberta dessa grande fonte de males crônicos, bem como pela dos remédios homeopáticos específicos para Psora, a medicina tenha avançado alguns passos mais próximo ao conhecimento da natureza da maioria dos males que tem de curar, ainda assim, para estabelecer a indicação de cada caso de mal crônico (psórico) que o médico tem de curar, o dever de identificar os sintomas discerníveis e suas características é tão indispensável para o médico homeopata quanto o era antes daquela descoberta, pois não pode ocorrer uma dessa ou de outras doenças sem um tratamento particular estrito (individualização) de cada caso de doença – só que nesta investigação deve-se fazer alguma distinção quando a doença for aguda e de progresso rápido; visto que, na doença aguda, os sintomas principais nos surpreendem e tornam-se cada vez mais rapidamente evidentes aos nossos sentidos, daí necessitar-se de muito menos tempo para determinar a moléstia e de muito menos perguntas* (por ser quase tudo evidente por si), do que nos casos de males crônicos que vem progredindo durante anos, em que os sintomas são muito mais difíceis de serem reconhecidos.

 

* Portanto as instruções seguintes para a investigação dos sintomas são apenas parcialmente aplicáveis a males agudos.

 

83

Este exame individualizador de cada moléstia, para o qual só darei aqui instruções gerais, e do qual o medico só terá em mente o que for aplicável para cada caso individual, apenas requer ao médico ausência de preconceitos e sentidos perfeitos, atenção na observação e fidelidade ao traçar o quadro da doença.

 

84

O paciente detalha a marcha de seus sofrimentos; os que estiverem perto dele relatam as suas queixas, como se comportou e o que nele notaram; o médico vê, ouve e observa com seus outros sentidos o que há de alterado ou fora do comum nele. Escreve com precisão o que o paciente e seus amigos lhe relatam, nas próprias observações empregadas por eles. Mantém-se calado, deixando que lhe indiquem o que tem a dizer, evitando interrompe-los* a não ser que divaguem. O médico, no inicio do exame, avisa que falem devagar, de modo que possa escrever as partes importantes do que o paciente tem a dizer.

 

* Cada interrupção corta a ordem de idéias dos narradores e não lhes ocorre de novo exatamente o que teriam dito a principio, sem interrupção.

 

85

Ele abre uma nova linha a cada circunstância diferente mencionada pelo paciente ou seus amigos, de modo que os sintomas estarão anotados separadamente, uns debaixo dos outros. Podem assim acrescentar outras coisas a qualquer deles que tenha sido primeiro relatado de modo vago e depois expostos de modo mais explicito.

 

86

Quando os narradores tiverem terminado o que tinham a dize, o médico retorna, então a cada sintoma em particular, e obtém informações mais precisas sobre o sintoma, da forma seguinte: lê os sintomas na ordem que lhe foram relatados, e quanto a cada um, procura obter mas detalhes; por exemplo, quando ocorre este acidente? Foi antes de tomar o medicamento que estava usando? Durante o período em que estava tomando o medicamento? Ou somente alguns dias depois de parar de usa-los? Que espécie de dor, que sensação experimentou exatamente neste lugar? Qual foi o lugar exato? Dor veio repentina, em acessos, por si só, várias vezes? Ou ora continua, sem interrupção? Quanto tempo durou? A que hora do dia ou da noite, e em que posição do corpo foi pior, ou cessou inteiramente? Qual foi a natureza exata deste ou daquele acidente ou circunstância mencionada, descrita em linguagem simples?

 

87

E assim o médico obtém informações mais precisas sobre cada detalhe em particular, sem jamais contudo, formular as perguntas, de modo que sugira ao paciente a resposta*, de modo que só obtenha a resposta sim ou não, pois do contrário, o paciente será levado a responder na afirmativa ou na negativa a algo que não seja verdadeiro, ou uma meia-verdade, ou não inteiramente correto, ou por indolência, ou a fim de agradar o interlocutor, do que resultará um quadro falso da moléstia, e, portanto, tratamento inadequado.

 

* Por exemplo, o médico não deve perguntar: ´Não havia esta ou aquela circunstância?´. Ele não deve jamais fazer tais sugestões, que tendem a induzir o paciente a dar uma resposta errônea, e um relato falso do seu sintoma.

 

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Se nesses detalhes espontaneamente fornecidos nada se mencionou sobre diversos fatos ou funções do corpo ou de seu estado mental, o médico pergunta o que mais pode ele dizer quanto a estas partes ou funções, ou seu estado de espírito*; mas, assim fazendo, só emprega expressões gerais, a fim de que seus informantes sejam obrigados a entrar em detalhes específicos a seu respeito.

 

* Por exemplo: Qual o aspecto de suas fezes? Como tem urinado? Como tem dormido de dia ou de noite?

 

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Quando o paciente – pois é principalmente com ele que devemos contar para a descrição das sensações que experimenta (a não ser no caso de males fingidos) – com esses detalhes, tiver dado de sua livre e espontânea vontade, e em resposta às perguntas, as informações necessárias e permitindo um quadro suficientemente esclarecido de suas doenças, o médico pode e deve (se acha que ainda não obteve todas as informações necessárias) fazer perguntas mais precisas e especiais*

 

* Por exemplo: Qual a freqüência de suas evacuações? Qual o tipo de fezes? As vezes esbranquiçadas consistem de catarro ou excrementos? Experimentou sensação de dor durante a evacuação? Que tipo de dor, e onde se localizava? O que vomitou o paciente? O mau gosto da boca é pútrido, amargo, azedo, ou algum outro? Antes, durante ou depois das refeições? Em que parte do dia foi pior? Qual o gosto do que eructou? A urina se torna turva tempo após descarregada, ou logo que descarregada? Qual a sua coloração quando emitida pela primeira vez? Qual a cor do sedimento? Como se comporta o paciente enquanto dorme? Geme, fala ou chora dormindo? Levanta-se à noite? Ronca ao inspirar ou expirar? Dorme de costas, ou de lado? Cobre-se todo, ou não suportar as cobertas? Acorda com facilidade, ou dorme profundamente? Como se sente logo após acordado? Com que freqüência ocorre determinado sintoma? Qual a causa que o produz cada vez que ocorre? Surge quando está sentado, deitado, em pé ou em movimento? Só quando está em jejum ou de manhã, ou à tarde, ou após uma refeição, quando costuma aparecer? Quando veio o calafrio? Frio, simplesmente uma sensação de tremor, ou estava realmente com a temperatura baixa, ao mesmo tempo? Em caso afirmativo, em que partes? Ou, ao sentir o calafrio, estava realmente quente o toque? Era apenas uma sensação de frio sem tremor? Sentia calor, estava com faces afogueadas? Que partes suas eram quentes ao toque? Queixou-se de calor sem estar quente ao toque? Quanto durou o calafrio? E o período de calor? Quando veio a sede, durante a fase de calor ou de frio? Ou antes, ou depois? Qual a intensidade da sede, e qual a bebida desejada? Quando veio o suor, no começo ou no fim da sensação de calor? Ou quantas horas após esta sensação? Durante o sono o enquanto em vigília? E quanto ao suor, era pouco, muito, quente, frio, em que partes? Que cheiro tinha? De que queixa antes ou durante o sono? Nas mulheres, anotar o caráter da menstruação e outras descargas, etc.

 

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Quando o médico termina de anotar esses detalhes, escreve, então, o que ele próprio observa no paciente*, e verifica o quanto disto era peculiar ao paciente em seu estado normal.

 

* Por exemplo, como o paciente se comportou durante a visita – se estava mal humorado, briguento, apressado, choroso, ansioso, desesperado ou triste, esperançoso, calmo, etc. Se está em estado de torpor, ou de qualquer modo entorpecido de idéias; se falava com voz rouca, ou baixo, ou incoerentemente, ou de que outro modo falou? Qual era a cor de sua face e seus olhos, e de sua pele em geral? Que grau de vivacidade e força havia na sua expressão e olhar? Qual o estado de sua língua, sua respiração, seu hálito e sua audição? Estavam as suas pupilas dilatadas ou contraídas? Com que rapidez e até que ponto se alteravam no escuro e no claro? Qual o seu pulso? Qual a condição de seu abdômen? Estava a pele ou outra parte qualquer úmida, ou quente, ou fria, ou seca ao toque? Ou como estava ele ao toque de um modo geral? Estava deitado com a cabeça bem virada para trás, de boca semi ou inteiramente aberta, com os braços acima da cabeça, de costas, ou em que posição? Que esforço fez para levantar-se deve anotar-se qualquer outra coisa que possa ser observada pelo médico.

 

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Os acidentes e sensações do paciente durante uma série de medicamentos não permitem um quadro puro de doença, mas, por outro lado, os sintomas e distúrbios sofridos antes de emprego dos medicamentos, ou após terem sido suspensos durante muitos dias, dão a idéia fundamental, verdadeira da forma original da doença, e não especialmente esses os que o médico deve notar. Quando a doença for de caráter crônico, e o paciente estiver tomando medicamentos até a época em que for visitado, o médico pode muito bem deixa-lo alguns dias sem medicação, ou no intervalo administrar-lhe algo de natureza não-medicinal e adiar para mais tarde o exame mais completo dos sintomas mórbidos,  a fim de poder aprender em sua pureza os sintomas permanentes contaminados da afecção antiga e forma um quadro fiel da doença.

 

92

Mas, em se tratando de moléstia de curso rápido, e sua gravidade não permitir demora, o médico deve contentar-se em observar a condição mórbida, embora alterada por medicamentos, se não puder discernir quais os sintomas que estiverem presentes antes do seu emprego, a fim de poder, ao menos, obter um panorama da doença em seu estado atual, isto é, do mal conjunto formado pelos males medicinal e original, que em virtude do uso de drogas inapropriadas é geralmente mais sério e perigoso que a doença anterior, requerendo, portanto, ajuda pronta e eficiente; e obtendo-se um quadro completo do mal poder-se-á combate-lo com remédios adequados, de forma que o paciente não será sacrificado pelas drogas nocivas que ingeriu.

 

93

Se a doença tiver sido contraída recentemente, ou no caso de uma afecção crônica, há algum tempo atrás, por alguma causa evidente, então o paciente – ou os seus amigos, quando interrogados sem segredo, menciona-la-ão espontaneamente ou após cuidadoso interrogatório*.

 

* Quaisquer causas de caráter desagradável, que o paciente ou seus amigos não queiram confessar, pelo menos voluntariamente, o medico deve procurar deduzir guiando suas perguntas, ou tomando informações particularmente. A esta categoria pertencem o envenenamento, tentativa de suicídio, onanismo, excesso em libidinagens ordinárias ou anormais, excessos no vinho ou licores, ponche e outras bebidas alcoólicas, chá ou café; excessos alimentares em geral – infecções causadas por meios venéreos ou sarna, amores infelizes, ciúme, infelicidade domestica, preocupação, tristeza causada por infortúnio de família, abuso, vingança frustrada, orgulho ferido, problemas financeiros, medo supersticioso, fome, ou imperfeição dos órgãos ou partes pudentas, hérnia, prolapso, etc.

 

94

Durante o exame do estado de males crônicos, as circunstâncias peculiares do paciente, quanto a suas ocupações habituais, seu modo de vida, sua dieta, sua situação doméstica, etc., devem ser considerados e examinados, a fim de se saber o que há neles que possa tender a produzir ou manter o  mal, para que possa promover o seu relacionamento*

 

* Nos males crônicos femininos, é de máxima importância atentar para a gravidez, esterilidade, desejo sexual, partos, abortos, lactação e o estado de sua menstruação. Quanto a este último detalhe, principalmente, não devemos deixar de verificar se ocorre em intervalos curtos, ou se atrasa além de seu devido tempo, quantos dias dura, se seu fluxo é continuo ou interrompido, em que quantidade, o matiz de sua coloração, se há leucorréia antes de seu aparecimento ou após o seu término, mas especialmente que incômodos físicos ou mentais, que sensações e dores a precedem, acompanham ou seguem; ocorrendo leucorréia, que sensações acompanham seu fluxo, qual a sua quantidade, e quais as condições e ocasiões sob que ocorre.

 

95

Nas afecções crônicas, a investigação dos sinais da doença acima referida, e de todas as outras, deve ser conduzida tão cuidadosa e circunstancialmente quanto possível, e os menores detalhes devem ser observados, em parte porque nestas afecções são os mais característicos e os que menos se assemelham ao de moléstias agudas, e se desejar realizar uma cura, não podem ser observados com precisão, em parte porque os pacientes se tornam tão habituados a seu longo sofrimento, que prestam pouca ou nenhuma atenção aos sintomas de menor importância, que às vezes se acham cheios de significação (de características) – às vezes muito valiosos na determinação da escolha do remédio – e consideram-nos como parte necessária de seu estado, quase como se fossem naturais a uma pessoa saudável, cujo estado quase esqueceram em seu sofrimento de quinze ou vinte anos, e mal podem crer que esses sintomas acessórios, essas variações maiores ou menores de seu estado de saúde, podem ter alguma relação com seu mal principal.

 

96

Além disso, os pacientes diferem, eles próprios, de tal maneira em seu estado, que alguns, especialmente os chamados hipocondríacos e outros indivíduos de grande sensibilidade e impaciente em seu sofrimento, retratam suas queixas em cores excessivamente vivas, e, a fim de induzir o médico a lhes receitar remédios, descrevem os seus sofrimentos com expressões exageradas*

 

* Uma pura invenção de acidentes e sofrimentos jamais será feita pelos hipocondríacos, mesmo os mais impacientes entre eles – este fato é comprovado por comparação dos sofrimentos de que se queixam repetidas vezes quando o médico nada lhes receita, ou lhes receita algo sem valor medicinal; - mas devemos deduzir alguma coisa de seu exagero, e em todos os caos atribuir o caráter forte de suas expressões à sua excessiva sensibilidade, caso em que este próprio exagero de suas expressões, ao falarem de seus sofrimentos, se torna por si um sintoma importante na lista de características de que se compõe a sua doença. O mesmo não ocorre com dementes ou com os que cinicamente fingem ter a doença.

 

97

Outros indivíduos de caráter oposto, contudo, em parte por indolência, em parte por timidez, ou por certa indolência ou fraqueza de mente, deixam de mencionar alguns de seus sintomas, descrevendo-os em termos vagos, ou alegando que não são de importância.

 

98

Assim, tanto é certo que devemos escutar principalmente, a descrição feita, pelo paciente, de seus sofrimentos e sensações, e levarmos em conta especialmente as expressões com que ele tenta nos comunicar seus sofrimentos – pois as versões de seus amigos e acompanhantes são usualmente alteradas e erroneamente descritas – igualmente é certo, por outro lado, que em todas as doenças, mas especialmente nas crônicas, a investigação do quadro, completo e preciso, bem como de suas peculiaridades, requer cuidado, tato, conhecimento da natureza humana e observação especiais na investigação, e bem assim paciência em alto grau.

 

99

De modo geral, a investigação de moléstias agudas, ou das que existem por tempo limitado, é a mas fácil para o medico, porque todos os fenômenos e perturbações do estado de saúde que se perdeu há pouco tempo estão ainda frescos na memória do paciente e de seus amigos, sendo ainda novas e bem definidas. O medico certamente tem de saber tudo nestas doenças, mas ele tem menos para investigar; são em sua maior parte espontaneamente detalhadas para ele.

 

100

Na investigação da totalidade dos sintomas das doenças epidêmicas ou esporádicas, é de somenos importância saber se alguma coisa semelhante já surgiu no mundo sob o mesmo nome ou outro qualquer. A novidade ou peculiaridade de uma doença dessa espécie não faz diferença, quer no seu modo de exame ou no de tratamento, visto que o medico deve de qualquer modo encarar o quadro puro de cada doença dominante, como se fosse algo novo e desconhecido, e investiga-la toda, por si, se for sua intenção praticar medicina de maneira real e radical, sem jamais conjeturar em vez de observar realmente, ou considerar como certo que o caso de doença diante de si já se acha totalmente ou parcialmente conhecido mas sempre examinando-o cuidadosamente em todas as suas fases; e este modo de proceder é de máxima necessidade em tais casos, visto que um exame cuidadoso demonstrara que cada doença é, em muitos aspectos, um fenômeno de caráter exclusivo, diferindo grandemente de todas as epidemias anteriores, a que, erroneamente, se aplicaram certas designações, com a exceção das epidemias resultantes do principio contagioso que permanece o mesmo, como a varíola, sarampo, etc.

101

Pode ocorrer facilmente que no primeiro caso de um mal epidêmico que seja notado pelo medico, este não tenha imediatamente um quadro completo de sua natureza, visto ser somente mediante criteriosa observação de cada um desses males coletivos que ele pode se familiarizar com a totalidade de seus sinais e sintomas. O medico que observa cuidadosamente pode, contudo, pelo exame de seu primeiro ou segundo paciente, aproximar-se muitas vezes do conhecimento do verdadeiro estado do mal, de modo a ter na sua mente um quadro característico dele – e obter êxito em achar um remédio conveniente, homeopaticamente adaptado.

 

102

À medida que são anotados os sintomas de diversos casos desta espécie, esboça-se cada vez de modo mais completo o quadro da doença, não mais de modo impreciso e prolixo, ma de modo mais expressivo (mais característico), e incluindo mais peculiaridades dessa doença coletiva; por um lado, os sintomas gerais (por exemplo, perda de apetite, insônia, etc.) tornam-se precisamente definidos no que se refere às suas peculiaridades; e, por outro lado, os sintomas mais especiais e marcados peculiares a apenas algumas doenças e de ocorrência mais rara, pelo menos na mesma combinação, sobressaem e constituem o que há de característico na doença*. As vitimas de uma epidemia certamente contraíram a doença da mesma fonte, e sofrem, portanto, da mesma doença; mas toda a extensão de tal epidemia, e a totalidade de seus sintomas (o seu conhecimento, essencial para permitir-nos a escolha do remédio homeopático mais conveniente para esta série de sintomas, é obtido mediante um exame completo do quadro da doença), não pode ser conhecida por meio de somente um único paciente, só podendo ser perfeitamente deduzida (abstraída) e verificada pelos sofrimentos de diversos pacientes de constituições diferentes.

 

 

103

Da mesma forma como se disse aqui com relação às doenças epidêmicas, que são geralmente de caráter agudo, os males crônicos miasmáticos, que, como demonstrei, devem ser investigados quanto à totalidade de seus sintomas, de forma muito mais detalhada que nos demais casos, pois neles um paciente apresenta apenas uma parte de seus sintomas, um segundo paciente, ou um terceiro, e assim por diante, apresentam outros sintomas, que também são apenas uma parte, dividida, por assim dizer, da totalidade dos sintomas que constituem toda a extensão dessa doença, de modo que toda a gama de sintomas que pertencem a essa doença crônica miasmática, especialmente a Psora, só pode ser verificada pela observação de um grande numero de pacientes atingidos por esse mal crônico, e sem um levantamento completo, e observação coletiva desses sintomas os remédios capazes de curar o mal homeopaticamente (a saber, os antipsóricos), não podem ser descobertos; e esses remédios são, ao mesmo tempo, os remédios verdadeiros dos muitos pacientes que sofrem de tais afecções crônicas.

 

104

Quando a totalidade dos sintomas que, de modo especial, marcam e distinguem o caso da doença, em outras palavras, quando esboçar-se* o quadro do mal, qualquer que seja a sua espécie, ter-se-a completado a parte mais difícil do trabalho. O medico tem, então, um quadro da moléstia, principalmente se for mal crônico, sempre diante de si, a fim de guia-lo no tratamento; pode investiga-lo em todas as suas partes e tirar seus sintomas característicos, a fim de a eles opor, isto é, a toda a própria doença, uma força morbificia artificial semelhante, na forma de uma substancia medicinal homeopaticamente escolhida na relação de sintomas de todos os remédios cujos efeitos puros tenham sido determinados. E quando, durante a cura, ele desejar saber qual foi o efeito do medicamento, e que mudança ocorreu no estado do paciente, neste novo exame do paciente ele só precisa riscar da relação dos sintomas anotados por ocasião da primeira visita os que apresentam melhora, marcando os que permanecem e acrescentando os novos sintomas que possam haver surgido.

 

* Os médicos da velha escola pouca importância davam a isto em seu método de tratamento. Não davam atenção a qualquer detalhe pequeno das circunstancias do caso de que tratavam; alias, muitas vezes interrompiam o paciente quando este lhe relatava os seus sofrimentos, a fim de não demorarem em suas notas ligeiras, suas receitas, composta de uma variedade de ingredientes cujos verdadeiros efeitos lhes eram desconhecidos. Nenhum medico alopata, como já se tem dito, procurou aprender as circunstancias detalhadas do caso do paciente, e muito menos fez dele anotações por escrito. Ao ver o paciente outra vez, diversos dias mais tarde, de nada se lembravam com referencia aos poucos detalhes que havia ouvido na primeira visita (acrescendo o fato de que neste ínterim havia visitado diversos outros pacientes sofrendo de afecções diversas); deixava que tudo entrasse por um ouvido e saísse por outro. Em visitas subseqüentes, só fazia algumas perguntas de caráter geral, seguia a cerimônia de tomar o pulso do paciente, observar-lhe a língua, e ao mesmo tempo escrevia outra receita, baseado em princípios igualmente irracionais, ou prescrevia que se continuasse com a primeira medicação (em doses consideráveis, e diversas vezes ao dia), e, com uma saudação cortes, apressava-se em sair para visitar o qüinquagésimo ou sexagésimo paciente da jornada, em sua maneira despreocupada e impensada, naquela tarde. A profissão que, de todas, realmente requer mais reflexão, um exame cuidadoso e consciencioso do estado de cada paciente, e um tratamento especial nele baseado, era assim praticada por pessoas que se chamavam médicos, clínicos racionais. O resultado, como era de esperar, era, de forma invariável, mau, sem exceção; e, ainda, os pacientes tinham de recorrer a eles para obterem conselhos, ou porque nada havia de melhor ou para seguir o habito.

 

105

O segundo ponto do trabalho de um verdadeiro medico é adquirir o conhecimento dos instrumentos destinados à cura das doenças naturais, investigando o poder patogenético dos medicamentos, a fim de, quando precisar curar, poder escolher dentre eles um da relação de cujos sintomas se pode formar uma moléstia artificial, tão semelhante quanto possível à totalidade dos sintomas principais das doenças naturais que se procurar curar.

 

106

Devem-se conhecer todos os efeitos patogenéticos dos diversos medicamentos; isto é, todos os sintomas e alterações mórbidas na saúde que cada um deles é, de maneira especial, capaz de criar no individuo são, devem primeiramente, ser observados, tanto quanto possível, antes de podermos esperar encontrar entre eles, e poder escolher remédios homeopáticos convenientes para a maioria dos males naturais.

 

107

Se, a fim de isso determinar, administrarem-se medicamentos somente a pessoas doentes, mesmo administrados um a um, então pouco ou nada preciso se notara de seus efeitos puros, visto que as alterações peculiares no estado de saúde, a serem esperados dos medicamentos, misturam-se com os sintomas da moléstia e raramente podem ser observados destacadamente.

 

108

Não há, portanto, nenhum outro meio pelo qual seja possível determinar com precisão os efeitos peculiares dos medicamentos na saúde dos indivíduos – não há maneira certa, mais natural de atingir este objetivo que administrar experimentalmente os diversos medicamentos, em doses moderadas a pessoas sãs, a fim de determinar as mudanças, sintomas e sinais de sua influencia que cada um, individualmente, produz na saúde física e mental; isto é, que elementos de doença podem produzir e tendem a produzir*, visto que, como demonstramos (24-27), todo o poder curativo dos medicamentos jaz neste poder que possuem, de alterar o estado de saúde do homem, sendo revelado mediante a observação desse estado.

 

* Nenhum medico, que eu saiba, durante os últimos dois mil e quinhentos anos, pensou nesse modo tão natural, tão absolutamente necessário e o único meio genuíno de experimentar medicamentos para determinar seus efeitos puros e peculiares, perturbando a saúde do homem, a fim de aprender o estado mórbido, que cada medicamento é capaz de curar, exceto o grande e imortal Albrecht Von Haller. Só ele, além de mim, viu a necessidade disso (vide o prefacio da pharmacopeia Helvet., Brasil, 1771. fol., p. 12). Mais ninguém, nem um só medico, atentou para essa valiosa sugestão, ou seguiu-a.

 

109

Fui o primeiro a descobrir esse caminho, que tenho seguido com uma perseverança que só pode ser devida, e mantida, por uma perfeita convicção da grande verdade, cheia de tantas bênçãos para a humanidade, a de que é somente pelo emprego homeopático dos medicamentos* que a cura segura dos males humanos se torna possível**.

 

* É possível que possa haver outro método melhor, verdadeiro, de curar doenças dinâmicas (isto é, todas as doenças não estritamente cirúrgicas) além da homeopatia, em como é impossível traçar mais de uma linha reta entre dois pontos. Os que imaginam haver outros modos de curar, além desse, não puderam apreciar os fundamentos da homeopatia, nem pratica-la com cuidado suficiente, nem puderam ler ou ver casos de curas homeopáticas corretamente realizadas; nem, por outro lado, puderam discernir a falta de base de todos os meios de tratamento alopático, ou seus maus, ou mesmo horríveis efeitos, se, com tal indiferença, se considerassem a verdadeira arte de curar como iguais aos meios danosos de tratamento, ou alegarem que os últimos são auxiliares da homeopatia, que não podem dispensar! Os meus verdadeiros seguidores, conscienciosos, os homeopatas puros, com seu tratamento vitorioso, e quase infalível, poderiam esclarecer essas pessoas.

 

*  Os primeiros frutos desse trabalho, tão perfeito quanto então podia ser, registrei-os no Fragmenta do viribus medicamentorum positivis, sive in sano corpore humano observatis, vol. I e II. Leipzig, 1805. Os frutos mais maduros, na Matéria Medica Pura, vol., I e II, 3ª edição, 1883; vol. II e IV, 2ª edição, 1825; 2ª edição 1826 e vol. VI, 2ª edição, 1827; e na 2ª, 3ª e 4ª parte das Doenças Crônicas, 1828, 1830.

 

110

Vi, além disso, que as lesões mórbidas observadas pelos autores anteriores como resultantes de substancias medicinais quando ingeridas por pessoas sadias, em grandes doses por engano, ou a fim de produzir a morte, nelas ou em outras pessoas, ou sob quaisquer outras circunstancias, aproximavam-se muito de minhas observações ou quando levado a experimentar as mesmas substâncias em mim próprio ou em indivíduos sãos. Esses autores dão detalhes do que tem ocorrido,como historias de envenenamento e como prova dos efeitos perniciosos destas substancias  poderosas, principalmente para precaver os outros contra o seu uso, e em parte, também, para exaltar a sua própria habilidade, quando, com o uso dos remédios que empregaram para combater estes perigosos acidentes, retornou a saúde gradativamente; mas, também, em parte, quando as pessoas assim afetadas morreram sob o seu tratamento, a fim de procurar uma justificativa para si na natureza perigosa dessas substâncias, que chamaram venenos. Nenhum desses observadores jamais sonhou que os sintomas que registraram apenas como provas de caráter nocivo e tóxico dessas substancias fossem revelações seguras do poder dessas drogas de extinguir pela cura, sintomas semelhantes que ocorrem em moléstias naturais, que estes seus fenômenos patológicos fossem indícios certos de sua ação curativa homeopática,e que o único meio possível de determinar seus poderes medicinais é observar as mudanças do estado de saúde que os medicamentos são capazes de produzir no organismo são; pois os poderes pros, peculiares dos medicamentos disponíveis para a cura da doença não devem ser apreendidos por especulações engenhosas aprioristicas, nem pelo cheiro, gosto ou aparência das drogas, nem por sua analise química, nem ainda pelo emprego de diversos deles de uma vez em uma mistura (receita), nas doenças; jamais se suspeitou que estas historias de doenças medicinais algum dia viessem a permitir os primeiros rudimentos da matéria medica pura e verdadeira que desde os primeiros tempos, até hoje, consistiu apenas de falsas conjecturas e ficções da imaginação – isto é, absolutamente não existiam.

 

111

O fato de concordarem as minhas observações sobre os efeitos puros dos medicamentos, com estas mais antigas – embora registradas sem referencia a seu fim terapêutico – e a concordância desses relatos com outros da mesma espécie, feitos por autores diversos, facilmente nos convencem de que as substâncias medicinais agem nas alterações mórbidas que produzem no organismo humano são de acordo com leis fixas e eternas da natureza, e em virtude delas, podem produzir sintomas de doenças positivos e dignos de confiança, cada um de acordo com seu caráter peculiar.

 

112

Nessas receitas mais antigas, dos efeitos frequentemente perigosos dos medicamentos ingeridos em doses excessivamente grandes, notamos certos estados produzidos, não no inicio, mas próximo do fim, desses tristes acontecimentos, e que foram de natureza exatamente oposta aos que surgiram inicialmente. Estes sintomas, o oposto exato da ação primaria (63), ou a ação própria dos medicamentos na força vital, são a reação contudo, raramente, ou quase nunca, há o menor traço das experiências feitas com doses moderadas em organismos sãos, e das doses pequenas, absolutamente não há nenhum. No processo curativo homeopático o organismo vivo reage tão-somente o necessário para restabelecer a saúde.

 

113

As únicas exceções são os medicamentos narcóticos. Visto que eles, em sua ação primaria, removem, às vezes, a sensibilidade e sensação, às vezes a irritabilidade, ocorre frequentemente que em sua ação secundária, mesmo com doses moderadas experimentais, obtém-se uma sensibilidade maior (e uma maior irritabilidade).

 

114

Com exceção dessas substâncias narcóticas, em experiências feitas com doses moderadas de medicamentos, em organismos sãos, observamos somente sua ação primaria, isto é, os sintomas com os quais o medicamento perturba a saúde do ser humano e desenvolve nele um estado mórbido de duração maior ou menor.

 

Entre esses sintomas, ocorrem não poucos, no caso de certos medicamentos, que parcialmente, ou sob certas condições, são diretamente opostos aos outros sintomas que apareceram anterior ou posteriormente, mas que não devem, portanto, ser considerados como ação secundária verdadeira, ou simples reação da força vital, mas que somente representam o estado alternante dos diversos paroxismos da ação primária; são chamados ações alternantes.

 

116

Alguns sintomas são produzidos pelo medicamento, com maior freqüência; isto é, em muitos indivíduos, outros mais raramente, ou em poucas pessoas, alguns somente em pouquíssimos organismos sãos.

 

117

A esta última categoria pertencem as chamadas idiossincrasias, que significam constituições corpóreas peculiares que, embora sãs sob outros aspectos, possuem uma tendência a serem levados a um estado mais ou menos mórbido por certas coisas que parecem não produzir impressão alguma, nem nenhuma mudança em muitos outros indivíduos*. Mas esta incapacidade de produzir uma impressão em todos é apenas aparente, pois como são necessárias duas coisas para produzirem essas, bem como outras alterações mórbidas na saúde do homem – a saber, o poder inerente da substancia influenciadora, e a capacidade da força vital (principio vital), que anima o organismo, a ser por ela influenciada – as perturbações óbvias da saúde nas assim chamadas idiossincrasias não podem ser deixadas por conta apenas dessas constituições peculiares, devendo, também ser atribuídas às coisas que as produzem, em que deve estar o poder de deixar as mesmas impressões em todos os organismos humanos, embora de tal forma que somente um pequeno numero de constituições sadias tenham uma tendência a se deixarem levar por elas a um estado mórbido tão óbvio. Que esses agentes realmente causam essa impressão em cada organismo humano são, está demonstrado, por isso que, quando empregados como remédio, prestam serviço homeopático efetivo** a todos os doentes (pois sintomas mórbidos semelhantes a estes só parecem capazes de produzir nos indivíduos chamados idiossincráticos.

 

* Algumas pessoas tendem a desmaiar com o cheiro de rosas e cair em outros estados mórbidos, às vezes perigosos, ao provarem mexilhões, carangueijos ou barbo; ao tocarem as folhas de algumas espécies de sumagre, etc.

 

* Assim a Princesa Maria Profirogneta restabeleceu a saúde de seu irmão, o Imperador Aleixo, que sofria de desmaios, borrifando-o com água de rosas, na presença de sua tia Eudoxia; e Horacio (Oper., III p. 59) viu grande vantagem no vinagre de rosas em casos de desmaios.

 

118

Cada medicamento apresenta ações peculiares no organismo humano, que não são produzidas exatamente da mesma maneira por qualquer outra substância medicinal de espécie diferente.

 

119

Da mesma forma que cada espécie de planta difere em sua forma externa, modo de vida e crescimento, em gosto e cheiro, de qualquer outra espécie e gênero vegetal, é tão certo quanto o fato de que cada mineral e cada sal difere de todos os outros, em suas propriedades externas, bem como nas internas físicas e químicas (circunstâncias que por si só seria suficiente para distinguir um de qualquer outro), e do mesmo modo é certo que todos diferem e divergem entre si em seus efeitos patogenéticos, e, consequentemente, nos terapêuticos*. Cada uma dessas substâncias produz alterações na saúde dos indivíduos de forma peculiar, diferente, contudo determinada, de modo que impeça a possibilidade de confundir uma com a outra**.

 

* Qualquer pessoa que conheça bem e possa avaliar a diferença notável dos efeitos na saúde humana de cada substancia isolada dos de todas as outras, perceberá imediatamente que entre elas não pode haver, do ponto de vista médico, quaisquer medicamentos equivalentes, não pode haver sucedâneos. Somente os que não conhecem os efeitos puros, positivos dos diferentes medicamentos podem ser tão tolos a ponto de nos persuadirem que um pode servir em lugar do outro, podendo ser tão eficaz, para a mesma doença, que o outro. Assim, as crianças ignorantes confundem as coisas mais essencialmente diferentes, porque mal conhecem sua aparência externa, e menos ainda seu valor real, sua verdadeira importância e suas propriedades inerentes dessemelhantes.

 

* Se isto for a pura verdade, o que é sem dúvida, então nenhum médico que não seja destituído da razão, e que não agiria de modo contrario aos ditames de sua consciência, o único árbitro de real valor, pode usar no tratamento de doenças qualquer substância medicinal a não ser uma cujo significado verdadeiro conheça perfeitamente,isto é, cuja ação positiva sobre a saúde de indivíduos sãos experimentou com tanta exatidão, que está certo de que é capaz de produzir um estado mórbido muito semelhante que qualquer outro medicamento com o qual esteja perfeitamente familiarizado, ao apresentado pelo caso de doença que pretende curar por meio dele; pois, como demonstramos acima, nem o homem, nem a própria natureza poderosa podem efetuar uma cura rápida, perfeita e permanente, a não ser por meio de um remédio homeopático. Daí por diante, nenhum verdadeiro medico pode abster-se de fazer tal experiência, a fim de obter esse conhecimento essencial e único dos medicamentos que são indispensáveis para a cura, conhecimento esse ate agora descurado pelos médicos, em todos os tempos. Em todas as épocas anteriores – a posteridade mal poderá acreditar – até agora, os médicos têm se contentado em receitar às cegas medicamento cujo valor é desconhecido, e que jamais foram experimentados em relação à sua ação dinâmica pura, muito variada e altamente importante, na saúde do homem e, alem disso, misturaram diversos desses medicamentos desconhecidos que diferiam tanto entre si, em uma única formula, deixando que o acaso determinasse que efeito seria produzido no paciente. É como se um louco forçasse entrada na oficina de um artesão, pegasse diversas ferramentas inteiramente diferentes, cujas finalidades desconhecesse por completo, a fim de fazer o que ele imagina ser trabalhar nas obras de arte que visse ao seu redor. Ocioso será dizer que estas seriam destruídas, ou melhor, completamente destruídas, por seus atos insensatos.

 

120

Portanto, os medicamentos de que dependem a vida e a morte do homem, sua saúde e doença, devem ser radical e cuidadosamente distinguidos uns dos outros, e, para esse fim, testados por meio de experiências puras e cuidadosas no organismo são, para que seus poderes e efeitos reais sejam determinados, a fim de se obter um conhecimento exato deles, e podermos evitar qualquer erro em seu emprego em doenças, pois é somente pela sua seleção correta que a maior das graças terrenas, a ´saúde do corpo e da alma´, pode ser rápida e permanentemente restabelecida.

 

121

Ao experimentar medicamentos para determinar sua ação no corpo são, devemos ter em mente que as substâncias fortes, heróicas, como são chamadas, podem, mesmo em pequenas doses, produzir alterações na saúde até em pessoas robustas. Os de menor poder devem ser dados para estas experiências em quantidades consideravelmente maiores; a fim de observar a ação dos mais fracos, contudo, as pessoas em que se fazem as experiências devem ser livres de doenças, e além disso delicadas, irritáveis e sensíveis.

 

122

Nesses experimentos, de que depende a exatidão de toda a arte medica, assim como o bem-estar de todas as gerações futuras da humanidade – não se devem empregar outros medicamentos senão os que se conhecem perfeitamente, e os de cuja pureza, legitimidade e energia estamos inteiramente certos.

 

123

Cada um desses medicamentos deve ser tomado em estado perfeitamente simples, e isento de artifícios; as plantas naturais, na forma de sumo recentemente extraído, misturado com um pouco de álcool para evitar que se estraguem; substancias vegetais exóticas, contudo, em pó, ou em tintura, preparadas com álcool quando frescas, e mais tarde misturadas com um pouco de sal; sais e gomas, contudo, devem ser dissolvidos em água antes de serem tomados. Se a planta só puder ser obtida seca, e seus poderes forem naturalmente fracos, nesse caso para o experimento deve-se usar uma infusão dela, cortando a erva em pequenos pedaços e derramando sobre estes água fervente, de modo que se extraiam suas partes medicinais; imediatamente após o seu preparo, deve ser ingerida enquanto estiver ainda quente, visto que todos os sucos vegetais e todas as infusões aquosas de ervas, sem o acréscimo de álcool, fermentam muito rapidamente e decompõem-se, perdendo, desse modo, todas as suas propriedades medicinais.

 

124

Para esses experimentos cada substancia medicinal deve ser empregada isolada e perfeitamente pura, sem misturar-se com qualquer outra substância estranha, e sem se ingerir nada mais de natureza medicinal no mesmo dia, nem nos dias subseqüentes, nem durante todo o tempo em que quisermos observar os efeitos do medicamento.

 

125

Durante todo o tempo do experimento, a dieta deve ser regulada rigorosamente; deve, quanto possível, ser destituída de coisas picantes, puramente nutritivas e simples, vegetais verdes*, raízes e todas as saladas e sopas de ervas (que, mesmo quando preparadas com o maior cuidado, possuem algumas qualidades medicinais perturbadoras) devem ser evitadas. As bebidas devem ser as mais usualmente tomadas, ao menos estimulantes quanto possível.

 

* Ervilhas verdes, batatas cozidas, e, em todos os casos, cenouras, são permitidas, sendo os menos medicinais dos vegetais.

 

* A pessoa que está sendo submetida ao experimento não deve estar habituada a comer vinho, aguardente, café ou chá puros, ou deve ter se abstido durante um período considerável antes da experiência do uso dessas bebidas nocivas, algumas das quais  são estimulantes, ao passo que outros são medicinais.

 

126

A pessoa que está provando o medicamento deve ser digna de toda a confiança e conscienciosa, durante todo o tempo da experiência deve evitar trabalho físico ou mental excessivo, qualquer forma de dissipação ou paixões perturbadoras; não deverá ter afazeres urgentes para distrair-lhe a atenção; deve devotar-se a auto-observação cuidados e não se perturbar enquanto estiver assim ocupada; seu organismo deve estar, no que é para si, um bom estado de saúde; e deve possuir um mínimo de inteligência para exprimir e descrever suas sensações em termos precisos.

 

127

Os medicamentos devem ser experimentados tanto em pessoas do sexo masculino como nas de sexo feminino, a fim de revelarem as alterações que produzem na esfera sexual.

 

128

As observações mais recentes têm demonstrado que as substancias medicinais, quando tomadas em estado bruto pelo experimentador, com o fito de experimentar seus efeitos peculiares, não apresentam a plenitude de seus poderes que jazem ocultos, o que não ocorre quando são tomadas com o mesmo objetivo grandemente diluídas, soluções essas que são potencializadas mediante trituração e agitação adequadas; por meio dessas simples manipulações, os poderes que, em seu estado bruto, jaziam ocultos, e, por assim dizer, adormecidos, desenvolvem-se e são trazidos à atividade em grau muito elevado. Desse modo, agora consideramos que é melhor investigar os poderes que, em seu estado bruto, jaziam ocultos, e, por assim dizer, adormecidos, desenvolvem-se e são trazidos à atividade em grau muito elevado. Desse modo, agora consideramos que é melhor investigar os poderes mesmo das substancias julgadas fracas, e o plano que adotamos consiste em dar-se ao experimentador, em jejum, de quatro a seis glóbulos por dia, da trigésima potencia de tal substancia, umedecidas com um pouco de água ou dissolvidas em uma quantidade maior ou menor de água, e misturadas, prosseguindo-se durante vários dias.

 

129

Se os efeitos resultantes de tal dose forem apenas fracos, devem-se tomar mais uns glóbulos todos os dias, até que se tornem mais claros e fortes as alterações de saúde mais visíveis; pois nem todas as pessoas são afetadas no mesmo grau por um mesmo medicamento; ao contrario, há uma grande diversidade nisso, de maneira que, às vezes, um individuo aparentemente débil, pode ser pouco ou nada afetado por doses moderadas de um medicamento que se sabe ser de grande poder, ao passo que é fortemente afetado por outros muito mais fracos. E, por outro lado, há pessoas muito robustas que experimentam sintomas mórbidos de grande intensidade em conseqüência de um medicamento aparentemente fraco, e apenas sintomas ligeiros em resultado de medicamentos mais fortes. Assim, com isto não se pode saber com antecedência,  é aconselhável iniciar sempre com uma dose muito pequena da droga, e, quando convier, aumentar a dose de dia para dia.

 

130

Se, bem no inicio, a primeira dose administrada tiver sido suficientemente forte, ganha-se esta vantagem, a de que o experimentador aprenda a ordem de sucessão dos sintomas e possa anotar com precisão o período em que cada um ocorreu, o que é de grande valia para se ter um conhecimento do gênio do medicamento, pois então a ordem das ações primárias, bem como a das ações alternantes, é observada de forma a mais indubitável. Mesmo uma dose assaz moderada, muitas vezes, é suficiente para o experimento, desde que o experimentador seja dotado de sensibilidade bastante delicada, e preste a devida atenção às suas sensações. A duração da ação de uma droga só pode ser determinada comparando-se diversos experimentos.

 

131

Se, contudo, a fim de se averiguar algo, seja necessário dar o medicamento à mesma pessoa, para experiência, durante vários dias seguidos em doses crescentes,aprendemos com isso os diversos estados mórbidos que este medicamento é capaz de produzir de modo geral, mas não descobrimos sua ordem de sucessão; e a dose subseqüente, muitas vezes, elimina um ou outro dos sintomas causados pela dose anterior, ou desenvolve, em um lugar, um estado oposto; tais sintomas devem ser registrados entre parênteses para ressaltar sua umbiguidade, até que experiências subseqüentes, mais puras, mostrem se são uma reação no organismo e uma ação secundária, ou uma ação alternante desse medicamento.

 

132

Mas quando o objetivo for, sem relação à ordem de seqüência dos fenômenos ou à ação da droga, apenas determinar os sintomas propriamente ditos, especialmente os de uma substancia medicinal fraca, então o melhor é da-las durante diversos dias seguidos, aumentando-se a dose dia a dia. Desse modo a ação de um medicamento desconhecido, mesmo que seja de natureza muito fraca, será revelada, principalmente se experimenta em pessoas sensíveis.

 

133

Ao experimentar qualquer sensação particular em virtude do medicamento, é útil, e mesmo necessário, a fim de determinar o caráter exato do sintoma, assumir diversas posições enquanto ela perdurar, e observar se, movendo a parte afetada, caminhando pelo quarto ou ao ar livre, levantando-se, ou deitando-se, o sintoma aumenta, diminui ou desaparece, e se torna ao tomar outra vez a posição em que primeiro se observou; se é alterado ao comer, ou beber, ou de aturar maneira, ou ao falar, tossir, espirrar, ou mediante outra ação do organismo, bem como observar a que hora do dia ou da noite ocorre geralmente, de forma mais aguda, pelo que se tornará mais patente o que for mais peculiar e característico em cada sintoma.

 

134

Todas as influências externas, e principalmente os medicamentos, possuem a propriedade de produzir na saúde do organismo vivo uma determinada espécie de alteração peculiar; porém, nem todos os sintomas peculiares a um medicamento aparecem em uma só pessoa, nem de uma vez, nem ao mesmo experimento, sendo que alguns ocorrem em uma pessoa, ao mesmo tempo, e em outras, novamente, num segundo ou terceiro experimento; em outra pessoa aparecem alguns outros sintomas, mas de tal maneira que provavelmente alguns dos fenômenos são observados na quarta, oitava ou décima pessoa, os quais já haviam aparecido na segunda, sexta ou nona, e assim por diante; além disso, podem não repetir-se na mesma hora.

 

135

A totalidade dos elementos de moléstia que um medicamento é capaz de produzir só pode ser completada mediante numerosas observações em pessoas adequadas de ambos os sexos e diferentes constituições. Só podemos ter certeza de que um medicamento foi inteiramente experimentado em relação aos estados mórbidos que pode produzir – isto é, em relação a seus poderes puros de alterar a saúde do homem – quando os experimentadores posteriores pouco podem notar de novo em sua ação, e quase sempre os mesmos sintomas já observados pelos outros.

 

136

Embora, como já foi dito, um medicamento ao ser experimentado em pessoas sãs não pode manifestar em uma pessoa todas as alterações da saúde que é capaz de causar, só podendo fazer isso quando administrado a diversos indivíduos diferentes, que variam em constituição física e mental, ainda assim existe nele a tendência de excitar esses sintomas em todos os seres humanos (117), de acordo com Lei eterna e imutável da natureza, em virtude da qual todos os seus efeitos, mesmo os que só raramente se manifestam na pessoa sã, são postos em atividades, no caso de todos os indivíduos, se lhes for administrado ao mesmo tempo em que estiverem com um estado mórbido que apresente os mesmos sintomas semelhantes; ele, então, mesmo em dose muito pequena, sendo homeopaticamente escolhido, silenciosamente produz o paciente um estado artificial muito semelhante à doença natural, que rápida e permanentemente (homeopaticamente) o liberta e cura de seu mal original.

 

137

Quanto mais moderadas forem as doses de medicamento, dentro de certos limites, empregadas para tais experimentos – desde que procuremos facilitar a observação pela escolha de uma pessoa amante da verdade, moderada, de sentimentos delicados e que possa dispensar o máximo de atenção às sensações que experimenta, mais distintamente se desenvolvem os efeitos primários, e somente os que vale a pena serem conhecidos ocorrem sem qualquer mistura de efeitos secundários ou reações da força vital. Contudo, quando doses excessivas grandes são empregadas, ocorrem, ao mesmo tempo, não somente diversos efeitos secundários entre os sintomas, mas também os efeitos primários vêm em tal confusão, e com tal impetuosidade, que nada pode ser observado com precisão; sem ter em conta o perigo que os acompanha, o que ninguém que tenha consideração por seus semelhantes, e que olhe para o mais miserável dos indivíduos como a um irmão, julgará de maneira diferente.

 

138

Todos os sofrimentos, acidentes e mudanças de saúde do experimentador, durante a ação de um medicamento (desde que satisfeitas as condições acima (124-127), essenciais para uma experiência satisfatória e pura) derivam somente do medicamento, e devem ser consideradas e anotadas como pertencendo peculiarmente a ele, como sintomas desse medicamento, muito embora com grande antecedência o experimentador haja observado a ocorrência de fenômenos semelhantes em si próprio. Seu reaparecimento durante a experiência com o medicamento só vem demonstrar que esse individuo é, em virtude de sua constituição peculiar, especialmente predisposto a ter os sintomas nele despertados. Neste caso, o efeito do medicamento; os sintomas não surgem espontaneamente enquanto o medicamento que tomou está exercendo influência na saúde de todo o organismo, sendo, porém produzidos pelo medicamento.

 

139

Quando o medico não realiza em si próprio o experimento do medicamento, mas em outra pessoa, esta última deve anotar com precisão as sensações, sofrimentos, acidentes e mudanças de saúde que experimenta no momento de sua ocorrência, mencionando, após a ingestão da droga, o tempo em que cada sintoma surgiu, e, se perdurar por um tempo considerável, o período de sua duração. O medico revê o relatório na presença do experimentador após o termino do experimentado ou, se o experimento durar muitos dias, ele o faz todos os dias, enquanto estiver tudo fresco em sua memória, a  fim de inquiri-lo a respeito da natureza exata de cada uma das circunstâncias, e de anotar os detalhes mais precisos assim obtidos, ou de efetuar as alterações que o experimentador sugerir*

 

* Aquele que revela ao mundo medico os resultados de tais experimentos torna-se assim responsável pela integridade do experimentador e pelas suas declarações, o que é justo, pois o bem-estar da humanidade sofredora acha-se aqui em jogo.

 

140

Se a pessoa não puder escrever, o medico deverá ser por ela informado, cada dia, do que lhe ocorreu, e como ocorreu. Não bastante, é anotado como informação autêntica a esse respeito. Contudo, deve, principalmente, ser a narração voluntária da pessoa que faz o experimento; não deverá admitir-se nada conjectural e o menos possível respostas sugeridas pelas perguntas; tudo deve ser estabelecido com o cuidado que aconselhei acima (84-89), para a investigação dos fenômenos e para traçar o quadro das doenças naturais.

 

141

Mas os melhores experimentos dos efeitos puros dos medicamentos simples, na alteração da saúde humana, e das moléstias e sintomas artificiais capazes de desenvolver no individuo são, são os que o medico sadio, com isenção de ânimo e sensível, realiza em si mesmo, com toda a cautela e cuidado aqui determinados. Ele sabe com a maior segurança as coisas que experimentou em si mesmo*

 

* Os experimentos feitos pelo medico em si têm para ele outras vantagens inestimáveis. Em primeiro lugar, a grande verdade de que a virtude medicinal de todas as drogas, de que depende seu poder curativo, está nas mudanças de estado de saúde que ele próprio sofreu, em virtude dos medicamentos que experimentou, e pelo estado mórbido experimentado devido aos mesmos, torna-se para ele um fato indiscutível. Além disso, mediante tais observações em si mesmo, que são dignas de nota, ele poderá compreender suas próprias sensações, seu modo de pensar, e sua disposição (o fundamento da verdadeira sabedoria) e será também treinado a ser o que todo medico deve ser, um bom observador. As observações que fazemos em terceiros não são absolutamente tão interessantes quanto as que fazemos em nós próprios. Aqueles que observam terceiros devem sempre temer que o experimentador não sentiu exatamente o que disse, ou que não descreveu suas sensações com as expressões apropriadas. Fica sempre em dúvida se foi ou não enganado. Esses obstáculos ao conhecimento da verdade, que não podem ser jamais inteiramente vencidos em nossas investigações dos sintomas artificiais mórbidos que ocorrem em terceiros pela ingestão de medicamentos, cessam inteiramente quando fazemos os experimentos em nós mesmos. Aquele que realiza esses experimentos em si próprio sabe com certeza o que sentiu, e cada experimento é um novo incentivo para que investigue os poderes de outros remédios. Torna-se, assim, mais e mais prático na arte de observar, de tal importância para o medico, continuando a se observar a si mesmo, em que mais pode confiar e que jamais o enganarão; e isto ele fará com tanto mais cuidado quanto esses experimentos em si próprio prometem dar-lhe um conhecimento preciso do verdadeiro valor e significado dos instrumentos de cura que ainda são de certo modo desconhecidos à nossa arte. Não se imagine que essas ligeiras indisposições causadas pela ingestão de medicamentos com o fim de experimenta-los, podem ser em si prejudiciais à saúde. A experiência tem demonstrado o contrario, que o organismo do experimentador torna-se, em virtude desses freqüentes ataques à sua saúde, ainda mais apto a repetir todas as influencias externas danosas à sua constituição física e todos os agentes morbificos nocivos naturais e artificiais, tornando-se mais rijo para resistir a tudo que seja de caráter nocivo, por meio desses experimentos moderados realizados em sua pessoa com medicamentos. Sua saúde torna-se mais difícil a ser abalada; ele se torna mais robusto, como a experiência tem demonstrado.

 

142

Para distinguir os sintomas* do medicamento simples empregado com o fim terapêutico, dentre os da doença primitiva, especialmente as de caráter crônico que permanecem com freqüência inalteradas, é assunto que pertence à mais elevada arte do julgamento, e deve ser deixado exclusivamente para os mestres da observação.

 

* Sintomas esses que, durante todo o curso da moléstia, tenham sido observados somente muito antes, ou nunca antes, consequentemente doenças novas, pertencentes ao medicamento.

 

143

Se tivermos, assim, experimentado, no individuo são, um numero considerável em medicamentos simples, e cuidadosa e fielmente registrado todos os elementos de doenças e sintomas que são capazes de desenvolver como produtos de doenças artificiais, então, somente, teremos uma verdadeira Matéria Medica – uma coleção de modos de ação real, pura, digna de confiança* de substâncias medicinais simples, um volume do livro da natureza, em que se acha registrada uma série considerável de mudanças peculiares da saúde e sintomas que determinam como pertencentes a cada um dos poderosos medicamentos, como foram revelados à atenção do observador em que a semelhança de elementos (homeopáticos) morbíferos de muitas doenças naturais a serem daqui por diante curadas por eles acham-se presentes, os quais, em suma, contem estados mórbidos artificiais que fornecem para os estados mórbidos naturais semelhantes os únicos meios terapêuticos verdadeiros, isto é, homeopáticos, para se realizar sua cura certa e puramente.

 

* Ultimamente, tem-se adotado a pratica de confiar a experimentação de medicamentos a pessoas desconhecidas e distantes, que são pagas pelo seu trabalho, sendo impressas as informações assim obtidas. Dessa maneira, o trabalho, que é de todos o mais importante, o qual deverá formar a base única e verdadeira da arte de curar, e o qual requer a maior certeza e integridade morais, infelizmente, parece-me que se torna dúbio e incerto em seus resultados, assim perdendo todo o seu valor. Os pronunciamentos falsos que remetem, e que foram tomados por verdadeiros pelos médicos homeopatas, devem, em sua aplicação, redundar em grande prejuízo para o doente.

 

144

Deve-se excluir, de modo rigoroso, de tal matéria medica tudo quanto for conjectura, mera afirmativa ou imaginação; tudo deve ser a linguagem pura da natureza, cuidadosa e honestamente interrogada.

 

145

De fato, é somente mediante uma grande coleção de medicamentos conhecidos com precisão, em relação a esses seus modos puros de ação na alteração da saúde do homem, que podemos descobrir um remédio homeopático, um análogo morbifico adequado (curativo) para cada um dos estado mórbidos infinitamente numerosos existentes na natureza, para cada moléstia que aflige o mundo*. Entretanto,e mesmo agora, graças ao caráter verdadeiro dos sintomas e à abundância dos elementos mórbidos que cada uma das poderosas substancias medicinais já demonstrou em sua ação no corpo são, restam apenas algumas doenças, para as quais não se pode encontrar, entre os agora experimentados quanto à sua ação pura**, um remédio homeopático razoavelmente adequado, o qual sem muito distúrbio restabeleça a saúde de modo suave, certo e permanente – infinitamente mais certa e seguramente do que se pode conseguir mediante todas as terapêuticas gerais e especiais da velha arte medica alopática, com seus medicamentos compostos desconhecidos, que apenas alteram e agravam, sem curar, os males crônicos, e antes retardam, em vez de curar, as doenças agudas, frequentemente com perigo de vida.

 

* Primeiramente (há cerca de quarenta anos), eu era o único que havia tornado a experimentação dos poderes puros dos medicamentos, a mais importante de minhas ocupações. Desde então, tenho sido auxiliado nisso por alguns jovens observadores, que realizaram experimentos em si próprios, e em cujas observações fiz revisões de caráter critico, após isto, alguns outros realizaram certos trabalhos dessa espécie. Mas o que não podemos realizar, relativamente à cura de toda a série do infinitamente vasto domínio das doenças, quando muitíssimos observadores precisos e dignos de confiança tiverem prestado os seus serviços, assim enriquecendo esta, a única verdadeira matéria medica, mediante cuidadosas experiências em si mesmos! A arte de curar aproximar-se-á, então em certeza, das ciências matemáticas.

 

* Vide a segunda nota do 109.

 

146

O terceiro ponto do trabalho de um verdadeiro medico é o emprego criterioso de agentes morbificos artificiais (medicamentos) que foram experimentados em indivíduos sãos, para determinar-se sua ação pura, a fim de efetuar a cura homeopática dos males naturais.

 

 

147

Qualquer desses medicamentos que tenham sido investigados quanto ao seu poder de alterar a saúde do homem, encontramos, nos sintomas observados em seu emprego, a maior semelhança à totalidade dos sintomas de uma determinada doença natural, este remédio deverá ser o mais adequado, o mais homeopaticamente certo para a doença; nele se encontra o remédio especifico para este determinado caso de doença.

 

148

A doença natural nunca deve ser considerada como matéria nociva situada em algum ponto interno ou externo do homem (11-13), mas como algo produzido por um agente nocivo imaterial que, como uma espécie de infecção (nota do 11), produz perturbações em sua existência instintiva do principio vital espiritual dentro do organismo, torturando-o como um espírito mau e compelindo-o a produzir certos sofrimentos e desarranjos no seu curso vital normal. Esses são conhecidos como sintomas (doenças). Agora, se a influência desse agente nocivo que não apenas causou mas continua causando esse desarranjo, for removido, como acontece quando o medico administra um remédio artificial capaz de alterar o principio vital de modo semelhante (um remédio homeopático) o qual excede em energia, mesmo nas doses mais mínimas, a doença natural semelhante (33, 279), então a influência do agente mórbido motivo original, sobre o principio vital, perde-se durante a ação deste mal semelhante artificial e mais forte. Daí, não mais existir o mal para o principio vital – é aniquilado. Se, como dissemos, o medicamento homeopático escolhido for adequadamente administrado, então o mal natural agudo a ser erradicado, se tiver se desenvolvido há pouco, desaparecerá imperceptivelmente em poucas horas. (um mal antigo, mais crônico, cederá mais tarde, com todos os sinais de desconforto, mediante o uso de diversas doses do mesmo medicamento, mais potencializado, ou após a seleção cuidadosa* de um ou outro remédio homeopático mais semelhante). A saúde, o restabelecimento, seguem-se em transições imperceptíveis, e frequentemente rápidas. O principio vital é outra vez libertado e capaz de continuar a vida do organismo, em pleno gozo da saúde, tal como antes, retornando o vigor.

 

* Mas esta busca laboriosa, às vezes muito laboriosa, a seleção do medicamento homeopático mais conveniente, em todos os aspectos, para cada estado mórbido, é uma operação que, não obstante todos os admiráveis livros que a facilitam, ainda requer o estudo das próprias fontes originais,e, ao mesmo tempo, uma grande dose de critérios e força de vontade, que encontram sua melhor recompensa no fato de saber que se cumpriu facilmente esse dever. Como pode esta tarefa laboriosa, e cuidadosa, pela qual somente, se torna possível a melhor maneira de curar moléstias, os cavalheiros da nova seita mestiça que assumem o honrado nome de homeopatas, e chegam a procurar empregar remédios de forma e aparência homeopáticas, embora sejam decididos por eles de qualquer maneira, e que, quando o remédio inadequado não propicia alivio imediato, em vez de porem a culpa em sua ignorância e relaxamento, no desempenho de uma das funções humanas de maior relevo e seriedade, atribuem-se à homeopatia, acusando-a de grande imperfeição (se disser a verdade, sua imperfeição consiste no fato de que o remédio homeopático mais conveniente para cada estado mórbido não voa espontaneamente para dentro de suas bocas, quais pombos assados, sem qualquer trabalho de sua parte!). eles sabem, contudo, por sua prática freqüente, como compensar a ineficiência do medicamento que mal chega a ser semi-homeopatico, mediante o emprego de meios alopáticos, que para eles são muito mais práticos, entre os quais uma ou mais dúzias de sanguessugas aplicadas a partes afetadas e inócuas sangrias num máximo de oito onças, e assim por diante, desempenham um papel importante; e caso o paciente, a despeito de tudo isto, se restabeleça, eles exaltam as virtudes, sanguessugas, etc., alegando que, não tivesse sido isso, o paciente não teria se restabelecido; e deu-nos a entender de modo a não deixa duvidas, que estas operações, que deveriam, sem grande uso da inteligência, da rotina perniciosa da velha escolha, foi a que mais contribuiu para a cura. Mas, se o paciente morrer, como sói acontecer, procuram consolar os amigos dizendo que ´eles próprios são testemunhas de que todos os meios concebíveis haviam sido empregados para tentar a cura do falecido´. Quem chamaria a esta gente frívola, e perniciosa, em homenagem do nome da mui laboriosa, porém salutar arte, de médicos homeopatas? Que os aguarde a justa recompensa; que quando adoeçam, sejam tratados da mesma maneira.

 

149

As doenças de longa duração (e principalmente as complicadas) requerem, para a sua cura, um tempo proporcionalmente maior. De modo especial, a discrasia medicinal crônica tantas vezes causada pela não-arte alopática, juntamente com a moléstia natural não curada por este meio, requer um tempo muito maior para a sua cura; muitas vezes, ainda, não incuráveis, em conseqüência de roubo vergonhoso do vigor e sucos da paciente (sangrias, purgativas, etc.), em virtude do uso prolongado de grandes doses de medicamentos de ação violenta administrados com base em teorias varias e errôneas de sua pseudo-utilidade em casos de moléstias de aparência semelhante, também na prescrição de banho minerais inadequados, etc., ´o principal feito realizado pela alopatia nos seus assim chamados métodos de tratamento´.

150

Se um paciente se queixa de um ou mais acidentes, insignificantes, que só tenham sido observados um pouco antes, o médico não deve considerar isto como uma doença plenamente desenvolvida que necessita assistência medica séria. Uma ligeira alteração na dieta e regime são geralmente suficientes para terminar tal indisposição.

 

151

Mas se o paciente se queixar de alguns sofrimentos violentos, o médico, geralmente, ao investigar, encontra diversos outros acidentes, que, embora mais ligeiros, darão um quadro completo da enfermidade.

 

152

Quanto pior for uma doença aguda, tanto mais numerosos e mais fortes serão os sintomas de que se compõe, de uma maneira geral, mas com tão maior certeza pode-se encontrar um medicamento adequado para ela, se houver um número suficiente de remédios conhecidos a escolher em relação à sua ação positiva. Entre a relação de sintomas de muitos medicamentos não será difícil encontrar um de cujos elementos morbificos separados possa formar um tipo de mal artificial curativo, muito semelhante à totalidade dos sintomas da moléstia natural, sendo este o medicamento desejado.

 

153

Nessa busca de remédio especifico homeopático, isto é, nesta comparação do conjunto de sintomas do mal natural com relação de sintomas de medicamentos conhecidos, cuja finalidade é encontrar entre estes um agente morbifico artificial, correspondente, por semelhança, à doença a ser curada, devem-se ter em mente, precípua e exclusivamente, os sinais e sintomas* do caso de doença que forem mais fortes, singulares, incomuns e peculiares (característicos); pois é principalmente e quase que só a estes que, na relação dos sintomas do medicamento escolhido, devem corresponder os que são muito semelhantes, a fim de constituir o mais conveniente para efetuar a cura. Os sintomas mais gerais e indefinidos: perda de apetite, dor de cabeça, debilidade, sono inquieto, sensação de desconforto, etc., requerem pouca atenção, quando são de caráter vago e indefinido, se não podem ser descritos com mais detalhes, pois sintomas da natureza assim geral, são observados em quase todas as doenças, e em quase todos os medicamentos.

 

 

154

Se o antigo formado com a relação de sintomas dos medicamentos mais adequados contiver estes sintomas peculiares, incomuns, singulares e notáveis (característicos), encontrados na doença a ser curada em maior número e semelhança, este medicamentos é o remédio especifico homeopático mais apropriado para este estado mórbido; a doença, se não for de duração muito longa, será geralmente removida e extinta com a primeira dose, sem qualquer perturbação considerável.

 

155

E eu digo: sem qualquer perturbação considerável. Pois no emprego deste remédio homeopático mais apropriado, somente os sintomas do medicamento que correspondem aos sintomas da doença, são chamados a agir, os primeiros ocupando o lugar dos segundos (mais fracos) no organismo, isto é, nas sensações do principio vital, e assim aniquilando-os por os sobrepujarem; mas os outros sintomas do medicamento homeopático, que amiúde são muito numerosos, não sendo de forma alguma aplicáveis ao caso da doença em questão, não desempenham qualquer papel. O paciente, melhorando de hora em hora, não os sente, porque a dose pequeníssima necessária para o uso homeopático é demasiadamente fraca para produzir os outros sintomas do medicamento que não são homeopáticos ao caso, mas partes do corpo que se acham livres de doença e consequentemente só os sintomas homeopáticos podem agir nas partes do organismo que já se acham muito irritadas e excitadas, pelos sintomas semelhantes do mal, de modo que o principio vital doente possa reagir a uma doença medicinal semelhante, embora mis forte, pelo que se extingue a doença original.

 

156

Não há, contudo, quase nenhum medicamento homeopático, por mais adequadamente escolhido que seja, que, principalmente se administrado em dose insuficientemente pequena, não produza em pacientes muito irritáveis e sensíveis, pelo menos um distúrbio pequeno inabitual, algum sintoma novo e ligeiro, enquanto perdurar o seu efeito; pois é quase impossível que o medicamento e a doença cubram um ao outro, sintomaticamente, tão exatamente como dois triângulos de lados e ângulos iguais. Mas (circunstâncias normais) esta diferença sem importância será facilmente eliminada pela atividade potencial (autocracia) do organismo vivo, e não é perceptível por pacientes que não são excessivamente delicado; o restabelecimento prossegue, apesar disso, em direção ao fim almejado de cura perfeita, se não for disso impedido pela ação de influências medicinais heterogêneas sobre o paciente, por erros de regime, ou pela excitação das paixões.

 

157

Embora seja certo que um remédio homeopaticamente selecionado, por ser apropriado e em vista da pequena dose, suavemente remove e aniquila a doença aguda que lhe é análoga, sem manifestar seus outros sintomas não homeopáticos, isto é, sem produzir novos e sérios distúrbios, embora, de modo geral, imediatamente após a sua ingestão, durante a primeira ou primeiras horas, cause uma espécie de ligeiro agravamento quando a dose não tiver sido suficientemente pequena e (nos casos em que a dose tenha sido um tanto excessiva, contudo, durante muitas horas) tem tanta semelhança com a moléstia original que parece ao doente ser uma agravação de sua própria doença. Mas nada mais é, na realidade, que uma doença medicinal extremamente semelhante, que excede um pouco, em intensidade, a afecção original.

 

158

Esta ligeira agravação homeopática durante as primeiras horas – um excelente prognóstico de que a doença aguda com toda a probabilidade cederá à primeira dose – é bem como devia ser, como a doença medicinal deve ser, naturalmente, um tanto mais forte que a moléstia a ser curada, se desejar vencer e extinguir esta última, assim como uma doença natural pode remover e aniquilar uma outra semelhante a ela somente quando for mais forte que a última (43-38).

 

159

Quanto menor a dose do medicamento homeopático no tratamento de moléstias agudas, tanto menor e mais curto é o incremento aparente de moléstias durante as primeiras horas.

 

160

Mas como a dose de um medicamento homeopático raramente pode ser tão pequena a ponto de não poder aliviar, vencer e mesmo, completamente curar e eliminar a doença natural que não tenha sofrido complicação, e que não tenha tido uma duração longa, que lhe é semelhante (249, nota) é fácil compreender porque uma dose de um medicamento homeopático apropriado, não a menor possível, sempre, durante a primeira hora após a sua ingestão, produz uma agravação homeopática perceptível desta espécie*.

 

*  Esta exaltação dos sintomas medicinais sobre os sintomas da doença que lhe são análogos, o que parece uma agravação, foi também observado por outros médicos, quando, acidentalmente, empregaram um remédio homeopático. Quando um paciente que sofre de sarna se queixa de um aumento da erupção após a aplicação do enxofre, seu médico, que desconhece a causa disso, consola-o com a certeza de que a sarna deve sair adequadamente antes de poder ser curada; ele não sabe, contudo, que isto é uma erupção causada pelo enxofre, que toma a aparência de uma exasperação da sarna. ´A erupção facial que foi curada pela viola tricolor foi por ela agravada no começo de sua ação´, segundo nos relata Leroy (Heilk, fur Mutter, p. 406), mas ele não sabia que a agravação aparente era devida a uma dose um tanto excessiva do medicamento, que neste caso era de certo modo homeopática. Segundo Lysons , ´a casca do olmeiro cura com toda certeza as doenças de pele as quais pioram no começo de sua ação´. Não tivesse ele dado essa casca nas doses monstruosas (habitualmente empregadas na medicina alopática), mas nas doses pequeninas necessárias quando o remédio apresenta semelhança, de sintomas, isto é, quando empregado homeopaticamente, teria realizado uma cura sem verificar, ou quase sem verificar este aumento aparente do mal (agravação homeopática.

 

161

Quando aqui eu limito a assim chamada agravação homeopática, ou melhor, a ação primária, do medicamento homeopático que parece aumentar um pouco  os sintomas da moléstia original, para a primeira ou as primeiras horas, isto é certamente verdadeiro no que se refere a moléstias de caráter mais agudo e de origem recente; mas nos casos em que os medicamentos de ação demorada tenham que combater uma moléstia de duração considerável, ou muito longa, em que não deve aparecer tal aumento do mal original durante o tratamento, e não aparece se o medicamento cuidadosamente escolhido foi dado na dose adequada, pequena, e gradativamente maior, cada uma modificada* com renovada dinamização (247). Tal aumento dos sintomas originais de uma doença crônica pode aparecer somente ao término do tratamento, quando a cura tiver sido feita ou por se fazer.

 

 

162

Acontece, às vezes, devido ao número moderado de medicamentos já conhecidos, no que se repetia à sua ação verdadeira e pura, que apenas uma parte dos sintomas da moléstia sob tratamento será encontrada na relação de sintomas do medicamentos mais apropriado, pelo que deve-se empregar este agente medicinal morbifico imperfeito, à falta de um mais perfeito.

 

163

Neste caso não podemos mesmo esperar desse remédio uma cura completa e normal; pois, durante o seu emprego, surgem alguns acidentes que não podiam ser antes observados na moléstia, sintomas esses que são acessórios do medicamento não perfeitamente adequado. Isto de modo algum impede que uma parte considerável da moléstia (os sintomas da doença que lembra os do remédio) seja erradica por este remédio, assim estabelecendo um começo satisfatório da cura, mas, ainda assim, isto não sucede sem esses sintomas acessórios que são, contudo, sempre moderados quando a dose do medicamento for suficientemente pequena.

 

164

O número reduzido de sintomas homeopáticos existentes no medicamento melhor escolhido não causa, contudo, no caso em questão, nenhum prejuízo para a cura se estes poucos sintomas medicamentosos forem, principalmente, de tipo incomum e peculiarmente distintivos (característicos) da doença; segue-se, então, a cura sem distúrbios particulares.

 

165

Se porém, não houver exata semelhança entre os sintomas de medicamentos escolhidos e os sintomas incomuns, peculiares, distintivos (característicos) do caso de doença e se o medicamento apenas corresponde à doença nos seus estados gerais, não exatamente descritos e indefinidos (náusea, debilidade, dor de cabeça, etc.) e se não houver, entre os medicamentos conhecidos, nenhum homeopaticamente apropriado, o artista da cura não deve esperar, então, nenhum resultado imediatamente favorável do emprego deste medicamento homeopático.

 

166

Contudo, esse caso é muito raro diante do aumento do número de medicamentos conhecidos agora pelos seus efeitos puros, e suas danosas conseqüências, caso ocorram, diminuem logo que um medicamento posterior semelhante possa ser escolhido.

 

167

Com efeito, se com o emprego desse medicamento imperfeitamente homeopático usado inicialmente, ocorrem distúrbios secundários de alguma significação, não se deve permitir, então, nas doenças agudas, que essa primeira dose esgote a sua ação nem se deve deixar o doente à mercê de toda duração de seu efeito, devendo examinar novamente a condição mórbida na sua presente alteração e acrescentar os sintomas restantes originais aos surgidos recentemente, a fim de traçar um novo quadro da doença.

 

168

Será, então, mais fácil descobrir, entre os medicamentos conhecidos, um análogo a tal estado mórbido, do qual uma única dose, mesmo que não aniquile totalmente a doença, leva-la-a bem mais próximo da cura. E assim se continua, embora esse medicamento não seja suficiente para restabelecer a saúde, mediante reiterados exames do estado mórbido que ainda permanecer e mediante a escolha de um medicamento homeopático tão adequado quanto possível, até que o objetivo de colocar o doente na plena posse da saúde esteja atingido.

 

169

Se no primeiro exame de uma doença e na primeira escolha de um medicamento, ocorre a constatação de que o conjunto característico de sintomas da doença não é suficientemente coberto pelos elementos mórbidos de um único medicamento – devido ao número insuficiente de medicamentos conhecidos – mas que dois medicamentos competem para serem os preferidos quanto à sua conveniência, sendo que um é mais adequado homeopaticamente para uma parte dos sintomas e o outro mais conveniente para a outra parte, não é aconselhável, após o emprego do mais inconveniente dos dois, administrar o outro sem novo exame*, pois o medicamento que se mostrava como o segundo para a escolha, já não será adequado ao resto dos sintomas que ainda permanecem, em razão de uma alteração nas circunstâncias ocorridas nesse ínterim. Consequentemente, nesse caso, para o novo grupo de sintomas a ser constatado, deve ser escolhido um outro medicamento homeopático mais adequado, em lugar do segundo.

 

* E ainda muito menos ministrar ambos juntos (272)

 

 

170

Por isso, nesse, como em todos os casos em que ocorra uma alteração do estado mórbido, a serie restante de sintomas então presente deve ser investigada, e (sem se prestar atenção ao medicamento que primeiro pareceu ser a segunda escolha no que se refere à adequação) deve-se escolher outro medicamento homeopático, tão apropriado quando possível, ao novo estado atual. Se acontecer, o que é muito raro, que o medicamento que primeiro parecia ser o segundo em escolha pareça ainda adaptar-se bem para o estado mórbido restante, tanto mais será digno de confiança, e merecerá ser empregado de preferência a outro.

 

171

Nas doenças crônicas não-venéreas, as que mais comumente, portanto, surgem da Psora, frequentemente precisamos, para efetuar a cura, dar diversos remédios antipsóricos seguidos, cada um que se sucede sendo homeopaticamente escolhido em consonância com o grupo de sintomas restante após o término da ação do remédio anterior.

 

172

Uma dificuldade semelhante no que se refere à cura, decorre do fato de que os sintomas são muito escassos, circunstância essa que merece cuidadosa atenção, pois por sua remoção quase todas as dificuldades que se acham no caminho desse perfeitíssimo modo de tratamento (exceto que o seu arsenal de remédios homeopáticos conhecidos é ainda incompleto) são removidas.

 

173

As únicas doenças que parecem ter apenas alguns sintomas, e, assim, menos suscetíveis de cura, são as que se podem chamar parciais (oligossintomaticas), porque apresentam apenas um ou dois sintomas principais que ocultam todos os outros. Pertencem, principalmente, à classe das doenças crônicas.

 

174

O seu sintoma principal pode ser tanto uma queixa interna (por exemplo, uma dor de cabeça de muitos anos, uma diarréia prolongada, uma cardialgia antiga, etc.), ou uma afecção mais de natureza externa. Doenças deste último tipo distinguem-se, geralmente, pelo nome de doenças locais.

 

175

Nas doenças parciais (oligossintomaticas) da primeira espécie frequentemente se atribui à falta de discernimento do observador o fato de não haver este descoberto totalmente os sintomas realmente presentes, os quais possibilitar-lhe-iam completar o quadro da enfermidade.

 

176

Há, contudo, ainda algumas doenças que, após o exame inicial mais cuidadoso (84-98), apresentam apenas um ou dois sintomas sérios e violentos, ao passo que os outros mal estão perceptíveis.

 

177

A fim de se resolver com sucesso um caso assim, o qual ocorre muito raramente, devemos, primeiro, escolher, guiados por estes poucos sintomas, o medicamento que, a nosso ver, é o mais homeopaticamente indicado.

 

178

Algumas vezes sucederá, na verdade, que este medicamento, escolhido rigorosamente de acordo com a lei homeopática, proporcione a doença artificial semelhante adequada para a aniquilação do mal; e isto acontecerá com muito maior probabilidade quando os primeiros sintomas mórbidos são muito fortes, pronunciados, incomuns e particularmente distintos (característicos).

 

179

Contudo, com maior freqüência, o medicamento que foi escolhido em primeiro lugar, em tal caso, só será parcialmente, isto é, não exatamente adequado, visto não ter havido um numero considerável de sintomas para orientar uma escolha precisa.

 

180

Neste caso, o medicamento, que foi escolhido tão bem quanto possível, mas que, pelo motivo acima referido acima, só é imperfeitamente homeopático, irá em sua ação na doença que é somente em parte análoga a ele, como no caso referido acima (162 e seguintes), em que o numero limitado de medicamentos homeopáticos torna a seleção imperfeita, produzir sintomas acessórios, e diversos fenômenos de sua própria série de sintomas misturam-se com o estado de saúde do paciente, os quais são, contudo ao mesmo tempo, sintomas da própria doença, embora não tenham, até então, jamais ou raramente sido percebidos; alguns sintomas que o paciente não havia anteriormente experimentado aparecem, ou outros, que havia percebido apenas vagamente, tornam-se mais pronunciados.

 

181

Que não se objete que os fenômenos acessórios e novos sintomas dessa doença que surgiu agora devem ser conseqüentes aos medicamentos que se acabou de empregar. Devem a sua origem a eles*, com toda a certeza, mas são sempre apenas sintomas de natureza tal que essa doença foi, em si, capaz de produzir neste organismo, e que foram desenvolvidos e levados a aparecer pelo medicamento empregado, em virtude de seu poder de causar sintomas semelhantes. Em uma palavra, temos que considerar toda a coleção de sintomas agora perceptíveis como pertencentes à própria doença, como o estado atual existente, e dirigir o nosso tratamento subseqüente de acordo com ele.

 

* Quando não forma causados por um erro importante no regime, uma emoção violenta, ou uma desordem tumultuosa no organismo, como a ocorrência ou cessação de regras, concepção, parto, etc.

 

182

Assim, a seleção imperfeita do medicamento, que nesse caso foi quase inevitável, devido ao numero muito limitado de sintomas presentes, serve para completar a série de sintomas da moléstia, e assim facilita a descoberta de um segundo medicamento homeopático mais precisamente adequado.

 

183

Portanto, sempre que a dose do primeiro medicamento cessar seu efeito benéfico (se os sintomas recentemente desenvolvidos, em razão de sua gravidade, não pedem auxilio mais rápido, o que, contudo,por causa da pequenez da dose do medicamento homeopático,e nas doenças mais crônicas, e excessivamente raro), deve se realizar um novo exame do mal, o status morbi como tal se apresenta, deve ser anotado, devendo-se escolher um segundo medicamento homeopático de acordo com ele, e que deverá servir exatamente ao estado atual, podendo-se encontrar, então, um que seja ainda mais apropriado, pois o grupo de sintoma tornou-se maior e mais completo*

 

* Em casos em que o paciente (o que,contudo, ocorre com raríssima frequência em males crônicos, porém com certa freqüência das doenças agudas) se sente muito doente, embora os seus sintomas sejam muitos vagos, de modo que este estado pode ser atribuído mais ao estado de amortecimento dos nervos, que não permite que as dores e sofrimentos do paciente sejam claramente percebidos, este torpor da sensibilidade interna é removido pelo ópio, e em sua ação secundaria os sintomas do mal tornam-se claros.

 

184

Da mesma forma, após cada nova dose de medicamento haver esgotado a sua ação, quando não mais for adequada e útil, o estado da doença que ainda permanece deve ser anotado outra vez quanto aos sintomas remanescentes, devendo-se procurar outro medicamento homeopático, tão conveniente quanto possível para o grupo de sintomas agora observado, e assim por diante, até se haver completado a cura.

 

185

Entre as doenças parciais (oligossintomáticas) as chamadas doenças locais ocupam lugar de destaque, termo este que significa as mudanças e sofrimentos que ocorrem nas partes externas do corpo. Até a idéia predominante, nas escolas, foi a de que somente essas partes eram afetadas, e que o resto do corpo não participava da doença, doutrina esta que é absurda, e teórica, e que tem conduzido a tratamento medico deveras desastroso.

 

186

As chamadas doenças locais que tenham aparecido há pouco tempo, apresentando apenas uma lesão externa, à primeira vista ainda parecem merecer o nome de doenças locais. Então, pois, a lesão deve ser muito pequena, e neste caso não deve ser de grande importância. Pois no caso de doenças de causa externa, se forem graves todo o organismo sofre, ocorrendo febre, etc. O tratamento de tais doenças é relegado à cirurgia; mas isto só é correto desde que as partes afetadas requeiram ajuda mecânica, pelo que os obstáculos externos que impedem a cura, que só se pode esperar venha a ocorrer por meio da força vital, podem ser removidas por meios mecânicos, por exemplo, pela redução das luxações, por meio da sutura dos lábios de uma ferida, mediante pressão mecânica para estancar o fluxo de sangue de artérias abertas, pela extração de matéria estranha que penetrou nas partes vivas, fazendo-se uma abertura em uma cavidade do organismo para remover alguma substância irritante ou para obter a evacuação de efusões ou depósitos de fluidos, trazendo em aposição as extremidades partidas de um osso fraturado e retendo-as em contato correto mediante uma  ligadura apropriada, etc. Mas quando em tais ferimentos o organismo vivo requer, como sempre ocorre, ação dinâmica ativa para lhe possibilitar a tarefa de sarar, como por exemplo, quando a febre violenta resultante de grandes contusões, músculos lacerados, tendões e vasos sanguíneos necessita ser removida mediante remédios internos, ou quando a dor externa de áreas escaldadas ou queimadas precisa ser homeopaticamente vencida, então os serviços do medico dinâmico e sua valiosa homeopatia se fazem necessários.

 

187

Mas essas afecções, alterações e sofrimentos que surgem nas partes externas que não resultam de qualquer lesão externa ou que tenham apenas uma pequena ferida externa como sua causa imediata, são produzidos de maneira inteiramente diferente; sua fonte situa-se em algum mal interno. Considera-los como meras afecções locais, e, ao mesmo tempo, trata-las somente, ou quase somente, por assim dizer, cirurgicamente, com aplicações tópicas ou outros remédios semelhantes, como tem feito a velha escola desde as eras mais remotas, é tão absurdo quanto pernicioso em seus resultados.

 

188

Estas afecções foram consideradas meramente tópicas, e portanto foram chamadas doenças locais, como se fossem males exclusivamente limitados às partes em que o organismo pouco ou nada participou, ou afecções destas determinadas partes visíveis de que o restante do organismo vivo, por assim dizer, nada sabia*

 

* Um dos maiores e mais perniciosos disparates da velha escola.

 

189

Estas afecções foram consideradas meramente tópicas, e portanto foram chamadas doenças locais, como se fossem males exclusivamente limitadas às partes em que o organismo pouco ou nada participou, ou afecções destas determinadas partes visíveis de que o restante do organismo vivo (da força vital que invade todas as outras partes sensíveis e irritáveis do organismo); de fato, é impossível conceber seu aparecimento sem a instrumentalidade de toda a vida (adoecida); tão intimamente acham-se estas partes do organismo ligadas para formar um todo indivisível em sensações e funções. Não pode ocorrer erupção nos lábios, ou panarício, sem que haja, simultaneamente, uma perturbação interna.

 

190

Todo o verdadeiro tratamento medico de uma doença, nas partes externas do organismo, que seja proveniente de pequena ou nenhuma lesão externa, deve, portanto, ser dirigido contra o todo, e realizar a aniquilação e cura da doença geral mediante medicamentos internos, se desejar que o tratamento seja sabiamente administrado, certo, eficiente e radical.

 

191

Isto é confirmado de forma mais indubitável pela experiência, que mostra, em todos os casos, que todo medicamento interno poderoso, imediatamente após a sua ingestão, causa alterações importantes na saúde geral de tal paciente, e principalmente nas partes externas afetadas (que a velha escola considera como inteiramente isoladas), mesmo numa assim chamada doença local, que afeta as partes mais externas, e a alteração que acarreta é deveras salutar, sendo esta o restabelecimento da saúde de todo o corpo, juntamente com o desaparecimento da afecção externa (sem a ajuda de qualquer medicamento externo) desde que o remédio interno dirigido ao estado geral tenha sido adequadamente escolhido, no sentido homeopático.

 

192

Isto se consegue da melhor forma quando, na investigação do caso de doença, juntamente com o caráter exato da afecção local, todas as alterações, sofrimentos e sintomas observáveis na saúde do paciente, e que tenham sido notados antes, quando não se haviam empregado medicamentos, são tomados em conjunto para se ter um quadro completo da doença antes de se preocupar entre os remédios cujos efeitos patogenéticos peculiares são conhecidos, um que corresponda à totalidade dos sintomas, de modo que a seleção seja verdadeiramente homeopática.

 

193

Mediante esse medicamento, empregado apenas internamente (e quando uma só dose frequentemente bastar, se a afecção é de origem recente) remove-se o estado geral mórbido do organismo, bem como a afecção local, curando-se esta última juntamente com o primeiro, o que vem provar que a afecção local dependia apenas de uma doença do resto do organismo, e só deveria ser considerada como parte inseparável de todo  como um dos sintomas mais consideráveis e marcantes de toda a doença.

 

194

Não é de qualquer utilidade, quer nas doenças locais agudas recentes, quer nas afecções locais que já existiam há muito tempo, esfregar ou aplicar externamente no local, um medicamento (muito embora seja o especifico, e, quando empregado internamente, salutar, em virtude de sua homeopaticidade) não obstante seja, ao mesmo tempo, administrado internamente; pois as afecções tópicas agudas (pro exemplo, inflamações localizadas, etc.), que não tenham sido causadas por lesão externa de violência proporcional, mas por causas internas ou dinâmicas, cedem, com toda a certeza, aos remédios internos homeopaticamente adaptados ao estado de saúde presente no exterior e no interior, escolhidos do estoque geral de medicamentos experimentados, e geralmente sem qualquer outro auxílio; mas se estas doenças não cedem completamente a eles, e se ainda resta, na parte afetada e no estado geral, não obstante um regime adequado, um resquício de doença que a força vital não consegue vencer, então o mal agudo foi (como ocorre com certa freqüência) um produto da Psora que até então jazia latente no interior, mas que agora irrompeu, e acha-se a ponto de desenvolver-se em doenças crônicas visíveis.

 

195

A fim de realizar uma cura radical em tais casos, que não são de modo nenhum raros, após haver passado a fase aguda, deve-se, então, dirigir um tratamento antipsórico adequado (como afirmei em meu trabalho sobre doenças crônicas) contra os sintomas que ainda restam e contra o estado mórbido a que o paciente se achava sujeito. Nas doenças crônicas locais que não são de caráter evidentemente venéreo, o tratamento interno antipsórico é, além disso, essencial.

 

196

Poderia, de fato, parecer que a cura de tais males seria apressada mediante o emprego da substância medicinal que se sabe ser verdadeiramente homeopática para a totalidade dos sintomas, não só internamente, mas também externamente, pois a ação de um medicamento aplicado no lugar da afecção local pode efetuar nela uma mudança mais rápida.

 

197

Contudo, esse tratamento é inadmissível, não apenas pelos sintomas locais que provêm do miasma da Psora, mas também, e especialmente, pelos que se originam no miasma da sífilis ou da Sicose, porque a aplicação local simultânea, juntamente com o emprego interno, do medicamento em doenças cujo sintoma principal é uma afecção local constante, apresenta esta grande desvantagem, a de que, mediante tal aplicação tópica, seu sintoma principal (afecção local)* será, geralmente, eliminada mais cedo que o mal interno, e nós seremos enganados, então, pela aparência de uma cura perfeita; ou, ao menos, será difícil, e, em certos casos, impossível determinar, pelo desaparecimento prematuro do sintoma local, se a doença geral foi destruída pelo emprego simultâneo do medicamento interno.

 

* Erupção de sarna, cancro, condiloma recentes.

 

198

O mero emprego tópico de medicamentos, que são poderosos para a cura quando administrados internamente, nos sintomas locais de males crônicos miasmáticos, pela mesma razão, é inadmissível; pois se a afecção local da doença crônica só for removida localmente, e de forma parcial (oligossintomática), o tratamento interno indispensável para o restabelecimento completo da saúde continua a ser uma dúbia incerteza; o sintoma principal (a afecção local) desaparece, restando, apenas, os outros sintomas, menos perceptíveis, menos constantes e persistentes que a afecção local, e frequentemente não suficientemente peculiares e insuficientemente característicos para mostrar, após isto, um quadro claro e peculiar da doença.

 

199

Se o remédio perfeitamente homeopático para a doença não tiver ainda sido descoberto*, ao tempo em que os sintomas locais foram destruídos por remédio corrosivo ou secante externo, ou pela lanceta, então o caso torna-se muito mais difícil, em vista do aparecimento por demais indefinido (não característico) e inconstante dos sintomas restantes; pois o que podia ter contribuído em maior proporção para determinar a escolha do remédio mais adequado e seu emprego interno até que a doença tenha sido inteiramente aniquilada, isto é, o sintoma externo principal foi removido de nossa observação.

 

* Como ocorreu antes de meu tempo com os remédios para a moléstia condilomatosa (e os remédios antipsóricos).

 

200

Se o sintoma ainda estivesse presente para orientar o tratamento interno, o remédio homeopático para toda a doença poderia ter sido descoberto, e, se o fosse, a persistência da afecção local durante o seu emprego interno teria mostrado que a cura não se havia ainda completado; mas, se curada no seu lugar, isto constituiria prova convincente de que a doença foi inteiramente erradicada, produzindo-se, plenamente, a desejada cura de toda a doença, o que é uma vantagem inestimável, e indispensável para se obter uma cura perfeita.

201

É evidente que a força vital do homem, quando obstada por doença crônica que não pode ser vencida por sua própria força (instintivamente), adota o plano de desenvolver um mal local em alguma parte externa, somente com esse objetivo, isto é, o de causar e manter em estado de doença essa parte que não é indispensável para a vida humana; ela pode, assim, silenciar, o mal interno, que, de outro modo, ameaça aniquilar os órgãos vitais, causando o falecimento do paciente, e podendo,desse modo, por assim dizer, transferir o mal interno à afecção local mantendo-o lá. Dessa maneira, a presença da afecção silencia, por certo tempo, o mal interno, embora sem poder cura-lo ou diminui-lo grandemente*. Contudo a afecção local nunca é mais que uma parte da doença geral, mas uma parte dela aumentada em uma só direção pela força vital orgânica, e transferida para uma parte do organismo menos perigosa (externa), a fim de suavizar o mal interno. Entretanto (como já foi dito) por este sintoma local que silencia o mal interno. Entretanto (como já foi dito) por este sintoma local que silencia o mal interno, longe de se ganhar, pela força vital, alguma vantagem, diminuindo-se ou curando-se toda a doença, o mal interno que aumentou, podendo ainda mantê-lo sob controle. Úlceras antigas nas pernas pioram quando a Psora não se cura, o cancro aumenta enquanto a sífilis interna permanece sem cura, os condiloma aumentam e crescem enquanto a sicose não for curada, tornando-se assim cada vez mais difícil de curar, à medida que a doença interna se alastra com o passar do tempo.

 

* Os exutórios dos clínicos da velha escola fazem algo semelhante, como úlceras artificiais nas partes externas, silenciam alguns males crônicos internos, por muito pouco tempo (enquanto causam uma irritação dolorosa a qual o organismo doente não está acostumado, sem poder cura-las); mas por outro lado, enfraquecem ou destroem a saúde geral, em grau muito maior que a natureza das metástases realizadas pela força vital instintiva.

 

202

Se o medico da escola antiga destruísse o sistema local mediante aplicação tópica de remédios externos, na suposição de que assim curaria toda a doença, a natureza compensaria a sua perda, despertando o mal interno, e os outros sintomas que já existiam em estado latente, juntamente com a afecção local; isto é, ela aumenta o mal interno. Costuma-se dizer, embora incorretamente, quando isso ocorre, que a afecção local foi recolhida para o organismo, ou para os nervos, pelos remédios externos.

 

 

203

Todo tratamento externo de tais sintomas locais, cuja finalidade é remove-los da superfície do organismo, enquanto o mal interno miasmático permanece incurado, como, por exemplo, removendo da pele uma erupção pilórica, mediante diversos tipos de ungüentos, queimando o cancro com cáusticos e destruindo os condilomas pela lanceta, ligadura ou cauterização; o modo pernicioso de tratamento, até agora tão universalmente praticado, tem sido a fonte mais prolífica de todas as doenças crônicas já designadas ou ainda por designar de que se queixa a humanidade; é uma das práticas mais criminosas de que se pode culpar o mundo médico, e, contudo, tem sido a geralmente adotada e ensinada nas cátedras como a única*

 

* Pois quaisquer medicamentos que venham a ser dados, internamente, ao mesmo tempo, serviram apenas para agravar o mal, já que esses remédios não tinham poderes específicos de curar toda a doença, porém atacaram o organismo, enfraqueceram-no, e, além disso, infligiram nele outros males crônicos medicinais.

 

204

Se deduzirmos todas as afecções, males e sofrimentos crônicos que dependem de um modo de vida pouco saudável (77), bem como as inúmeras moléstias medicinais (74), causadas pelo tratamento irracional, persistente, incômodo e pernicioso de moléstias que, muitas vezes, são de caráter apenas trivial, por parte dos médicos da velha escola, a maior parte do restante dos males crônicos resulta do desenvolvimento destes três miasmas crônicos; sífilis interna, sicose interna, mas, principalmente, e em proporção infinitamente maior, psora interna. Cada um destes miasmas já estava de posse de todo o organismo, havendo penetrado em todas as direções antes do aparecimento do sintoma primário, local vicário de um deles (no caso da Psora, a erupção qual casca de ferida – sarna, no da sífilis, o cancro ou a bouba, e no da sicose, os condilomas), que impede sua eclosão; e esses males miasmáticos crônicos, privados de seu sintoma local, pela poderosa natureza, mais cedo ou mais tarde irão se desenvolver e irromper, inevitavelmente, e assim produzir toda a sorte de males, o número incrível de males crônicos que têm assolado a humanidade por centenas e milhares de anos, sendo que nenhum deles teria vindo a existir se os médicos tivessem se esforçado de maneira racional para curar radicalmente e extinguir no organismo esses três miasmas sem empregar remédios locais para seus sintomas externos correspondentes, contando, somente com os remédios internos homeopáticos adequados para cada um deles (vide nota do 282).

 

205

O médico homeopata jamais trata um desses sintomas externos de miasmas crônicos, nem sequer uma de suas afecções secundarias que resulte de seu desenvolvimento, mediante remédios locais (nem por meio dos agentes externos que agem dinamicamente*, nem dos que agem mecanicamente),mas ele cura,nos casos em que aparece ou um ou outro, somente o grande miasma de que depende, em virtude do que desaparecem espontaneamente seus sintomas primários e secundários (salvo em alguns caos de sicose inveterada); mas como tal não era o método seguido pelos médicos da velha escola que o precederam no tratamento do caso; o medico homeopata, geralmente, descobre, o que é de lamentar, que os sintomas primários**, já foram eles destruídos mediante remédios externos, e que ele agora têm que tratar dos secundários, isto é, as afecções resultantes da erupção e desenvolvimento dos miasmas que lhe são peculiares, porém, principalmente, dos males crônicos que evoluíram da Psora interna, cujo tratamento interno, na medida que o médico pode elucidar, em diversos anos de reflexão, observação e experiência, procurei indicar em minha obra sobre Doenças Crônicas à qual deve o leitor se reportar.

 

  • Não posso aconselhar, por exemplo, a extirpação local do chamado câncer dos lábios e face (o produto da Psora desenvolvida em alto grau, muitas vezes em conjunção com a sífilis), mediante a pomada arsenical do Irmão Cosme, não somente por ser excessivamente doloroso, e muitas vezes falho, porém mais pela razão de que, se este remédio dinâmico conseguisse realmente livrar a parte afetada do organismo, localmente, da úlcera maligna, a moléstia básica não seria assim diminuída de forma alguma, sendo necessário que a força vital transfira o campo de operação da grande moléstia interna para alguma parte mais importante (como ocorre em todos os casos de metástase), e a conseqüência é a cegueira, surdez, loucura, asma sufocante, hidropsia, apoplexia, etc. Mas esta liberação local ambígua da parte afetada, da úlcera maligna, pelo remédio arsenical tópico, só encontra êxito, finalmente, nos casos em que a úlcera não tenha ainda atingido um tamanho relativamente grande, e quando a força vital ainda é bastante enérgica; mas é justamente assim, nestas circunstâncias, que a cura completa interna de toda a doença original é, igualmente, ainda praticável. O resultado é o mesmo sem a cura prévia do miasma interno interior, quando o câncer da face ou seio é removido apenas pela lanceta, e quando tumores enquistados são removidos; algo pior sobrevém,ou, de qualquer modo, acelera-se a morte. Isto tem acontecido vezes sem conta, mas a velha escola prossegue em sua cegueira, do mesmo modo, em cada caso que se repete, com os mesmos resultados desastrosos.

 

** Erupção de sarna, cancro (bouba), condilomas.

 

206

Antes de iniciar o tratamento de moléstia crônica, é necessário investigar com o maior cuidado* se o paciente teve alguma infecção venérea (ou infecção com gonorréia condilomatosa); pois então o tratamento deve ser orientado apenas em sua direção, quando somente os sinais de sífilis (ou da moléstia condilomatosa, que é mais rara) acham-se presentes, mas esta moléstia, hoje em dia, é muito raramente, encontrada em separado. Se tal infecção tiver ocorrido antes, isso deve também ser tomado em consideração no tratamento dos casos em que a Psora está presente, porque então esta última moléstia acha-se complicada com a primeira, como sempre ocorre quando os sintomas não são puros, pois quando o médico crê que se depara com um caso de antiga moléstia venérea, sempre, ou quase sempre, ele tem que tratar uma afecção sifilítica, acompanhada, geralmente (complicada) com Psora, pois a discrasia interna da sarna (a Psora) é a mais freqüente causa fundamental de doenças crônicas. Em certos casos, ambos os miasmas podem, também, se complicar com sicose em organismos cronicamente afetados, ou, como ocorre com maior freqüência, é a Psora a única causa fundamental de todas as outras doenças crônicas (sejam quais forem os nomes que se lhes dêem), que, além disso, acham-se tão frequentemente combinadas, aumentadas e desfiguradas de modo terrível, pela imperícia alopática.

 

* Em investigações desta natureza, não devemos deixar nos enganar pelo que dizem os pacientes ou os seus familiares, que frequentemente atribuem a causa de males crônicos, mesmo os mais graves, a um resfriado (por haverem se molhado, bebido água fria com o corpo quente) há alguns anos atrás, ou a um susto, luxação ou vexação (às vezes mesmo a feitiços), etc. Essas causas são por demais insignificantes para desenvolver uma moléstia crônica em um corpo são, de forma a mantê-la durante anos, e a agrava-las de ano para ano, como sucede com todas as doenças crônicas resultantes da Psora em grau desenvolvido. Causas de caráter muito mais importante que estas influências nocivas mencionadas acima, encontram a sua raiz no inicio e avanço de uma doença séria de longa duração; as causas indicadas só poderiam despertar o miasma crônico latente.

 

207

Havendo obtido a informação acima, resta ainda ao medico homeopata descobrir quais as espécies de tratamento alopático que tinham, até então, sido adotados para a doença cônica, que medicamentos perturbadores tinham sido principalmente, e com maior freqüência, empregados, bem como que banhos minerais haviam sido usados, e que efeitos haviam produzido, a fim de compreender,até certo ponto, a degeneração do mal desde o seu estado original, e, quando possível, corrigir em parte estas alterações artificiais perniciosas, ou permitir-lhe evitar o emprego de medicamentos que já haviam sido impropriamente empregados.

 

208

A idade do paciente, seu modo de vida, sua dieta, profissão doméstica, relações sociais, e assim por diante, devem, em seguida, ser levadas em consideração, a fim de verificar se tais coisas contribuíram para aumentar seu mal ou até que ponto podem favorecer ou retardar o tratamento.Da mesma forma, sua disposição física e mental devem ser observadas, a fim de se saber se isto apresenta qualquer obstáculo ao tratamento, ou se requer que seja dirigido, estimulado ou modificado.

 

209

Isto feito, o médico deve procurar, em diversas conversas com o paciente, obter um quadro tão completo quanto possível de seu mal, de acordo com as instruções acima, a fim de poder elucidar os sintomas mais marcantes e peculiares (característicos), de acordo com os quais ele escolhe o primeiro remédio (antipsórico ou qualquer outro), que guarde a maior semelhança sintomática para iniciar o tratamento, e assim por diante.

 

210

À Psora se referem quase todas as moléstias que chamei acima de parciais (oligossintomáticas), as quais parecem ser mais difíceis de curar em virtude desta parcialidade (já que todos os seus outros sintomas mórbidos desaparecem, por assim dizer, ante o grande, único e proeminente sintoma). Deste tipo são as chamadas doenças mentais. Contudo, não chegam a constituir uma classe de doença marcadamente separada de todas as outras, já que em todas as demais, assim chamadas moléstias físicas, a disposição física e mental altera-se sempre*; e em todos os casos de moléstias que devemos curar, a disposição do paciente deve receber atenção especial, bem como a totalidade dos sintomas, a fim de podermos obter o quadro preciso da doença, para, a partir dele, podermos trata-la homeopaticamente com sucesso.

 

* Por exemplo, quantas vezes não nos encontramos diante de pacientes, que estão de humor dócil e pacifico, embora tenham sofrido durante anos doenças dolorosíssimas, tanto que o médico vê-se forçado a estimar e condoer-se do doente! Porém, se ele vencer o mal, restabelecendo a saúde do paciente, como frequentemente ocorre na clínica homeopática, muitas vezes se espanta e horroriza à vista da terrível alteração de seu estado de ânimo. Frequentemente testemunha caso de ingratidão, crueldade refinada maldade, bem como as piores tendências, e mais degradantes para a humanidade, que constituíam, exatamente, características do paciente antes de adoecer. Os que eram pacientes quando sãos, tornam-se às vezes obstinados, violentos, apressados ou mesmo intolerantes e caprichosos, ou impacientes e prepotentes quando adoecem; os que eram castos e tímidos muitas vezes tornam-se luxuriosos e despudorados. Uma pessoa de mente clara frequentemente fica com o intelecto embotado, enquanto uma em circunstâncias normais tem a mente fraca, torna-se mais prudente e pensativa; e uma pessoa lenta em tomar decisões, às vezes, adquire grande presença de espírito e rapidez de decisão, etc.

 

211

Tanto isto é verdade, que o estado de espírito do paciente muitas vezes determina a escolha do remédio homeopático, em virtude de ser um sintoma decididamente característico, que não pode, de maneira nenhuma, permanecer oculto ao médico que seja um observador preciso.

 

212

O criador de agentes terapêuticos também observou esta característica principal de todas as doenças, os estados físicos e de espírito alterados, pois não há no mundo substância medicinal enérgica que não altere de modo muito fácil de observar o estado físico e mental do individuo são que a experimente, e cada medicamento o faz de modo diverso.

 

213

Por conseguinte, jamais poderemos curar de acordo com a natureza, isto é, homeopaticamente, se não observarmos, em cada caso de doença, mesmo nas agudas, juntamente com os outros sintomas, os mesmo relativos às mudanças no estado mental e moral, e se não escolhermos, para o alivio do paciente, dentre os medicamentos uma potência patogenética que além da semelhança de outros sintomas aos da moléstia, seja também capaz de produzir um estado semelhante moral e mental*.

 

* Assim, o Aconitum raramente ou nunca produzirá uma cura rápida ou permanente em um paciente de espírito calmo, quieto e uniforme, e tampouco servirá a Nux vomica nos caos em que seu caráter for suave e fleumático; Pulsatilla, quando for alegre, vivo ou obstinado, ou Ignatia, quando for imperturbável ou pouco susceptível de se assustar ou envergonhar.

 

214

As instruções que tenho a dar com relação a cura das doenças mentais limitam-se a pouquíssimos comentários, visto serem curáveis da mesma maneira que todas as outras moléstias, isto é, por um remédio que demonstre, pelos sintomas que causa no corpo e na alma de um individuo são, um poder d produzir um  estado mórbido tão semelhante quanto possível ao caso da doença com que nos deparamos, sendo que não podem ser curadas de outra maneira.

 

215

Quase todas as chamadas doenças mentais e emocionais nada mais são que males físicos em que o sintoma de perturbação mental e emocional peculiar a cada uma delas aumenta, ao passo que os sintomas físicos declinam (com maior ou menor rapidez), até que, por fim, atinge sua maior parcialidade, quase como se fosse um mal local no sutil órgão invisível da mente ou do caráter.

 

216

Não são raros em que a chamada doença física que ameaça ser fatal – uma afecção pulmonar, ou a deterioração de algum outro órgão importante, ou qualquer outra moléstia de caráter agudo, por exemplo febre puerperal, etc. – se transforma em loucura, em uma espécie de melancolia ou em mania, em virtude de um rápido aumento dos sintomas físicos que perdem todo o seu perigo; estes últimos melhoram ao ponto de quase chegarem a uma cura perfeita, ou então reduzem-se a tal grau que sua obscura presença só pode ser descoberta mediante observação por um médico dotado de perseverança e penetração. Desta forma, tornam-se uma doença local ou, por assim dizer, parcial (oligossintomática), em que o sintoma do distúrbio mental, que era primeiramente apenas ligeiro, aumenta a ponto de se tornar o sintoma principal, e em grande parte ocupa o lugar dos outros sintomas (físicos), cuja intensidade vemos de forma paliativa, de modo que, em breve, as afecções dos órgãos físicos maiores são, por assim dizer, transferidas e conduzidas para os órgãos quase espirituais, mentais e emocionais, que o anatomista ainda não alcançou, e jamais virá a alcançar com sua lanceta.

 

217

Nestas doenças devemos ter todo o cuidado de nos familiarizar com todos os fenômenos, tanto os pertencentes aos sintomas físicos, como, e principalmente, os relativos ao conhecimento preciso do caráter exato do sintoma principal do estado de espírito e disposição peculiares e sempre predominantes, a fim de descobrirmos, para extinguir a totalidade da doença, entre os remédios, cujos efeitos puros são conhecidos, uma força patogenética medicinal homeopática, isto é, um remédio que na relação de sintomas apresente, com a maior semelhança possível, não apenas os sintomas mórbidos físicos presentes no caso da doença com que nos deparamos, mas também de modo especial, este estado mental e emocional.

 

218

A esta coleção de sintomas pertence, em primeiro lugar, a descrição exata de todos os fenômenos da doença física, por assim dizer, que já existia antes de degenerar em um aumento parcial do sintoma psíquico e tornar-se uma doença mental e emocional. Esta descrição pode ser conhecida através do relatório dos acompanhamentos do paciente.

 

219

Uma comparação destes sintomas prévios da doença física, com os exames das que ainda restam, embora se tenham tornado menos perceptíveis (mas que mesmo agora, às vezes, se tornam proeminentes, quando ocorre um intervalo de lucidez e um alivio passageiro do mal psíquico), servirá para demonstrar que ainda se acham presentes, embora obscurecidos.

 

220

Acrescentando-se a isto o estado de espírito* e de disposição observados com exatidão pelos amigos do paciente e pelo próprio medico, teremos, assim obtido o quadro completo da doença, para a qual, a fim de se efetuar uma cura homeopática, deve-se procurar, entre os remédios (antipsóricos, etc.). Se o mal psíquico já tiver atingido certa duração, um medicamento capaz de produzir sintomas marcadamente semelhantes, e, de modo especial, uma perturbação mental e análoga.

 

* O qual frequentemente aparece mudando, em períodos, por exemplo: a alguns dias de terrível mania ou raiva, seguem-se outros de tristeza profunda, silenciosa, etc., retornando apenas em certos meses do ano.

 

221

Se, contudo, a insanidade mental ou mania (causada por susto, ofensa vexatória, abuso de bebida alcoólica, etc.), irromper subitamente como doença aguda no paciente de ordinário calmo, embora quase sempre surja em virtude de alguma Psora interna (como uma chama que dela emana), contudo, quando ocorre sob esta forma aguda não deve ser imediatamente tratada com antipsóricos, mas primeiro com medicamentos para ela indicados de outra classe já experimentados*, em doses mínimas, homeopáticas, altamente potencializadas a fim de vence-la a ponto de permitir que a Psora reverta temporariamente ao seu antigo estado latente, em que o paciente parece estar muito bem.

 

* Por exemplo: Aconitum, Belladona, Estramônio, Hioscyamus, Mercúrio, etc.

 

222

Mas tal paciente, que se restabeleceu de uma doença aguda mental ou emocional, mediante o emprego desses medicamentos não antipsóricos, não deve jamais ser considerado curado; ao contrário, deve-se agir como presteza tentando liberta-lo completamente*, por meio de tratamento antipsórico prolongado, do miasma crônico da Psora, o qual, é bem verdade, tornou-se agora outra vez latente, mas acha-se apto a irromper novamente, se isto for efeito, não há de temer outro ataque semelhante, se ele seguir fielmente a dieta e o regime que lhe foram prescritos.

 

* Muito raramente ocorre que uma doença mental ou moral de longa duração cesse espontaneamente (pois a discrasia interna transfere-se novamente para os órgãos físicos menos nobres);tais são os poucos casos que ocorrem, às vezes, em que um antigo internado no manicômio recebeu alta por estar aparentemente curado. Além disso, até agora todos os hospícios têm continuado lotados, de modo que a multidão de outros alienados que buscam admissão em tais instituições mal poderiam encontrar lugar nelas, a não ser que algum dos internados na casa morresse. Nos hospícios, ninguém é realmente permanentemente curado! Uma prova convincente (entre muitas outras) de tal nulidade da arte não curativa até agora praticada, a ridiculamente honrada pelo orgulho dos alopatas com o título de medicina racional. Por outro lado, quantas vezes já não pôde a verdadeira arte de curar, a genuína, a pura homeopatia, recuperar esses desgraçados para a posse de sua saúde mental e corporal e devolve-los a seus satisfeitos amigos e ao mundo!

 

223

Mas, se omitir o tratamento antipsórico (também o anti-sifilitico), podemos com mais certeza esperar, de uma causa muito mais fraca que a que acarretou, o primeiro ataque de loucura, a rápida ocorrência de novo ataque, mais severo e duradouro, durante o qual a Psora desenvolve-se, geralmente, de modo completo e se transforma ou em perturbação mental periódica, ou em distúrbio continuado, o que é então mais difícil de se curar com antipsóricos.

 

224

Se a doença mental não estiver plenamente desenvolvida e se for ainda incerto se realmente surgiu de afecção corporal, ou se não resultou de falhas de educação, maus costumes, moral corrupta, negligência de espírito, superstição ou ignorância, o modo de decidir este ponto será: se provier de uma ou outra dessas causas, diminuirá e melhorará, por exortações amistosas e sensatas, argumentos consolatórios, conselhos sérios e sensatos; ao passo que uma verdadeira doença mental e moral, que dependa de mal físico, será rapidamente agravada por este método – o melancólico se tornará ainda mais triste, choroso, inconsolável e reservado, o louco furioso se tornará ainda mais exasperado, e o louco que fala consigo mesmo piorará ainda mais*.

 

* Parece que a mente, nestes casos, sente ainda com maior inquietude e tristeza a verdade destas advertências, agindo sobre o corpo como se desejasse restaurar a harmonia perdida, mas que o corpo, por meio dessas moléstias, reagisse nos órgãos da mente e nos que governam o estado de espírito e os colocam em desordem ainda maior por uma transferência nova de seus sentimentos para eles.

 

225

Contudo, certamente há, como já foi dito, algumas doenças emocionais que não se desenvolveram apenas daquela maneira, partindo de moléstias corporais, mas que, de modo inverso, estando o organismo ligeiramente indisposto, originam-se e se mantêm em virtude de causas emocionais, como ansiedade prolongada, preocupações, ofensas e insultos, pesares, erros morais e a ocorrência freqüente de grande medo e susto. Esse tipo de distúrbio emocional destrói a saúde do organismo muitas vezes em alto grau.

 

226

São somente doenças emocionais assim, que foram primeiramente engendradas e posteriormente mantidas pela mente, que enquanto forem ainda recentes, e antes de terem invadido gradualmente todo o corpo, podem mediante remédios psíquicos, como provas de confiança, conselhos amigos, recomendações sensatas e, muitas vezes, mediante simulações bem disfarçadas, ser rapidamente transformadas em um estado mental sadio (e com dieta e regimes apropriados, ser alterada, em sanidade corporal).

 

227

Mas a causa fundamental nestes casos é também o miasma interno, que não atingiu, ainda, o seu pleno desenvolvimento, e como medida de segurança, o doente aparentemente curado, deve ser submetido a um tratamento antipsórico radical (também anti-sifilitico), a fim de que não possa outra vez, como poderia facilmente ocorrer, cair em semelhante estado de doença mental.

 

228

Em doenças mentais e emocionais resultantes de doenças corporais que só podem ser curadas por medicamento homeopático antipsórico, conjugado com um modo de vida regular, deve-se observar um comportamento psíquico apropriado para com o paciente, por parte dos que o cercam e do médico, como regime alimentar auxiliar. À loucura furiosa devemos opor energia calma e fria, resolução firme – às lamentações tristes e chorosas, muda comiseração mediante expressões e gestos – a falatórios sem nexo, um silêncio não de todo desatencioso – a uma conduta desgostosa e abominável, e conversa de caráter semelhante, desatenção total. Devemos somente tentar impedir a destruição e danos dos objetos ao redor do paciente, sem reprova-lo por sua conduta, e tudo deve estar disposto de modo a impedir a necessidade de quaisquer castigos e torturas corporais*. Isto é muito mais fácil de realizar, visto que, na administração do medicamento – o único caso em que se justifica o uso de violência, no sistema homeopático – as pequenas doses do remédio adequado jamais ofendem o paladar, podendo, portanto, serem dadas ao paciente sem que ele o saiba, em sua bebida, de modo que qualquer coação se torna desnecessária.

 

* Não podemos deixar de surpreender-nos ante a dureza de coração e indiscrição dos médicos e muitos estabelecimentos para pacientes desta espécie, que, sem tentar descobrir o verdadeiro e único modo eficaz de curar tais doenças, que é o meio homeopático medicinal (antipsórico), contentam-se em torturar esses seres mais desgraçados, como castigos violentos e outros tormentos dolorosos. Por tal prática inconsciente e revoltante, eles se rebaixam ao nível dos carrascos em função de seus deveres, e somente em criminosos, ao passo em que os primeiros, pela humilhante consciência de sua inutilidade como médicos, parecem dar vazão à suposta incurabilidade das doenças mentais em forma de brutalidade para com os inocentes sofredores, que só merecem piedade, pois são esses médicos por demais ignorantes para serem de alguma utilidade, e por demais indolentes para adotarem um modo criterioso de tratamento.

 

229

Por outro lado, contradições, ânsia em dar explicações, correções e admoestações rudes, bem como ceder e demonstrar fraqueza das atitudes, são impróprias com tais pacientes; são igualmente modos perniciosos de tratar doenças mentais e emocionais. Mas tais pacientes exasperam-se principalmente e queixam-se ainda mais, quando notam que há fraude, enganos e truques que podem notar. O médico e o enfermeiro devem sempre fingir que os doentes estão no gozo completo das faculdades mentais. Se possível, todas as influências perturbadoras de seus sentidos e emoções devem ser removidas; não há diversão para seus espíritos enuviados, não há distrações salutares, meios de instrução, efeitos suavizantes causados por conversa, livros, entre outras coisas, para a alma que sofre no corpo doente, não há fortalecimento para ela que não seja a cura; é somente quando a saúde corporal melhora que raiam outra vez a tranqüilidade e o conforto em suas mentes*.

 

* O tratamento dos loucos furiosos e dos melancólicos só se pode realizar em uma instituição especial para seu tratamento, mas não dentro do circulo familiar do paciente.

 

230

Se o remédio antipsórico escolhido para cada caso de doença mental ou emocional (existe em inúmeras variedades) for bem homeopaticamente adequado para o quadro fielmente traçado da doença, que, se houver um número suficiente dessa espécie de medicamento que sejam conhecidos quanto a seus efeitos puros, é determinada por busca incansável do remédio homeopático adequado com a maior facilidade, visto que o estado mental e emocional, que constitui o principal sintoma de notar em tal paciente, é tão inequivocamente perceptível – então em breve, dar-se-á uma melhora tão grande, o que não poderia ser conseguido obrigando-se por meio de violência, ao paciente, até mata-lo, que tome doses muito repetidas de todos os outros medicamentos inadequados (alopáticos). Com efeito, posso confiantemente afirmar, devido à minha grande experiência, que a vasta superioridade do sistema homeopático sobre todos os outros métodos imagináveis de tratamento não é revelada de forma mais triunfante que nas doenças mentais de longa duração, as quais geralmente originam-se de males corporais, ou desenvolveram-se justamente com estes.

 

231

As doenças intermitentes merecem consideração especial, bem como as que retornam em certos períodos – como o grande número de febres intermitentes e as afecções aparentemente não febris, que retornam intervaladamente como as febres intermitentes – assim como as em que certos estados mórbidos se alternam a intervalos incertos, com estados mórbidos de espécie diferente.

 

232

Estas últimas, doenças alternantes, são também muito numerosas*, mas todas pertencem à classe de enfermidades crônicas; são apenas, geralmente, uma manifestação de Psora desenvolvida, às vezes, mas raramente complicadas com o miasma sifilítico, e portanto podem, no primeiro caso, ser curadas com remédios antipsóricos; no último caso, contudo, alternam-se com anti-sifiliticos, como recomendei em minha obra sobre Doenças Crônicas.

 

* Dois ou três estados podem se alternar. Assim, por exemplo, no caso de duas doenças que se alternam, certas doses podem ocorrer persistentemente nas pernas e outras partes, imediatamente após o desaparecimento de uma espécie de oftalmia, que mais tarde aparece, logo que a dor nos membros tiver se extinguido momentaneamente – convulsões e espasmos podem se alternar imediatamente com qualquer outra afecção do organismo ou de parte deste – em um caso de três estados se alternarem numa indisposição comum, períodos de aumento aparente de saúde e exaltação incomum dos poderes físicos e mentais (alegria extravagante, atividade extraordinária do organismo, excesso de bem-estar, apetite voraz, e, de modo muito inesperado, tristeza e melancolia, disposição emocional hipocondríaca intolerável, com perturbação de várias funções vitais, a digestão, o sono, etc., aparecem, e, outra vez, e tão repentinamente, dão lugar às perturbações moderadas usuais, bem como a diversos outros estados alternantes. Quando surge o novo estado, não há, muitas vezes, vestígios do estado anterior. Em outros casos, somente restam vestígios ligeiros, do anterior; quando ocorre o outro estado, poucos sintomas do estado precedente permanecem no aparecimento e durante a continuação do segundo. Pro vezes, os estados mórbidos alternantes são de natureza bem oposta, como, por exemplo, a melancolia que se alterna periodicamente com insanidade, alegria ou frenesi.

 

233

As moléstias periódicas típicas são as em que um estado mórbido de caráter invariável, retorna em períodos mais ou menos iguais, enquanto o paciente está, aparentemente, gozando de perfeita saúde, e cessa em um período igualmente mais ou menos fixo; isto se observa nos estados mórbidos aparentemente não febris que surgem e desaparecem de modo periódico (em determinadas ocasiões), bem como nos de caráter febril, quais sejam, as inúmeras variedades de febres intermitentes.

               

234

Os estados mórbidos aparentemente não febris, típicos, que voltam periodicamente, referidos acima, observados em um só paciente de cada vez (geralmente não ocorrem esporadicamente ou em epidemias) sempre pertencem às doenças crônicas, principalmente às puramente psóricas, e só muito raramente se complicam com sífilis; contudo, é, às vezes necessário empregar, como remédio intermediário, uma pequena dose de solução potencializada de casca de cinchona, a fim de extinguir inteiramente o seu tipo intermitente.

 

235

Quanto às febres intermitentes* que ocorrem de modo esporádico ou epidêmico (não as endemicamente situadas em zonas pantanosas), frequentemente encontramos que cada crise composta igualmente de dois estados opostos alternantes (frio, calor – calor, frio), e, mais frequentemente, ainda, de três (frio, calor, transpiração). Portanto, o remédio escolhido para eles da classe geral dos experimentados (comuns, não antipsóricos) devem ser (e os desta classe são os mais eficazes) capazes de produzir no organismo são dois (ou todos os três) estados alternantes semelhantes, ou devem então corresponder por semelhança de sintomas, na forma mais homeopática possível, ao estado alternante mais forte, marcado e mais peculiar (ou ao estágio de frio, ou ao de calor, ou ao de transpiração, cada um com os seus sintomas secundários, conforme um ou outro estágio alternante seja o mais forte e peculiar); mas os sintomas da saúde do paciente durante os intervalos em que não têm febre devem constituir a melhor indicação para o remédio homeopático apropriado*.

 

* A patologia até agora em voga, que ainda está no estágio da influência irracional, reconhece apenas uma única febre intermitente, a qual é, igualmente, denominada febre de frio, sem admitir variedades a não ser as constituídas pelos diferentes intervalos em que ocorrem as crises (cotidiana, terçã, quartã, etc.). Mas há diferenças muito maiores entre elas de que as marcadas pelos períodos de sua freqüência; há variedades incontáveis dessas febres, algumas das quais não podem jamais ser denominadas febres de frio, pois suas crises consistem apenas em calor; outras, além disso, caracterizam-se somente pelo frio, com ou sem transpiração subseqüente; há ainda outras que apresentam resfriamento superficial geral, com sensação de calor por parte do paciente, ou enquanto o corpo está frio externamente, o paciente sente frio, ou simples frialdade, seguidos de intervalos normais, ao passo que o outro consiste meramente em calor, seguido ou não de transpiração; outros há, ainda, em que primeiro vem a sensação de calor, e depois que esta passar, uma crise de frio; há as em que após uma fase de firo ou calor sobrevém apirexia, e então a transpiração vem como uma segunda crise, por vezes durante horas de frio; há também os casos em que não vem qualquer transpiração, e, outrossim, outros em que toda a crise consiste apenas em transpiração abundante, sem qualquer sensação de frio ou de calor, ou em que a transpiração só ocorre durante a fase de calor; e há, ainda, outras diferenças sem conta, especialmente quanto aos sintomas secundários, como dor de cabeça de tipo peculiar, mau gosto na boca, náusea, vômitos, diarréia, falta ou excesso de sede, dores peculiares no corpo ou nos membros, sono perturbado, delírios, alterações de humor, espasmos, etc., durante, ou após os períodos de frio, de calor e de transpiração e inúmeras outras variedades. Todas estas são evidentemente febres intermitentes de espécies muito diferentes, cada uma delas, como era de esperar, naturalmente, requerendo tratamento (homeopático) especial. Deve se admitir que quase todas podem ser suprimidas (como sói acontecer) mediante doses enormes de quina e sua preparação farmacêutica, o sulfato de quinino; isto é, sua faculdade de retornar periodicamente (se tipo) pode ser extinto por ele, mas os pacientes que sofreram de febres intermitentes para as quais a cinchona não é adequada, como ocorre com todas as febres intermitentes que assolam países inteiros e mesmo distritos montanhosos, não recuperam a saúde pela extinção do tipo de febre. Não! Ao contrário, agora adoecem de outro modo, e, o que é pior, de modo mais grave ainda do que antes; são afetadas por discrasias peculiares, crônicas, de casca de cinchona, e dificilmente podem se restabelecer mesmo com tratamento prolongado pelo verdadeiro sistema medicinal – e, mesmo assim, isto é o que se chama curar!

 

** O Conselheiro de Estado, Barão von Bonninghauser, que tem prestado mais serviços ao nosso sistema benéfico de medicina que qualquer outro de meus discípulos, elucidou da melhor forma esta questão, que requer tanto cuidado, e facilitou a escolha do remédio eficiente para as várias epidemias de febre, em sua obra intitulada ´Versucheiner homoopathischen Therapie der Wechselfieber´(ensaio de uma terapêutica homeopática das febres intermitentes), 1833, Munster bei Regensberg.

 

236

O momento mais eficaz e preciso para dar o medicamento nestes casos é imediatamente ao termino da crise, ou logo após, assim que o paciente tiver de certa forma se recuperado de seus efeitos; tem então tempo de realizar todas as alterações no organismo, necessárias para o restabelecimento da saúde, sem qualquer distúrbio sério ou comoção violenta; ao passo que a ação de um medicamento, por mais especificamente apropriado que seja, se dado imediatamente, por mais especificamente apropriado que seja, se dado imediatamente antes da crise, coincide com o retorno natural da doença e causa uma reação tal no organismo que um ataque dessa natureza produz, no mínimo, uma grande perda de força, se não acarretar perigo de vida*. Mas se o remédio for dado imediatamente após o fim da crise, isto é, no momento em que começou o período apirético, e bastante tempo antes do inicio da crise, então a força vital do organismo está nas melhores condições possíveis para se deixar ser suavemente alterada pelo remédio, e assim recuperar seu estado de saúde.

 

* Isto se observa nos casos fatais, não raros, em que uma dose moderada de ópio dada durante o período de frio rapidamente produz  a morte dos pacientes.

 

237

Mas e a fase de apirexia for muito curta, como ocorre em algumas febres muito graves, ou de for perturbada por alguns sofrimentos posteriores da crise anterior, a dose do medicamento homeopático deve ser administrada quando a transpiração começar a ceder, ou quando os outros fenômenos subseqüentes do término da crise começam a diminuir.

 

238

Não raro ocorre que o medicamento adequado, empregado uma única vez, impede que voltem os ataques e restitui a saúde, mas, na maioria dos casos, deve se dar outra dose após cada crise. Melhor ainda, quando o caráter dos sintomas não houver se alterado, doses do mesmo medicamento administradas de acordo com a mais recente descoberta de repetição de doses (vide nota do 270), podem se dadas sem dificuldades, dinamizando-se cada dose sucessiva (agitando-se de 10 a 12 vezes o frasco que contém a substância medicinal). Contudo, surgem, às vezes, casos embora raros, em que a febre intermitente retorna após diversos dias em que o paciente sentiu bem-estar. Este retorno da mesma febre após um intervalo de saúde só é possível quando o principio nocivo que primeiro originou a febre está, inda, agindo no convalescente, como é o caso nas regiões pantanosas. Neste caso a cura permanente só poderá, muitas vezes, realizar-se se o paciente se afastar desta causa (procurando um lugar montanhoso, se a causa for uma febre dos pântanos).

 

239

Como quase todo medicamento causa, em sua ação pura, uma febre especial peculiar, e mesmo uma espécie de febre intermitente com seus estados alternantes, diferindo de todas as outras febres causadas por outros medicamentos, podem se encontrar medicamentos homeopáticos na vasta gama de remédios para todas as numerosas variedades de febres intermitentes naturais, e, para um grande número de tais febres, mesmo na quantidade razoável de medicamentos já experimentados no individuo são.

 

240

Mas se o remédio, que se verifica ser o especifico homeopático para uma epidemia de febre intermitente, não efetuar uma cura perfeita em um ou outro paciente, se não for a influência de alguma pantanosa que estiver impedindo a cura, então é sempre o miasma psórico latente que a obsta, e neste caso, devem se empregar medicamentos antipsóricos até se obter alivio completo.

 

241

As epidemias de febre intermitente sob condições em que nenhuma é endêmica, são da natureza das doenças crônicas, compostas de uma única crise aguda; cada epidemia é de caráter peculiar, uniforme, comum a todos os indivíduos atacados, e quando este caráter se encontra na totalidade dos sintomas comuns a todos, leva-nos à descoberta do remédio (especifico) homeopático adequado para todos os casos, que é quase universalmente utilizável nos pacientes de saúde mediana antes da epidemia, isto é, que não sofriam cronicamente de Psora desenvolvida.

 

242

Se, contudo, em tal epidemia de febre intermitente, permanecem incuradas as primeiras crises, ou se os pacientes tiverem sido enfraquecidos mediante tratamento alopático inadequado, então a Psora inerente que infelizmente existe em tantas pessoas, embora em estado latente, desenvolve-se, assume a forma de febre intermitente, e, com todas as aparências da febre intermitente epidêmica, continua o seu curso como se fosse a epidêmica, de modo que o medicamento, que teria sido útil nas primeiras crises (raramente um remédio antipsórico), não é mais conveniente e não tem mais utilidade. Temos, nesse caso, de tratar apenas uma febre intermitente psórica, e esta geralmente é vencida com doses mínimas e pouco repetidas de enxofre, ou de Hepar sulphuris, em alta potência.

 

243

Nessas febres intermitentes muitas vezes muito perniciosas que atacam uma pessoa isolada, que não reside em região pantanosa, devemos em primeiro lugar, como no caso de males agudos em geral, os quais elas lembra por sua origem psórica, empregar, também, durante alguns dias, pra auxiliar no que lhe compete, um remédio homeopático escolhido, para o caso especial com que nos deparamos, da outra classe de medicamentos (não antipsóricos) experimentados; mas, se, apesar disso, demora-se a cura, sabemos que nos defrontamos com a Psora que está a ponto de desenvolver-se, e que neste caso, só remédios antipsóricos podem efetuar cura radical.

 

244

As febres intermitentes de forma endêmica em regiões pantanosas e lugares sujeitos  a interdições dão um grande trabalho aos médicos da velha escola e, contudo, o homem pode, em sua mocidade, habituar-se mesmo a lugares pantanosos e conservar-se em perfeita saúde, desde que mantenha um regime impecável e seu organismo não se submeta a subnutrição, fadiga ou práticas perniciosas. As febres intermitentes que lá são endêmicas no máximo ataca-lo-iam quando de sua chegada em tal região; mas uma ou duas doses diminutas de uma solução altamente potencializada de casca de cinchona, juntamente com um modo de vida regular, como aludimos acima, livra-lo-ia em pouco tempo da doença. Mas os indivíduos que, apesar de fazerem bastante exercício físico, e seguirem um sistema sadio de ocupação intelectual e regime corporal, não se curarem de febre intermitente dos pântanos com uma ou poucas destas doses pequeníssimas de cinchona, nestas pessoas, a Psora, esforçando-se para desenvolver-se sempre se acha por trás da doença, e sua febre intermitente não pode ser curada no lugar pantanoso sem tratamento antipsórico*. Ocorre, às vezes, que quando esses pacientes mudam-se sem demora do local pantanoso para um lugar fresco e montanhoso, segue-se um restabelecimento aparente (a febre os abandona) se não tiverem sido por demais atacados pela doença, isto é, se a Psora não tiver se desenvolvido plenamente nelas, podendo, consequentemente, retornar ao seu estado latente; contudo, jamais recuperarão saúde perfeita sem tratamento antipsórico.

 

245

Tendo assim visto que cuidados tomar, no tratamento homeopático, com as diversas variedades de doenças, e com as circunstâncias peculiares com elas relacionadas, passamos agora ao que teremos que ver no que respeita aos medicamentos e seu modo de emprego, bem como o regime a ser seguido durante o seu uso.

 

246

Cada melhora perceptivelmente progressiva e marcantemente crescente, durante o tratamento, é uma condição que, enquanto perdurar, impede completamente qualquer repetição da administração do medicamento, pois todo o bem que o medicamento tomado continua a fazer, apressa-se agora para o seu êxito. Isto não é raro em condições agudas, mas, nas mais crônicas, por outro lado, uma única dose de um remédio homeopático adequadamente escolhido produzirá, às vezes, melhora gradual, lenta e progressiva, e proporcionará a ajuda que tal remédio, no caso, alcançaria naturalmente em 40, 50, 60, 100 dias. Contudo, é isto um caso raro; e, além disso, deve ser de grande importância para o médico e para o paciente que, sendo possível, se reduza tal período à metade, uma quarta parte, ou mesmo menos, ainda de modo que se obtenha uma cura ainda rápida. E isto pode ser muito bem obtido, como observações recentes e diversas vezes repetidas me ensinaram, nas seguintes condições: em primeiro lugar, se o remédio escolhido com o maior cuidado é inteiramente homeopático; em segundo lugar, se é altamente potencializado, diluído em água e dado na pequena dose adequada que a experiência me ensinou ser a mais conveniente, em intervalos definidos, para a realização mais breve da cura, mas com o cuidado de que o grau de dinamização de cada dose difira um pouco da imediatamente anterior e seguinte, de forma que o principio vital que deve ser alterado provocando doença medicinal semelhante não seja levado a produzir reações desagradáveis e se revolte como sempre acontece* com doses não modificadas e repetidas com grande rapidez.

 

* O que disse na quinta edição do Organon, em longa nota deste parágrafo, para impedir estas reações indesejáveis de energia vital, foi tudo o que pude, com a experiência que tinha então. Mas durante os últimos quatro ou cinco anos, todas estas dificuldades foram vencidas por mim pelo meu método alternado; mais aperfeiçoado. Os mesmos remédios cuidadosamente escolhidos podem agora ser dados diariamente por meses a fio, se necessário, assim, isto é, após se haver usado durante uma ou duas semanas a dose mais fraca de potência, no tratamento de doenças crônicas, passa-se, da mesma maneira, para potências mais elevadas (iniciando-se de acordo com o novo processo de dinamização, aqui com o uso das potências mais altas.

 

247

Não é preciso repetir a mesma dose inalterada* de um medicamento, uma vez, para não dizer nada de sua freqüente repetição (e a intervalos curtos, para não retardar a cura). O princípio vital não aceita tais doses inalteradas sem resistência, isto é, que outros sintomas do remédio se manifestem, a não ser os semelhantes à doença a ser curada, porque a primeira dose já realizou a alteração esperada no principio  vital, e uma segunda dose inalterada, toda semelhante dinamicamente, não poderá mais, assim, encontrar as mesmas condições da força vital. O paciente pode, realmente, adoecer de outro modo ao receber outra dose não modificada, piorar, pois agora os sintomas do remédio dado permanecem ativos, não tendo sido homeopáticos ao mal original, daí não se pode realizar progresso em direção à cura, apenas uma verdadeira agravação do estado do paciente. Mas se a dose seguinte for um pouco mais diferente de cada vez, isto é, um pouco mias potencializada (269-270), então o principio vital pode ser alterado sem dificuldade pelo mesmo medicamento (diminuída a sensação da doença natural) e assim aproximar-se da cura.

 

* Não devemos, mesmo com o remédio homeopático melhor escolhido, por exemplo, um glóbulo da mesma potência que a primeiro foi benéfica, deixar que o paciente tome uma segunda ou terceira dose, ingerida sem líquido. Da mesma forma, se o remédio foi dissolvido em água e a primeira dose se revelou benéfica, uma segunda ou terceira dose, ainda menor, do frasco, que se acha imóvel, mesmo em intervalos de alguns dias, já não mais seria benéfica, mesmo se a preparação primitiva tenha sido potencializada agitando-se de vezes, ou como seguir mas tarde, apenas mais vezes, a fim de evitar esta desvantagem, e isto de acordo com as razões acima expostas. Porém, se se modifica cada dose em seu grau de dinamização, como aqui ensina, não há prejuízo na repetição mais freqüente das doses, mesmo que o medicamento fique altamente generalizado devido a muitas sucussões. Podia quase dizer que o remédio homeopático melhor escolhido poderia remover melhor da força vital a perturbação mórbida, e nas doenças crônicas, extingui-la somente se aplicado em diversas formas diferentes.

 

248

Para este fim, potencializamos outra vez a solução medicinal cada vez antes de ser tomada* (com, talvez, 8, 10, 12 sacudidelas do frasco) da qual damos ao paciente uma ou – progressivamente – diversas doses de colher das de chá, em doenças de longa duração, todo dia, ou cada dois dias); em doenças agudas, de duas em duas horas, ou, até, de seis em seis, e, em casos muito urgentes, de hora em hora, ou com maior freqüência. Assim, nas doenças crônicas, cada medicamento homeopático corretamente escolhido, mesmo que sua ação seja de efeito prolongado, pode se repetido diariamente durante meses com êxito cada vez maior. Se a solução terminar (em 7 ou 8 dias ou 14 ou 15 dias), deve-se acrescentar à próxima solução do mesmo medicamento – se este ainda for indicado – um ou (embora raramente) diversos glóbulos de potência mais elevada com a qual prosseguimos por tanto tempo quanto for necessário ao paciente para experimentar uma melhora continua sem encontrar nenhuma perturbação que não tenha jamais sentido em sua vida. pois, se tal acontecer, se o restante da doença surgir em um grupo de sintomas modificados, depois, outro medicamento mais homeopaticamente semelhante deve ser escolhido em lugar do último e administrado nas mesmas doses repetidas, lembrando-se, contudo, de modificar a solução de cada dose com vigorosas sacudidas, mudando, assim, seu grau de potência e aumentando-a um pouco. Por outro lado, caso sobrevenham, durante a repetição quase diária do medicamento homeopático adequado, perto do fim do tratamento de um mal crônico, as chamadas agravações homeopáticas (161) com as quais o restante dos sintomas mórbidos parecem aumentar um pouco outra vez (a doença medicinal, semelhante à original, agora se manifesta isoladamente), então, neste caso, as doses devem ser ainda mais reduzidas e repetidas em intervalos mais longos, ou mesmo suspensas durante vários dias, a fim de se verificar se a convalescença ainda necessitará mais ajuda medicinal. Os sintomas aparentes (medicamentosos) causados pelo excesso de medicamento homeopático logo desaparecerão, retornando a saúde. Se usar apenas um recipiente, por exemplo, uma dracma de álcool diluída, no tratamento, em que se coloca e dissolve mediante sacudidas um glóbulo do remédio que se deve usar por uma aspiração nasal cada dois, três ou quatro dias, também este deve ser bem agitado de oito a dez vezes antes de aspirar.

 

* Feita em 40,30, 20, 15 ou 8 colheres de sopa de água à qual se acrescenta um pouco de álcool, ou um pedaço de carvão de lenha para preserva-la. Se empregar carvão, suspende-se o mesmo por um fio no recipiente, tirando-se ao se agitar. A solução do glóbulo medicinal (e raramente é necessário usar mais de um glóbulo) de um remédio inteiramente potencializado em grande quantidade de água é dispensável se fizer uma solução de apenas 7, 8 colheres de sopa de água, e após se haver agitado o recipiente adequadamente, tirar-se deste uma colher de sopa da solução colocando-se em um copo de água (contendo cerca de 7 ou 8 colhes de sopa), agitar-se adequadamente, dando, então, uma dose ao paciente. Se este se mostrar excessivamente agitado e sensível, pode-se colocar mais uma colher de sopa desta solução, em um segundo copo de água, mexendo-se bem, podendo-se dar em doses de colher das de chá (ou dar-se mais). Há pacientes de sensibilidade tal que podem necessitar um terceiro ou quarto copo, preparado de modo semelhante. Deve-se preparar cada copo assim fresco todos os dias. O glóbulo da alta potência é melhor esmagado com alguns grãos de açúcar de leite que o paciente pode colocar no recipiente, sendo dissolvido na quantidade de água necessária.

 

249

Cada medicamento receitado por um caso de doença que,no decurso de seu efeito, produz sintomas novos e perturbadores não pertencentes à moléstia a ser curada, não é capaz de realizar verdadeira melhora*, e não pode ser considerado homeopaticamente selecionado; deve, portanto, ser, se a agravação for considerável, parcialmente neutralizado, com a maior brevidade, com um antídoto antes de se dar o segundo medicamento escolhido com mais exatidão quanto à semelhança de ação; ou, se os sintomas perturbadores não forem muito violentos, o próximo medicamento deve ser dado imediatamente, a fim de substituir o inadequadamente escolhido**.

 

* Como demonstra toda a experiência que a dose do medicamento homeopático especialmente adequado quase não pode ser preparada tão pequena para produzir uma melhora sensível na doença para a qual é apropriado (161-279), agiríamos imprudente e nocivamente se, quando não houvesse melhora, ou houvesse muito pequena, sobreviesse uma piora, repetiríamos ou mesmo aumentássemos a dose do mesmo medicamento, como se faz no velho sistema, na esperança de que não foi eficaz devido à sua pequenez (dose fraca demais). Cada agravação pelo aparecimento de novos sintomas – quando nada ocorreu de desfavorável no regime físico ou mental – invariavelmente prova que o medicamento antes dado foi inadequado no caso de doença sob tratamento, mas jamais indica que a dose foi fraca demais.

 

** O médico bem-informado e prudente demais se verá em situação de precisar dar um antídoto se começar, como aliás deve, a dar o medicamento escolhido na menor dose possível. Uma dose semelhante de um remédio melhor escolhido servirá plenamente para normalizar o estado do paciente.

 

250

Quando, ao médico observador, que investiga com precisão o estado da doença, evidencia-se, nos casos urgentes após passarem-se apenas seis, oito ou doze horas, que fez uma escolha má no medicamento dado pela última vez, e que o estado do paciente está perceptivelmente piorando, embora pouco, de hora em hora, pela ocorrência de novos sintomas e sofrimentos, ele pode, ou melhor, deve, remediar o erro escolhendo e dando um medicamento homeopático que não seja apenas toleravelmente adequado, mas o mais apropriado possível para o estado da doença que está tratando (167).

251

Há alguns medicamentos (como, por exemplo, Ignatia, também a Bryonia e Rus, e, às vezes Belladona) cujo poder de estar a saúde do medicamento consiste principalmente em ações alternantes – uma espécie de sintomas de ação primária que são em parte opostos entre si. Caso o médico julgue, ao receitar um destes, escolhidos de acordo com princípios homeopáticos estritos, que não sobrevêm melhora, na maioria dos casos atingirá logo seu objetivo, administrando (em males agudos,mesmo dentro de poucas horas) nova dose,igualmente pequena, do mesmo remédio*

 

*.Como descrevi com maiores detalhes na introdução à ´Ignatia´ (no segundo volume de Matéria Médica Pura).

 

252

Mas, se considerar, durante o emprego dos outros medicamentos em doenças crônicas, que o remédio homeopático melhor escolhido na dose adequada (mínima) não acarreta uma melhora, é isto sinal certo de que a causa que mantém o mal ainda persiste, e de que há alguma circunstância no modo de vida do paciente, ou na situação em que se encontra, que deve ser removida a fim de que possa realizar-se uma cura permanente.

 

253

Entre os sinais que, em todas as moléstias, especialmente nas de natureza aguda, nos informam de um ligeiro inicio de melhora ou agravação, o qual não é perceptível a todos, o estado de espírito e todo o comportamento do paciente são os mais certos e instrutivos. No caso de melhora, por menor que seja, observa-se maior conforto, calma e despreocupação, melhor humor – uma espécie de retorno ao normal. No caso de agravação, pro menor que seja, observamos o contrário; tensão, desconforto de espírito, da mente, observáveis na atitude geral, nos menores gestos e ações, que podem facilmente ser percebidos mediante observação cuidadosa, mas não podem ser descritos com palavras*.

 

* Os sinais de melhora do humor ou da mente, contudo, só podem ser esperados algum tempo depois de haver o medicamento sido tomado, quando a dose houver sido suficientemente pequena (isto é, tão pequena quanto possível); uma dose desnecessariamente grande, mesmo do remédio homeopático mais conveniente, age de modo excessivamente violento, e produz, primeiro uma perturbação física e mental muito grande e duradoura para permitir-nos verificar logo as melhoras, do estado destas últimas; sem falar das outras desvantagens sobrevindas pelo emprego de doses muito fortes (276). Devo observar aqui que esta regra tão essencial é principalmente transgredida por presunçosos novatos em homeopatia, e por médicos das fileiras da velha escola, convertidos para a homeopatia. Por antigos preconceitos, essas pessoas abominam as doses mínimas das diluições mais baixas de medicamentos em tais casos, e daí deixam de experimentar as grandes vantagens e benefícios do modo de proceder que milhares de experiências têm demonstrado ser o mas salutar; não podem obter tudo o que a homeopatia é capaz de realizar, daí não poderem ser considerados seus adeptos.

 

254

Os outros sintomas novos ou mais desenvolvidos, ou, ao contrário, a diminuição dos primitivos sem qualquer acréscimo de outros, logo dissipará todas as dúvidas da mente do clínico observador e atento, que possam existir com relação à agravação ou melhora, embora haja entre os pacientes pessoas que são incapazes de informar sobre esta melhora ou agravação, ou não querem confessar.

 

255

Mas, mesmo com tais indivíduos, podemos nos convencer disso, seguindo todos os sintomas enumerados em nossas notas sobre a doença, e descobrindo que não se queixam de quaisquer sintomas estranhos além desses, e que nenhum dos velhos sintomas se agravou. Se tal for o caso, e se já se observou melhora física e mental, o remédio deve ter produzido uma diminuição positiva na doença, ou, se não houver se passado tempo suficiente para tal, isso breve ocorrerá. Se ainda, a melhora tardar excessivamente, deve-se a algum erro de conduta por parte do paciente, ou a outras circunstâncias perturbadoras.

 

 

256

Por outro lado, se o paciente mencionar a ocorrência de alguns acidentes e sintomas novos de importância – sinais estes de que o medicamento escolhido não foi estritamente homeopático – embora de boa fé nos assegure que se sente melhor (como não é raro nos casos de tuberculose com lesões exsudativas, não devemos acreditar nessas afirmativas, mas considerar seu estado como se achando mais grave, o que logo se tornará perfeitamente evidente.

 

257

O médico atento terá todo o cuidado de evitar tornar favoritos certos remédios cujo emprego, por acaso, talvez, tenham muitas vezes achado útil, e que tantas vezes teve oportunidade de usar com bons resultados. Se o fizer, certos remédios de emprego mais raro, que teriam sido homeopaticamente mais adequados, consequentemente mais úteis, frequentemente são omitidos.

 

O médico cuidadoso, além disso, não desprezará em sua clínica, por fraqueza devida à pouca confiança, o uso dos medicamentos que foram em certas ocasiões empregados com maus resultados, por escolha errada (por sua própria culpa, portanto), nem evitará seu emprego por outros motivos (desatentos), como por exemplo, o de que não foram homeopáticos para o caso que teve que tratar; deve ter em mente a verdade de que dos agentes medicinais só invariavelmente merece preferência aquele que, em cada caso de doença, corresponde com maior exatidão, por semelhança, à totalidade dos sintomas característicos, e que não devem interferir na escolha preconceitos mesquinhos.

 

259

Considerando a pequenez da dose necessária e própria no tratamento homeopático, podemos facilmente compreender que durante o tratamento tudo o que possa ter qualquer ação medicinal deve ser removido da dieta e do regime,  fim de que a pequena dose não seja obscurecida ou perturbadora por qualquer estimulante* medicinal estranho.

 

* Os tons mais suaves de uma flauta distante que na calada da note inspiraria a um coração ter sentimentos elevados, dissolvendo-o em êxtase religioso, são inaudíveis e impotentes em meio a gritos discordantes e ruídos diurnos.

 

260

Daí a cuidados investigação de tais obstáculos à cura ser ainda mais necessária no caso de pacientes de males crônicos, pois seus males são geralmente agravados por tais influências nocivas e outros erros causadores de moléstias, na dieta e regime, que frequentemente passam despercebidos*.

 

* Café, chá da índia e outras ervas, cerveja preparada com substâncias vegetais medicinais inadequadas ao estado do paciente; os chamados licores finos feitos com aromáticos medicinais; ponches de quaisquer espécies; chocolate aromático; águas aromáticas e perfumes de diversas espécies, flores muito perfumadas no quarto; pós e essências dentais e sachets perfumados, pratos e molhos altamente condimentados, bolos e gelados condimentados; vegetais medicinais crus em sopas; pratos de ervas, raízes e talos de plantas que possuem propriedades medicinais, espargos longos e pontas verdes, lúpulo; aipo, cebola, queijos velhos e carnes em estado de decomposição (como carne e gordura de porco, pato e ganso, ou vitela muito nova ou carnes azedas), devem certamente ser negados aos pacientes, pois estes devem evitar quaisquer excessos na alimentação, no uso de açúcar e sal, bem como bebidas espirituosas não diluídas em água, quartos quentes, roupas de lã diretamente sobre a pele, vida sedentária em recintos fechados, ou abuso de exercícios passivos (como equitação, dirigir carruagens, exercitar-se em balanços), amamentação prolongada, sestas prolongadas deitado (na cama), ficar acordado até tarde da noite, falta de limpeza, práticas anormais, excitação causada pela leitura de livros obscenos, ler deitado, onanismo ou relações sexuais imperfeitas ou suprimidas de modo a evitar concepção, ataques de ira, pesar ou mortificações, paixão pelos jogos, esforço demasiado da mente ou do corpo, especialmente após as refeições, morar em lugares pantanosos, quartos úmidos, levar vida de penúria, etc. Todas estas coisas devem, tanto quanto possível, ser evitadas ou removidas, a fim de que não impeça ou impossibilite a cura. Alguns de meus discípulos parecem aumentar, sem necessidade as dificuldades da dieta dos pacientes, proibindo-lhes o uso de muitas outras coisas toleravelmente indiferentes, o que não é recomendável.

 

261

O regime mais apropriado durante o emprego de medicamentos nos males crônicos consiste na remoção de tais obstáculos à cura, e, quando necessário, em dar o inverso: recreação moral e intelectual, exercício ativo ao ar livre em quase todas as estações (diariamente: passeios, trabalho manual ligeiro), alimentos e bebidas não medicinais adequadas e nutritivas, etc.

 

262

Por outro lado, nas doenças agudas, exceto em casos de alienação mental, o sentido aguçado, infalível, da faculdade preservadora da vida, desperta, determina de modo tão claro e preciso, que o médico só tem que pedir que os amigos e auxiliares não ponham obstáculos à frente desta vez da natureza, recusando qualquer coisa que o paciente deseja, no que respeita a alimento, ou tentando persuadi-lo a ingerir algo prejudicial.

 

263

O desejo do paciente afetado de mal agudo, por alimento ou bebida, é de modo especial de ingerir coisas que lhe dêem alívio paliativo; a rigor, não são de caráter medicinal, servindo apenas para satisfazer um desejo. Os pequenos obstáculos que  satisfação deste desejo, em bases moderadas, poderia oferecer, à cura radical da doença*, serão amplamente compensados e vencidos pelo poder do remédio homeopaticamente adequado e pela força vital que libertará, bem como pela satisfação resultante de tomar o que tanto se queria. Do mesmo modo, nos males agudos, a temperatura do quarto, e o calor ou frescor das cobertas devem estar exatamente de acordo com o desejo do paciente. Ele deve estar a salvo de qualquer preocupações e emoções excitantes.

 

* Isto, no entanto, é raro. Assim, por exemplo, nas doenças inflamatórias, em que o Aconitum é tão indispensável, e cuja ação seria destruída pela ingestão de vegetais ácidos, o desejo do paciente é quase sempre de água pura e fria, apenas.

 

264

O verdadeiro medico deve ter em mão medicamentos os mais legítimos e mais ativos, de modo a contar com a sua força curativa; deve saber ele mesmo julgar de sua legitimidade.

 

265

Deve ser para ele uma questão de consciência estar sempre plenamente convencido de que o paciente toma o medicamento adequado, e, portanto, deve dar ao paciente o medicamento corretamente preparado, aliás, por suas próprias mãos*.

 

* Para chegar a manter este importante principio fundamental de minha doutrina, suportei muitas perseguições desde o inicio de sua descoberta.

 

266

As substâncias pertencentes aos reinos animal e vegetal possuem suas qualidades medicinais em seu estado mais perfeito quando em estado cru*.

 

* Todas as substâncias animais e vegetais cruas têm um poder medicinal maior ou menor, sendo capazes de alterar a saúde do homem, cada uma de sua maneira peculiar. As plantas e animais empregados como alimento pelas nações esclarecidas têm esta vantagem sobre todas as outras, a de que contêm um maior número de constituintes nutritivos; diferem das outras no fato de que seus poderes medicinais, quando ingeridos crus, não são, em si, muito grandes, ou são, então, diminuídos pelos processos culinários a que são submetidos ao serem cozidos para uso doméstico, espremendo-se seus sucos perniciosos (como ocorre com a raiz da mandioca, da América do Sul), pela fermentação (da farinha de cereais e da massa de farinha para fazer-se pão, chucrute preparado sem vinagre e pepinos em conserva), defumado, e pela ação do calor (fervendo, assando ou tostando), pelo que as partes medicinais de muitas dessas substâncias são em parte destruídas e esgotadas. Acrescentando-se sal (salmoura) e vinagre (molhos, saladas) as substâncias animais e vegetais certamente perdem muito de suas qualidades medicinais indesejáveis, embora resultem outras desvantagens. Mas mesmo as plantas que possuem em maior dose poderes medicinais, perdem-nos em todo ou em parte pelos processos seguintes: mediante dissecação perfeita, todas as raízes das diversas espécies de íris, de cocleária, das diferentes espécies de árum, e de peônias, perdem quase toda a sua virtude medicinal. O suco das plantas de maior virulência muitas vezes torna-se uma massa inerte, semelhante ao piche, em virtude do calor empregado ao preparo dos extratos ordinários. Apenas deixando-se ficar algum tempo, o suco espremido das plantas mais mortais tornam-se muito fraco; mesmo a uma temperatura atmosférica moderada, sofre, em pouco tempo, a fermentação alcoólica (perdendo, assim, grande parte de seu poder medicinal), e imediatamente depois da fermentação pútrida e ácida, pela qual perde todas as suas propriedades medicinais peculiares; a fécula que é, então, depositada, se bem lavada, é inócua, como a goma comum. Pela transudação que ocorre quando um grande número de plantas verdes se acham superpostas, perde-se a maior parte de suas propriedades medicinais.

 

267

Tomamos conhecimento dos poderes das plantas indígenas e das que podem ser obtidas frescas, da forma mais completa e certa, misturando seu suco recém extraído, imediatamente, com partes iguais de álcool de força suficiente para queimar em uma lâmpada. Depois que isto permaneceu por um dia e uma noite em um frasco bem arrolhado, havendo-se depositado as matérias fibrosas e albuminosas,o líquido claro que fica por cima é decantado para uso medicinal*.Toda a fermentação do suco vegetal será então impedida pelo álcool com ele misturado, e todo o poder medicinal do suco vegetal é assim retido (perfeito e inalterável) para sempre mantendo-se a preparação em frascos bem arrolhados e lacrados com cera para impedir a evaporação, e mantê-lo protegido da luz solar**.

 

* Buchholz (Taschenb. F. Schidek. U. Apoth. A. d. J., 1815, Weimar, Abth. I, vi) garante a seus leitores (e seu revisor no Leipziger literaturzeitung, 1816, no. 82, não o contradiz) que para este excelente modo de preparar medicamentos damos graças à campanha da Rússia, da qual foi (em 1812) importado para a Alemanha (1813). De acordo com a nobre prática de muitos alemães de serem injustos para com seus próprios compatriotas, ele oculta o fato de que esta descoberta e todas aquelas instruções, que cita em minhas próprias palavras, da primeira edição do Organon de Medicina Racional (230 e nota), procedem de mim, e que fui eu quem primeiro publicou-as ao mundo dois anos antes da campanha da Rússia (o Organon saiu em 1810). Certas pessoas atribuíram a origem de uma descoberta antes aos desertos da Ásia do que a algum alemão a quem caiba a honra. Que tempos! Que costumes! Certamente já se empregou o álcool alguma vez antes desta para se misturar com sucos vegetais, por exemplo, para preserva-los por algum tempo antes de fazer seus extratos, mas jamais para administra-los nessa forma.

 

*  Embora partes iguais de álcool e suco recentemente espremido sejam geralmente a proporção mais adequada para permitir a deposição das matérias fibrosas e albuminosas, requer-se, contudo, para plantas que contenham muito muco grosso (por exemplo, Sumphytum officinale, Viola tricolor, etc.) ou excesso de albumina (por exemplo, Aethusa, Solanum nigrum, etc.), uma proporção dupla de álcool para esse fim. Plantas muito deficientes em suco, como Oleander, Buxus, Taxus, Ledum, sabina, etc., devem primeiramente, ser socadas até se tornarem uma pasta fina, sendo então mexidas com uma dose dupla de álcool, de modo que o suco possa se combinar com ele, e sendo extraído com álcool, de modo que o suco possa se combinar com ele, e sendo extraído com álcool, possa ser exprimidos; estes últimos podem, também, quando secos, ser trazidos a uma milionésima trituração com açúcar de leite, sendo, então, ainda mais diluídos e potencializados (271).

 

268

As outras plantas, cascas, sementes e raízes exóticas, que não podem ser obtidas frescas, jamais serão empregadas pelo medico, pulverizadas, confiando que estejam aptas para uso; este deverá primeiro certificar-se de sua genuinidade em seu estado cru, antes de fazer delas qualquer uso medicinal*.

 

* A fim de preserva-las no estado pulverizado, a precaução, até agora omitida pelos farmacêuticos, é necessária, já que, negligenciadas, não podem ser preservadas sem se alterarem, mesmo em frascos bem fechados. As substâncias ainda inteiras, cruas, embora perfeitamente secas, ainda contêm, como condição indispensável de sua contextura, certa quantidade de umidade, que realmente não impede que a droga não pulverizada permaneça tão seca quanto é necessário para preserva-la de sofrer alteração, mas que é demasiada para o estado de finamente pulverizada. A substância animal ou vegetal que em seu estado integral achava-se perfeitamente seca, que, sem se estragar e mofar rapidamente, não pode ainda ser preservada em frascos fechados, sem que antes se elimine esta umidade supérflua. Isto se consegue melhor espalhando-se o pó em um pires de estanho de bordas levantadas, que flutua em um vaso cheio de água fervente (isto é, em banho-maria), e mexendo-se, e secando-se a tal ponto, que todas as suas pequenas partes não mais se agrupem em blocos, mas qual areia seca e final, facilmente separam-se, transformando-se logo em pó. Neste estado de escura os pós finos podem ser guardados para sempre inalterados em frascos bem fechados e selados, com todos os seus poderes medicinais originais completos, inalteráveis, sem mofar ou bichar; e são melhor preservados quando os frascos são protegidos contra a luz do dia (em caixas, estantes, caixotes cobertos). Se não forem encerradas em vasos impermeáveis, nem preservadas do acesso da luz do sol e do dia, todas as substâncias animais e vegetais, com o tempo, perdem gradativamente, cada vez mais, seu poder medicinal, o que ocorre mesmo em seu estado integral, mais ainda mais se pulverizadas.

 

269

O método homeopático de cura desenvolve, para seu uso especial, a um grau até agora nunca visto, os poderes medicinais internos das substâncias cruas mediante um processo que lhe é peculiar, e que até agora jamais foi tentado, pelo que somente eles todos se tornam imensuravelmente e penetrantemente eficaz*, mesmo os que no estado cru não dão provas da menor ação medicamentosa sobre o corpo humano. Esta mudança notável nas qualidades dos corpos naturais desenvolve os poderes dinâmicos (11), latentes, até agora despercebidos, como se estivessem adormecidos**, ocultos, que afetam o principio vital, e alteram o bem-estar da vida animal***. Isto se obtém por ação mecânica sobre suas menores partículas, esfregando e sacudindo (pelo acréscimo de uma substância indiferente seca ou líquida, separam-se uma da outra). Este processo chama-se dinamização (desenvolvimento do poder medicinal) e os produtos são dinamizações**** ou potências, em graus diversos.

 

  • Muito antes desta minha descoberta, a experiência havia recomendado varas mudanças que poderiam ser realizadas em diversas substâncias naturais, por meio de fricção, por exemplo, temperatura média ou elevada, fogo, desenvolvimento de odor em corpos inodoros, magnetização do aço, e assim por diante. Mas todas estas propriedades produzidas por fricção relacionavam-se apenas a coisas físicas e inanimadas, enquanto que há uma lei da natureza, pela qual as mudanças fisiológicas e patogenéticas ocorrem no organismo vivo, por meio de forças capazes de alterar a matéria crua das drogas, mesmo nas que jamais mostraram propriedades medicinais. Isto é produzido triturando-se e agitando-se, mas desde que se empregue, em certas proporções, um veículo indiferente. Esta maravilhosa lei física, especialmente, fisiopatogênica da natureza, não havia sido descoberta antes de meu tempo. Não é de admirar, portanto, que os estudantes atuais da natureza e médicos (que até agora a desconhecem), não podem ter fé nos poderes mágicos curativos das doses mínimas de medicamentos preparados de acordo com as regras homeopáticas (dinamizadas).

 

** O mesmo se verifica numa barra de ferro ou aço em que um vestígio adormecido da força magnética oculta não pode ser reconhecida em seu interior. Ambas, após serem terminadas na forja, erguem-se, repelem o pólo norte de uma agulha magnética com a extremidade inferior e atraem o pólo sul, ao passo que a extremidade superior apresenta-se como o pólo sul da agulha magnética. Mas isto é apenas uma força latente nem mesmo as partículas mais finas de ferro podem ser atraídas magneticamente, ou seguras e a cada uma das extremidades de tal barra. Só depois que esta barra de aço for dinamizada, esfregando-se com uma lima cega em apenas uma direção, tornar-se-á ela um verdadeiro e poderoso imã ativo, capaz de atrair ferro e aço e, por simples contato comunica a outra barra de aço, mesmo a certa distância, força magnética, o que se dá em grau tanto maior quanto mais se esfregar. Do mesmo modo, triturar uma substância medicinal e sacudir sua solução (dinamização, potencialização) desenvolvem seus poderes medicinais ocultos em seu interior, manifestando-os cada vez mais, por assim dizer, espiritualizando a própria substância material.

 

*** Por causa disto, referem-se apenas ao aumento e desenvolvimento maior de seus poderes para causar alterações na saúde de animais e homens, se estas substâncias naturais, forem aproximadas à fibra sensitiva viva ou trazidas em contato com ela (mediante ingestão e olfação). Assim como uma barra magnética, principalmente se sua força aumentada (dinamizada), pode mostrar poder magnético somente em uma agulha de aço que esteja próxima ou em contato com ela. O aço propriamente dito, permanece inalterado em suas propriedades químicas e físicas remanescentes e não pode produzir alterações em outros metais (como por exemplo, bronze), e tampouco os medicamentos dinamizados podem produzir efeitos em coisas inanimadas.

 

**** Ouvimos todo dia que as potências medicinais homeopáticas são chamadas de meras diluições, quando são o contrário, isto é, um verdadeiro aumento das substâncias naturais que trazem à luz e revelam os poderes medicinais específicos ocultos que convém, sendo despertados esfregando-se e sacudindo-se. O auxilio de um meio de atenuação não medicinal escolhido, é apenas uma condição secundária. A mera diluição, por exemplo, a solução de um grão de sal tornar-se-á água, o grão de sal desaparecerá com a diluição em água demasiada, e jamais desenvolverá poder medicinal que, mediante nossa dinamização bem preparada, é elevado a um poder maravilhoso.

 

270

A fim de obter da melhor maneira esse desenvolvimento da potência, uma pequena parte da substância a ser dinamizada, por exemplo, um grão é triturado três horas com três vezes cem grãos de açúcar de leite, de acordo com o método descrito abaixo(*1) até a milionésima parte em forma pulverizada. Por motivos que damos abaixo, um grão desse pó é dissolvido em 500 gotas de uma mistura de uma parte de álcool (*2) para quatro de água destilada, da qual se põe uma gota em um frasco. A isto acrescentam-se 100 vezes com uma mão contra um corpo duro, porém elástico (*3). Este é o medicamento no primeiro grau de dinamização com que se podem, então, umedecer (*4) pequenos glóbulos de açúcar (*5) e espalha-los sobre papel de filtro a fim de secar, guardando-se em um frasco com o sinal (I) do grau de potência. Só se toma um desses glóbulos (*6) para dinamização ulterior, colocando-se em um segundo frasco (com uma gota de água a fim de dissolve-lo) e então em 100 gotas de álcool de boa qualidade e dinamizado da mesma forma com 100 sucussões violentas. Com esse líquido medicinal alcoólico os glóbulos são novamente umedecidos, espalhados sobre papel de filtro e secos rapidamente, postos em frascos bem fechados e protegido do calor e da luz solar, recebendo o sinal (II) da segunda potência. Prossegue-se, desse modo, o processo até alcançar a vigésima nona. Então, com 100 gotas de álcool mediante 100 sucussões, forma-se um líquido alcoólico medicinal com o qual se dá o trigésimo grau de dinamização aos glóbulos de açúcar secos devidamente umedecidos. Mediante essa manipulação de drogas em estado bruto produzem-se preparações que só assim alcançam a capacidade plena de afetar as partes atingidas do organismo doente. Desse modo, mediante uma simples afecção de enfermidade semelhante artificial, a influência da doença natural ao principio vital encerrado no interior do organismo é neutralizada. Por meio desse processo mecânico, desde que realizado regularmente de acordo com a técnica descrita acima, opera-se uma mudança na droga que em estado bruto apresenta-se apenas como material, às vezes como matéria não medicinal; mas por meio de uma dinamização cada vez maior, é alterada e sutilizada, enfim, como um poder medicinal (*7), que, de fato, por si só, não cai em nossos sentidos mas para o qual o glóbulo medicinalmente preparado, seco ainda mais quando dissolvido em água, torna-se o veículo, e assim manifesta o poder curativo dessa força invisível, no organismo doente.

 

*1 – Uma terça parte de cem grãos de açúcar de leite é colocada num recipiente de porcelana vidrada, cujo fundo tornou-se áspero esfregando-se com areia fria e úmida. Sobre este pó, coloca-se um grão de droga pulverizada a ser triturada (uma gota de mercúrio, petróleo, etc.). O açúcar de leite empregado para a dinamização deve ser de qualidade tão pura que se cristaliza de modo que venha a nós em forma de longas barras. Por um momento, o medicamento e o pó são misturados com uma espátula de porcelana e vigorosamente triturados, de seis a sete minutos, no recipiente cujo fundo se tornou áspero, sendo então a massa raspada do fundo do recipiente durante três ou quatro minutos, de modo a torna-la homogênea. Após isto, tritura-se do mesmo modo de seis a sete minutos, sem se acrescentar nada mais, e novamente raspando-se de três a quatro minutos, o que aderiu ao recipiente. A segunda terça parte do açúcar de leite é agora acrescentada e misturada com a espátula, e outra vez triturada de seis a sete minutos, ao que se segue a raspagem durante três ou quatro minutos, e a trituração, sem mais nada se acrescentar, durante seis ou sete minutos. A última terça parte de açúcar de leite é então acrescentada, misturada com a espátula e triturada, como antes, seis ou sete minutos, unindo-se com o maior cuidado, raspando-se. O pó assim preparado é posto em um frasco, arrolhando-se bem, protegido da luz solar direta, ao qual se dá o nome da substância do primeiro produto, marcado 100. a fim de elevar esse produto a 10.000, um grão do produto em pó/100 é misturado com a terça parte de 100 grãos de açúcar de leite pulverizado, procedendo-se então como antes, mas cada terça parte deve ser cuidadosamente triturada duas vezes, cada vez de modo completo, durante seis ou sete minutos, raspando-se três ou quatro minutos antes da segunda e última terça parte de açúcar de leite serem acrescentadas. Depois de cada terça parte, procede-se da mesma maneira. Quando se houver terminado, o pó é colocado em um frasco bem arrolhado e rotulado / 10.000. se, agora, acrescentar-se, da mesma maneira, um grão deste último pó, e se prepara do mesmo modo conter-se-á o milionésimo, isto é, cada grão conterá um milionésimo da substância original. Portanto, tal trituração dos três graus requer seis vezes de seis a sete minutos para triturar, e seis vezes de três a quatro minutos para raspar, portanto, uma hora para cada grau. Depois de uma hora dessa trituração do primeiro grau, cada grão conterá 1/100; do segundo 1/10.000 e no terceiro 1/1.000.000 da droga empregada (estes são os três graus de trituração do pó seco, que, se efetuada corretamente será um bom começo para a dinamização da substância medicinal). O gral, o pilão e a espátula devem ser bem limpos antes de serem usados para outros medicamentos. Tendo sido bem lavados, primeiro com água morna, e secos, esses objetos, bem como a espátula, são postos em uma caçarola de água fervente durante meia hora. Devemos tomar cuidado a ponto de colocar estes utensílios sobre carvões ardentes (hoje, passam-se no autoclave acima de 100 graus durante pelo menos meia hora – nota do tradutor).

 

*2 – O recipiente empregado para potencializar acha-se cheio até a altura de dois terços de sua capacidade.

 

*3 – Talvez em um livro com capa de couro.

 

*4 – São preparadas por um confeiteiro, sob vigilância, com goma de açúcar, e os pequenos glóbulos são libertados das partes finamente cobertas de pó, fazendo-os passar por uma peneira. Passam então por um coador que permita somente a passagem de 100 glóbulos, pesando apenas um grão, o tamanho mais útil para as necessidades de um médico homeopata.

 

*5 – Pequeno vaso cilíndrico, com o formato  de um dedal, feito de vidro, porcelana ou prata, com uma pequena abertura no fundo em que se colocam os glóbulos para serem dados como remédio. São umedecidos com um pouco de álcool medicinal dinamizado, sacudidos e espalhados sobre papel de filtro, a fim de secarem rapidamente.

 

*6 – De acordo com as primeiras instruções, devia-se levar uma gota do líquido de uma potência menor para 100 gotas de álcool para uma potencialização mais elevada. Esta proporção do medicamento, de atenuação ao medicamento a ser dinamizado (100:1) foi julgada demasiado reduzida para poder desenvolver completamente e a um grau elevado o poder do medicamento, sacudindo-se diversas vezes sem se empregar muita força, fato este que experiências cansativas me levaram a crer. Mas, se se tornar apenas um desses glóbulos, dos quais 100 pesem um grão, dinamizando-se com 100 gotas de álcool, obter-se-á uma proporção de 1 para 50.000, e maior, pois 500 desses glóbulos mal podem absorver uma gota para a sua saturação. Como esta razão desproporcionada é mais elevada, entre o medicamento e o meio de diluição, diversas sacudidas sucessivas do frasco cheio a dois terços de sua capacidade, com álcool, podem produzir um desenvolvimento de potência muito maior. Mas, com um meio de diluição tão diminuto, com 100 para 1 do medicamento, se diversas sucussões forem dadas por meio de uma máquina poderosa, obtêm-se medicamentos que, especialmente nos graus mais elevados de dinamização, agem quase imediatamente, mas com violência demasiada, mesmo perigosa, especialmente em pacientes fracos, sem que haja uma reação suave, duradoura, do principio vital. Mas o método descrito por mim, ao contrário, produz medicamentos com o maior desenvolvimento de potência, e de ação mais suave, que, contudo, se bem escolhidos, atingem todas as partes curativamente*. Nas febres agudas, as pequenas doses dos graus menos dinamizados destes preparados assim aperfeiçoados, mesmo os de medicamentos de longa duração (por exemplo, a Belladona) podem ser repetidos em breves intervalos. No tratamento de males crônicos, é melhor começar com os graus de dinamização menos elevados, e, quando necessário, passar para um maior, mesmo mais poderoso, mas de ação suave.

 

* Em casos muito raros, não obstante a recuperação quase completa da ação, e com a boa força vital, se uma afecção local antiga permanecer, é inteiramente permissível como também necessariamente indispensável administrar doses progressivas do medicamento homeopático que se tenha demonstrado eficaz, mas potencializado a um grau elevado por meio de diversas sucussões dadas com a mão. Então a enfermidade localizada geralmente desaparece de modo maravilhoso.

 

*7 – Essa assertiva não parecerá improvável se considerarmos que por meio desse método de dinamização (as preparações assim produzidas, conforme descobri após muitas experiências e contra-experiências, são as mais poderosas, e, ao mesmo tempo, as de ação mais suave, isto é, as mais perfeitas), a parte material do medicamento é diminuída com cada grau de dinamização 50.000 vezes e ainda incrivelmente aumentadas em poder, de modo que a dinamização subseqüente de 125 a 18 zeros alcança apenas o terceiro grau de dinamização. A trigésima assim progressivamente preparada daria uma fração quase impossível de exprimir em números. Torna-se extraordinariamente evidente que a parte material mediante essa dinamização (desenvolvimento de sua essência interna verdadeira, medicinal) se desdobrará finalmente em sua essência individual e imaterial. Portanto, em seu estado bruto, pode ser considerada como consistindo realmente apenas desta essência imaterial não desenvolvidas.

 

271

Se o próprio médico prepara seus medicamentos homeopáticos, como deve fazer sensatamente para salvar os doentes de suas doenças*, pode usar a própria planta fresca, visto que só um pouco da substância crua será necessária, se não necessitar do suco espremido talvez para fins curativos. Ele coloca alguns grãos em um recipiente e com 100 grãos de açúcar de leite, leva-os a uma trituração mínima (271) antes de potencializar ainda mais uma pequena porção disso mediante sucussões, prática a ser observada também com o resto das substâncias cruas, quer secas ou oleosas.

 

* Até que o Estado, no futuro, após haver atingido uma compreensão da indispensabilidade dos homeopáticos perfeitamente preparados, os fará preparar por uma pessoal competente e imparcial, a fim de dá-los gratuitamente a médicos homeopatas treinados em hospitais homeopáticos, que tenham sido examinados teórica e praticamente, e assim legalmente qualificados. O médico pode, então, convencer-se desses instrumentos divinos de curar, e também dá-los gratuitamente a seus pacientes, seja eles ricos ou pobres.

 

272

Esse glóbulo*, colocado seco sobre a língua, é uma das menores doses para um caso moderado recente de doença. Ai apenas alguns nervos são atingidos pelo medicamento. Um glóbulo semelhante, esmagado com um pouco de açúcar de leite e dissolvido em muita água (247) e bem mexido antes de cada vez que se dá, produzirá um medicamento muito mais forte para ser usado durante vários dias. Cada dose, não importa quão pequena seja, atinge diversos nervos.

 

* Estes glóbulos (270) retêm sua virtude medicinal durante muitos anos, se forem protegidos da luz solar e do calor.

 

273

Em nenhum caso sob tratamento é necessário e, portanto, permissível administrar a um paciente mais de uma única e simples substância medicinal de uma vez. É inconcebível possa existir a menor dúvida quanto ao que é mais de acordo com a natureza e mais racional – prescrever um único, simples medicamento* de cada vez em uma doença, ou o acréscimo de diversas drogas de ação diferente. Não é absolutamente permissível em homeopatia, a única, verdadeira, simples e natural arte de curar, dar ao paciente duas substâncias medicinais diferentes de cada vez.

 

* Duas substâncias opostas, unidas em sódio neutro e seus sais por afinidade química em proporções invariáveis, bem como metais sulfurados encontrados na terra, e os produzidos por meios técnicos em proporções constantes de enxofre e sais e terras alcalinas, por exemplo (natrum sulphuricum e calcarea sulphurica), bem como os éteres produzidos pela destilação de álcool e ácidos, podem juntamente com o fósforo ser considerados como substâncias medicinais simples pelo medico homeopata e usados em pacientes. Por outro lado, os extratos obtidos por meio de ácidos dos chamados alcalóides de plantas, são sujeitos a grande variedade em sua preparação (pro exemplo, o quinino, a estricnina, a morfina), e não podem, portanto, ser aceitos pelo medico homeopata como medicamentos simples, sempre os mesmos, principalmente porque ele tem, nas próprias plantas em seu estado natural (quina, noz-vômica, ópio), todas as qualidades necessárias para curar. Além disso, os alcalóides não são os únicos constituintes das plantas.

 

274

Como o verdadeiro médico encontra nos medicamentos simples, administrados exclusivamente e sem estarem combinados, tudo o que possa desejar (forças das moléstias artificiais que são capazes, por seu poder homeopático, de vencer, extinguir e curar de modo completo e permanente as doenças naturais), ele jamais, conhecedor do sábio provérbio que reza ser ´errado tentar empregar meios complexos quando bastam os simples´, pensar em dar como medicamento qualquer substância que não seja simples e única; também por estas razões, porque muito embora os medicamentos simples fossem inteiramente experimentados, quanto a seus efeitos puros peculiares no individuo são, é ainda impossível prever como duas ou mais substâncias medicinais poderiam, conjugadas, mutuamente alterar e obstar as ações de cada uma no organismo humano; e porque, por outro lado, uma substância medicinal simples, quando usada em doenças, sabendo-se a totalidade dos sintomas, presta ajuda eficiente por si só, se for homeopaticamente escolhida; e supondo que o pior aconteça, que não foi escolhida rigorosamente de acordo com a semelhança de sintomas, não servindo, portanto, e ainda tão útil, por promover nosso conhecimento de agentes terapêuticos, porque, pelos novos sintomas excitados por ela em tais casos, os sintomas que esta substância medicinal já havia demonstrado em experiências, na saúde do corpo humano, se confirmam, vantagem esta que é perdida pelo emprego de todos os remédios compostos*.

 

* Quando o médico sensato escolheu o remédio homeopaticamente perfeito para o caso de doença, que estudou minuciosamente, e administrou-o internamente, deixará à rotina irracional alopática a prática de dar bebidas ou estimulantes de plantas diferentes, de injetar clisteres medicinais e de passar esse ou aquele ungüento.

 

275

A conveniência de um medicamento para qualquer caso determinado de doenças não depende apenas de sua correta seleção homeopática; depende, também, da grandeza, ou melhor, da pequenez da dose. Se dermos uma dose demasiadamente forte de um medicamento que possa ter sido homeopaticamente escolhido para o estado mórbido sob tratamento, ela deve, não obstante o seu caráter benéfico inerente, revelar-se prejudicial apenas por sua quantidade, e pela impressão desnecessária, demasiadamente forte que, em virtude de sua semelhança homeopática de ação, produz na força vital que ataca e, por meio da força vital, nas partes do organismo que são mais sensíveis e agora mais afetadas pelas doenças naturais.

 

276

Por essa razão, um medicamento, muito embora seja homeopaticamente adequado ao caso de doença, é prejudicial em cada dose que for excessiva, e, em doses fortes, é ainda mais prejudicial quanto maior a homeopaticidade e quanto maior potência escolhida*, sendo muito mais prejudicial que qualquer dose grande de um medicamento que não é homeopático e de nenhum modo adequado ao estado mórbido (alopático). Doses demasiadamente grandes de um medicamento homeopático corretamente escolhido, e principalmente quando frequentemente repetido, causam, via de regra, muitas dificuldades. Não raro, põem o paciente em perigo de vida ou tornam sua doença quase incurável. De fato, extinguem a doença natural, no que concerne à sensação do principio vital, e o paciente não sofre mais da doença original desde o momento em que a dose excessiva do medicamento homeopático agiu sobre ele, mas acha-se consequentemente mais doente da doença semelhante, mas muito mais violenta, de natureza medicinal que é dificílima de curar**.

 

  • Os elogios feitos nos últimos anos, por alguns homeopatas, às doses maiores devem-se ao fato de que escolheram, potências pouco elevadas do medicamento a ser administrado (como eu mesmo fazia, há uns vinte anos, por não conhecer nenhum melhor), ou ao fato de que os medicamentos escolhidos não eram homeopáticos e imperfeitamente preparados por seus fabricantes.

 

** Assim, o uso continuo de grandes doses de agentes alopáticos violentos à base de mercúrio contra sífilis desenvolve doenças causadas pelo mercúrio que são quase incuráveis, quando ainda uma ou diversas doses de preparado à base de mercúrio, suave, porém ativo, certamente teria curado radicalmente em poucos dias a doença venérea, juntamente com o cancro, desde que não tivesse sido destruído por meios externos (como sempre ocorre com a alopatia). Do mesmo, o alopata dá quina e quinina diariamente em grandes doses, para febre intermitente, quando são corretamente indicadas e quando uma pequena dose de quina altamente potencializada seria de ajuda infalível (nas febres de pântano intermitente e mesmo nas pessoas que não foram afetadas por qualquer mal psorico evidente). Produz-se uma doença crônica na quina (combinada, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento da Psora), que, se não matar o paciente aos poucos, danificando os órgãos internos mais importantes, principalmente o baço e o fígado, deixa-lo-ia, contudo, durante anos a sofrer com a saúde muito abalada. Mal se pode conceber um antídoto homeopático para tal estado produzido pelo abuso de grandes doses de medicamentos homeopáticos).

 

277

Pela mesma ação, e porque um remédio, desde que a dose tenha sido suficientemente pequena, é tanto mais salutar e quase maravilhosamente eficaz, quanto mais homeopaticamente correta talvez sido sua relação, um remédio cuja escolha tenha sido corretamente homeopática deve ser tanto mais salutar quanto sua dose for reduzida ao grau de apropriada pequenez para um efeito terapêutico suave.

 

278

Aqui surge a questão: qual o grau de pequeno mais adequado para um efeito medicinal certo e seguro? Em suma, qual o tamanho da dose de cada remédio, homeopaticamente escolhido para um caso de doença, que melhor realiza essa cura? Para resolver esse problema, e determinar para cada remédio qual a sua dose que deverá ser suficiente para fins terapêuticos homeopáticos e ainda ser tão diminuta que a mais suave e rápida das curas pode ser, então realizada; como facilmente pode ser percebido, a solução do problema não é trabalho de especulação teórica; por meio de raciocínio sutil, ou sofisticação minuciosa, não podemos esperar obtê-la. É tão impossível quanto calcular de antemão todos os casos imagináveis. Só mediante experiência pura, observação cuidadosa da sensibilidade de cada paciente, e por prática é que se pode determinar isto em cada caso particular, e seria absurdo aduzir as grandes doses de medicamentos inadequados (alopáticos) da antiga escola, que não tocam o lado doente do organismo homeopaticamente, mas apenas atacam as partes inatingidas pela doença, contra o que a experiência pura declara no que respeita à pequenez das doses necessárias para as curas homeopáticas.

 

279

Esta experiência pura demonstra universalmente que se a doença não depende manifestamente de uma deterioração considerável de algum órgão importante (muito embora pertença às doenças crônicas e complicadas) e se durante o tratamento todas as influências medicinais estranhas forem afastadas do paciente – a dose do remédio homeopaticamente escolhido e altamente potencializado para o começo do tratamento de uma doença séria (especialmente, crônica) não pode jamais ser preparada em regra, tão pequena que não seja mais forte que a doença natural e que não possa domina-la, pelo menos em parte, extinguindo-a da sensação do principio vital, efetuando, assim, o começo de uma cura.

 

280

A dose do medicamento que continua a servir sem produzir novos sintomas indesejáveis deve ser continuada, embora de modo crescente, enquanto o paciente, com melhora geral comece a sentir aos poucos o retorno de um dos velhos sintomas originais. Isto indica uma cura próxima através de aumento gradativo das doses moderadas modificadas, cada vez, por sucussões (247). Indica que o principio vital não mais precisa ser afetado por uma doença medicinal semelhante a fim de perder a sensação da doença natural (148). Indica que o principio vital, livre agora da doença natural, começa a sofrer apenas de algo da doença medicinal conhecida como agravação homeopática.

 

281

A fim de se convencer disso, o paciente é deixado sem qualquer medicamento por oito, dez ou quinze dias, e, neste ínterim recebe somente alguns pós de açúcar de leite. Se as poucas últimas queixas devem-se ao fato de o medicamento simular os sintomas da antiga doença original, então estas queixas desaparecerão em alguns dias ou horas. Se durante esses dias sem medicamento, embora continuando as boas regras de higiene, não se vê nada mais da doença original, ele se acha, provavelmente, curado. Mas, se nos próximos dias se apresentarem vestígios dos antigos sintomas mórbidos, são eles remanescentes da doença original que não se extinguiu totalmente, que devem ser tratados com doses mais potentes do remédio, na forma indicada acima. Para obter uma cura, as primeiras doses devem, igualmente, ser outra vez elevada gradativamente, mas menores, e mais devagar, com pacientes em que se nota uma irritabilidade considerável, do que com os menos suscetíveis, em que o avanço para a dosagem mais elevada pode ser mais rápida. Há pacientes cuja impressionabilidade comparada com os de pouca suscetibilidade é de 1.000 para 1.

 

282

Seria sinal certo de que as doses são excessivas se, durante o tratamento, principalmente nas doenças crônicas, a primeira dose acarretasse a chamada agravação homeopática, isto é, um aumento notável dos sintomas mórbidos primitivos originalmente observados, e, do mesmo modo, cada dose (247), embora um tanto modificada por sucussões antes de ser administrada (mais altamente dinamizada)*.

 

* A regra para começar o tratamento homeopático de doenças crônicas com as mínimas doses possíveis e apenas gradativamente  aumentadas, está sujeita a uma notável exceção no tratamento dos três grandes miasmas, enquanto ainda se achem na pele, isto é, sarna recente, cancro ainda não tratado (nos órgãos sexuais, boca ou lábios, etc.), e os condilomas. Estes não só toleram, mas também necessitam, desde o começo, grandes doses de seus meios de cura específicos em grau de dinamização cada vez mais alto (talvez até diversas vezes por dia). Não se deve temer, se adotar tal procedimento, que, como ocorre no tratamento de doenças ocultas no organismo, a dose excessiva, embora extinga a doença, possa dar inicio a uma nova doença medicamentosa e, pelo uso continuado, a uma doença medicamentosa crônica. Não é este o caso durante a manifestação externa mencionada desses três miasmas, visto que em sua base, pelo progresso diário em seu tratamento, podemos observar e julgar a que grau as grandes doses obstam ao principio vital, dia após dia, as sensações desta doença, pois nenhuma das três pode ser curada, sem que dêem ao médico, através de seu desaparecimento, a convicção de que não há mais necessidade de tais medicamentos. Visto que as doenças, de um modo geral, são apenas ataques dinâmicos sobre o principio vital, não estando em sua base qualquer principio material, qualquer matéria peccans (como a velha escola em seu despropósito tem inventado durante milhares de anos e tratado desse modo os doentes sempre para seu prejuízo), não há, também, nestes casos, na da material a remover, nada a retirar, cauterizar, nada a ligar ou cortar, sem fazer com que o doente se torne cada vez mais doente e mais difícil de curar, do que ele era antes de serem tocadas as manifestações exteriores destes três grandes miasmas. A influência dinâmica hostil sobre o principio vital constitui a essência desses sinais externos dos miasmas malignos internos que só se pode extinguir pela ação de um medicamento homeopático sobre o principio vital, afetando o mesmo deforma semelhante porém mais forte, privando-o de tal modo da sensação interna e externa do inimigo mórbido de tipo não material que esta já não mais existe para o principio vital (para o organismo), libertando, assim, o doente de seu mal, curando-o. Não obstante, a experiência ensina na verdade, que apenas a sarna, com sua manifestação externa e o cancro juntamente com o miasma venéreo interno, podem e devem curar-se exclusivamente com os medicamentos específicos, tomados internamente. Contudo, quando os condilomas já se encontram há algum tempo sem tratamento necessitam para sua completa cura a aplicação externa de seu medicamento especifico, a par de sua administração interna.

 

283

A fim de agir internamente de acordo com a natureza, o artista verdadeiro da arte de curar receitará, com exatidão, o remédio homeopático mais indicado, em todos os aspectos,e por isso mesmo, em dose muito pequena. Pois, caso se engane, por fraqueza humana, em empregar um medicamento inadequado, a desvantagem desta relação errônea para com a doença seria tão pequena que o paciente poderia, por sua própria força vital, e opondo, em tempo (249) um remédio corretamente escolhido de acordo com a semelhança de sintomas (e igualmente pequeno em dose pequena), extingui-la e repara-la rapidamente.

 

284

Além da língua, boca e estômago, que são mais comumente afetados pela administração do medicamento, o nariz e os órgãos respiratórios recebem a ação de medicamentos em forma fluida, por meio da olfação e inalação através da boca. Todo o revestimento cutâneo é adaptado à ação de substâncias medicinais em soluções, principalmente se combinar a fricção com a administração interna*.

 

* O poder dos remédios que agem no lactente por meio do leite materno ou de ama é maravilhosamente valioso. Cada doença de uma criança cede aos remédios corretos homeopaticamente escolhidos, dados em doses moderadas à lactante, e, assim, administrados, são mais fácil e certamente utilizados pelas crianças do que seria possível mais tarde. Visto que a maioria das crianças geralmente recebe a Psora através do leite da ama, se já não a herdaram da mãe, podem ao mesmo tempo proteger-se antipsoricamente pelo leite da ama assim medicada. Mas no caso de mães em sua (primeira) gravidez, as dinamizações de enxofre preparadas de acordo com as instruções baixadas neste edição (270), são indispensáveis a fim de destruir a Psora – a produtora da maioria dos males crônicos – que lhes é hereditariamente transmitida; destruí-la em si próprias e no feto, assim protegendo antecipadamente a posteridade. Isto se aplica às mulheres grávidas assim tratadas; têm dado à luz crianças geralmente mais sadias e fortes, para o espanto geral, o que é mais uma confirmação da grande verdade da teoria da Psora por mim descoberta.

 

285

Desse modo, a cura de males muito antigos pode ser ativada pelo médico, aplicando externamente (esfregando as costas, braços, extremidades inferiores), o mesmo medicamento que aplica internamente e que demonstrou ter poder curativo. Assim procedendo, deve evitar as partes sujeitas a dor ou espasmos, ou erupções de pele.

 

* Assim se explicam as curas maravilhosas, embora raras, em que pacientes crônicos deformados, cuja pele era, não obstante, sadia e limpa, forma rápida e permanentemente curados após alguns banhos cujos constituintes medicinais (embora por acaso) eram homeopaticamente correlatos. Por outro lado, os banhos minerais com grande freqüência acarretam danos maiores nos pacientes cujas erupções de pele foram erradicadas. Após um breve período de bem-estar, o principio vital permita que o mal interno, não curado, retornasse em outra parte mais importante para a vida e a saúde. Em vez disso, às vezes, o nervo ocular paralisava-se e produzia amaurose, às vezes se anuviava o cristalino, perdia-se a audição, seguiam-se à loucura sufocante, ou uma apoplexia terminava com os sofrimentos do iludido enfermo. Um principio fundamental do medico homeopata (que o distingue dos médicos de todas as escolas mais antigas) e que jamais emprega para qualquer paciente um medicamento cujos efeitos não tenham sido previa e cuidadosamente experimentados e estudados por ele (20 – 21). Prescrever para o doente na base de mera conjetura de alguma utilidade possível para o doente, ou por ouvir dizer, ´que um remédio foi útil em tal e tal doença´, tal falta de consciência o homeopata filantrópico deixará para o alopata. Um legitimo médico, o praticante de nossa arte, portanto, jamais enviará o doente a qualquer dos muitos banhos minerais, pois quase todos são até agora desconhecidos quanto a seus efeitos exatos e positivos na saúde humana, e quando mal empregados, constam-se entre as drogas mais violentas e perigosas. Deste modo, em mil enviados aos mais célebres destes banhos por médicos ignorantes, alopaticamente incurados e cegamente enviados, talvez um ou dois se curem por acaso, e, mais frequentemente, voltam apenas aparentemente curados, proclamando-se o milagre. Centenas, contudo, retiram-se sem alarde mais ou menos pior e os outros preparam-se para seu descanso eterno, fato que se comprova pela presença de numerosos cemitérios que circundam estas afamadas estações de águas*.

 

*O verdadeiro medico homeopata, que jamais age sem fundamento correto, jamais joga com a vida dos doentes que lhe são confiados como se fosse uma loteria em que a proporção de ganho é de 1 para 500 ou mil (e onde os bilhetes brancos representam a agravação ou morte), e jamais exporá qualquer um de seus pacientes a tais perigos ou manda-lo-á a tais banhos, jogando com o acaso, como ocorre tal frequentemente com os alopatas, a fim de se livrarem airosamente dos doentes estragados por eles ou por outros.

 

286

As forças dinâmicas magnéticas, elétrica e galvânica não agem menos poderosamente no principio vital e não são menos homeopáticas que os denominados medicamentos que neutralizam o mal ingerindo-se pela boca, ou esfregando-se na pele ou inalando-se. Pode haver doenças, especialmente doenças da sensibilidade, sensações anormais, e movimentos musculares involuntários que podem ser assim curados. Mas o modo mais certo de aplicar os dois últimos, bem como os da chamada máquina eletromagnética, ainda se acha muito obscuro para se fazer dele uso homeopático. Até agora tanto a eletricidade como o galvanismo têm sido empregados somente como paliativos, para grande prejuízo dos doentes. A ação pura, positiva de ambos no corpo humano sadio foi até agora muito pouco experimentada.

 

287

Os poderes de um imã para fins curativos podem ser usados com mais certeza, de acordo com os efeitos positivos detalhados na Matéria Médica Pura, sob os pólos norte e sul de poderosa barra magnética. Embora ambos os pólos sejam igualmente poderosos, opõem-se contudo, de acordo com sua respectiva ação. As doses podem ser modificadas pela duração do tempo de contato com um ou outro pólo, conforme os sintomas de pólo norte ou sul indicarem. Como antídoto de uma aplicação muito violenta, bastará a aplicação de uma chapa de zinco polido.

 

288

Nesse ponto, acho ainda necessário fazer menção ao chamado magnetismo animal, ou melhor, ao mesmerismo (como deveria ser chamado, graças a Mesmer, seu fundador), que difere da natureza de todos os outros medicamentos. Essa força curativa, muitas vezes intensamente negada e difamada ao longo de um século inteiro, esse maravilhoso e inestimável presente com que Deus agraciou o Homem, mediante o qual, através da poderosa vontade de uma pessoa bem intencionada sobre um doente, por contato, ou mesmo sem ele e mesmo a uma certa distância, a força vital do mesmerizador sadio, dotado com essa força, aflui dinamicamente para um outro individuo, agindo de diversas maneiras: enquanto substitui no doente a força vital deficiente em vários pontos de seu organismo, em outros, onde a força vital de se acumulou em demasia, causando e mantendo indescritíveis padecimentos nervosos, desvia-a, suavizando-a, distribuindo-a equitativamente, extinguindo principalmente o distúrbio mórbido do principio vital do doente e substituindo pela força vital normal do mesmerizador que age poderosamente sobre ele, por exemplo, velhas úlceras, amaurose, paralisias parciais, etc. Muitas curas rápidas aparentes realizadas por magnetizadores animais de todos os tempos dotados de grande força natural pertencem a essa categoria. Mas a ação da forma humana comunicada a todo o organismo se evidencia de modo mais brilhante na reanimação de algumas pessoas que permaneceram algum tempo em morte aparente, mediante a vontade muito poderosa e muito acolhedora de um individuo em pleno gozo de sua força vital*, um tipo de reanimação do qual a história aponta vários exemplos. Se o mesmerista de um outro sexo é capaz, ao mesmo tempo, de um benévolo entusiasmo (mesmo degenerando na geatice, fanatismo, misticismo ou sentimentalismo altruísta), então ele estará ainda mais em condições, mediante essa conduta filantrópica e abnegada, de, não somente, dirigir a força de sua bondade predominante exclusivamente ao objeto carente de sua ajuda, mas também como que ali concentra-la, assim operando, por vezes, aparentes milagres.

 

* Especialmente uma dessas pessoas que são poucas entre os Homens e que, além de uma grande bondade e perfeita força física, possui o desejo sexual muito moderado ou nulo e nas quais, portanto, a grande quantidade de sutis fluidos vitais, que em todos os Homens está pronta a ser empregada na formação do esperma, está prestes a transmitir-se a outras pessoas, através do poderoso contato. Conheci alguns magnetizadores com grande poder que possuíam todas essas características peculiares.

 

289

Todos os tipos mencionados de prática do mesmerismo baseiam-se num afluxo dinâmico de maior ou menor força vital no paciente, sendo conhecidos, por isso,  como mesmerismo positivo*. Contudo, uma prática oposta do mesmerismo merece ser chamada de mesmerismo negativo, pois age de modo contrário. A essa categoria pertencem os passes que são empregados para despertar do sono sonambúlico, bem como todos os processos manuais que foram catalogados sob o nome de acalmar e ventilar. Essa descarga, através do mesmerismo negativo da força vital acumulada em excesso, em partes isoladas do organismo de pessoas não debilitadas, se faz de modo mais certo e mais simples, efetuando-se um movimento rápido do alto da cabeça até a ponta dos pés com a palma da mão direita estendida paralelamente a uma distância de cerca de uma polegada do corpo**. Quanto mais rápido for esse passe, tanto mais forte será a descarga. Assim, por exemplo, por ocasião da morte aparente de uma senhora, até então sadia***, ocasionada pela suspensão repentina da menstruação, em virtude de um intenso abalo psíquico, a força vital acumulada provavelmente na região precordial, através de tais passes negativos rápidos, é descarregada e retoma o equilíbrio em todo o organismo, resultando, imediatamente, o restabelecimento****. Assim também um passe negativo suave, um pouco menos rápido em pessoas muito sensíveis, suaviza a excessiva inquietação e a insônia com ansiedade, que provêm, muitas vezes, da aplicação de um passe positivo muito forte, e assim por diante.

 

  • Apresso-me em lembrar aqui, que quando me referi à força curativa segura e enérgica do mesmerismo positivo, não me reportava a seu abuso altamente reprovável em que, mediante passes dessa espécie, repetidos a cada meia hora, de hora em hora ou mesmo diariamente, produz-se, em doentes de nervos débeis, esse monstruoso transtorno de toda personalidade humana que se chama sonambulismo e clarividência (clairvoyance), no qual o Homem, subtraído do mundo dos sentidos, parece pertencer mais ao mundo dos espíritos – em estado profundamente antinatural e perigoso, por meio do qual muitas vezes se tentou, em vão, curar doenças crônicas.

 

** Que a uma pessoa a ser magnetizada positiva ou negativamente não é permitido absolutamente vestir seda em qualquer parte do corpo é uma regra já conhecida, menos conhecido, entretanto, é o fato de que, se o próprio mesmerizador estiver sobre um tecido de seda, poderá transmitir sua força vital ao doente de modo mais completo do que se mantiver seus pés apenas no chão.

 

*** Daí um passe negativo, especialmente muito rápido, ser sempre extremamente prejudicial a uma pessoa cronicamente débil e de pouca vitalidade.

 

 

 

290

A essa categoria pertence também, em parte, a chamada massagem feita por uma pessoa vigorosa e benévola em um individuo que foi doente crônico, que, embora curado, encontra-se em lenta convalescença, sofrendo ainda de enfraquecimento, digestão débil e insônia. Ele segura separadamente os músculos dos membros do doente, peito e costas, comprimindo-os e, como que batendo moderadamente, a fim de, com esse procedimento reanimar o principio vital, de modo que a reação deste restabeleça o tônus dos músculos e dos vasos sanguíneos e linfáticos. A influência mesmérica é, naturalmente, elemento principal neste procedimento de que não se deve abusar em pacientes ainda portadores de um psiquismo sensível.

 

291

Os banhos de água pura se prestam, em parte como paliativos, em parte, como meios de auxilio homeopaticamente úteis na restauração da saúde em males agudos, bem como na convalescença de doentes crônicos recém-curados, devendo-se levar em conta a condição dos convalescentes e a temperatura dos banhos, a duração e a repetição dos mesmos. Eles proporcionam, contudo, ainda quando bem aplicados, apenas mudanças físicas e benéficas no organismo doente, não constituindo, por si mesmos, verdadeiros medicamentos. Os banhos mornos de 25º  até 27º servem para despertar a irritabilidade adormecida da fibra responsável pelo entorpecimento da sensação nervosa num morto aparente (afogamento, congelamento, asfixia). Embora apenas paliativos mostram-se, muitas vezes, amplamente eficazes, principalmente quando associados à administração de café e fricções, podendo prestar ajuda homeopática em casos em que a irritabilidade nervosa está distribuída e acumulada de maneira muito desigual em alguns órgãos, como em certos casos de espasmos histéricos e convulsões infantis. Do mesmo modo, agem homeopaticamente os banhos frios de 10 a 6 graus na convalescença de pessoas com calor vital deficiente curadas de doenças crônicas por medicamentos, mediante imersões instantâneas, repetidas após, com mais freqüência, como restauração paliativa do tônus da fibra exaurida. Tendo isso em vista, tais banhos deverão ser mais demorados, durando até minutos, com temperatura cada vez mais baixa. São um paliativo que, por agir apenas fisicamente, não estão associados à desvantagem de uma temida reação oposta, como ocorre nos paliativos dinamicamente medicamentosos.

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