
Não há doente psicossomático, como também não há doença psicossomática. Há uma abordagem psicossomática dos doentes. A psicossomática poderia ser definida como uma leitura especifica da doença.
Psicossomática

As escolas de Medicina Psicossomática e Homeopatia não se excluem, se completam. A Homeopatia encontra na Medicina Psicossomática uma aliada na individualização do paciente. A Medicina Psicossomática enriquece o conhecimento do substrato anatômico e funcional e a Fisiopatologia da Doença e a Homeopatia aprofunda o conhecimento antropológico. O conhecimento integrado da Medicina Psicossomática e Homeopatia põe o Homeopata em condições de abordagem holística do paciente ao invés de cair em um psicologismo abstrato ou restrição à biologia animal.
Escola psicossomática americana:
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Alexander (1967) - foi quem mais imprimiu sua marca numa concepção psicossomática que resulta numa ´neurose do órgão´. Ele mostra a existência de patterns psicossomáticos, que são expressões do corpo ligadas a estados emocionais; por exemplo, as lágrimas e a tristeza, mas também a hipertensão arterial e a raiva. Ele expõe a evolução das lesões anatômicas ´do funcional para o orgânico´. Distingue, enfim, a expressão das emoções de acordo com sua natureza ativa ou passiva, pelas vias orto - ou parassimpaticas.
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Dunbar (1948) - concede prioridade não mais à natureza da emoção, mas à da personalidade. Assim, ela é levada à descrição de perfis de personalidade qualificados pela doença observada, o do hipertenso ou do diabético, por exemplo. O aparecimento da doença nesse terreno particular poderá ocorrer por via exógena ou endógena, em função da vivência emocional em relação ao sistema consciente/inconsciente.
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Alberto Seguin (1950) - desenvolve a teoria da Gestalt: um conjunto de comportamentos psíquicos e somáticos específicos a um indivíduo que levam a uma certa predisposição mórbida.
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Laborit (1974) - é autor da teoria da inibição da ação, segundo a qual o sistema nervoso pode ser visto como organizado em função da noção de ´finalidade da ação´. Quando esta não é satisfeita, quase sempre por um processo de inibição da ação, podem acarretar disfunções orgânicas capazes de resultar em lesões anatômicas.
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Dantzer (1989) - situa a questão referindo também as pesquisas experimentais animais. Ele salienta as articulações anatomofisiológicas por intermédio das citocinas. Insiste numa visão globalizante e sistêmica do organismo e nas relações entre o cérebro (suporte da psique) e o corpo. No capítulo ´As lógicas da doença psicossomática´, ele conclui: "Começamos a compreender o jogo sutil das interações, não entre ´psiquismo´ e ´soma´, mas entre o cérebro e os outros sistemas orgânicos que participam da adaptação. Recolocada no contexto dessas interações, o que chamamos influência dos fatores psíquicos sobre a doença, aparecerá, na verdade, não mais como um acontecimento isolado, mas como subproduto d uma necessidade biológica, a de uma participação da totalidade do organismo na luta contra os agentes patogênicos".
A medicina homeopática responde à mesma preocupação da medicina psicossomática. Tem uma abordagem psicossomática dos doentes e uma leitura específica da doença. Para ela, trata-se mesmo de uma abordagem sistemática e sistêmica. Abordar as relações da psicossomática com a Homeopatia nos obriga a situar-nos relativamente às questões-chave estabelecidas pela psicossomática; o que faremos com uma intenção terapêutica mais presente, que nos permitirá abordar o que constitui a especificidade da terapêutica homeopática.
Questões-chave da psicossomática na Homeopatia
A conversão
Caracteriza-se pela existência de sintomas funcionais objetivos para o médico, mas que não correspondem a nenhuma lesão anatômica observável. É também um sintoma no sentido psicanalítico do termo, ou seja, um compromisso entre um desejo e sua interdição, cujo sentido é da ordem do símbolo. Trata-se aqui do corpo, real e imaginário, e da linguagem. O inconsciente, sua elaboração na primeira infância em seu componente de sexualidade, e a relação médico-paciente são os elementos indispensáveis para a compreensão da problemática da conversão somática e, portanto, de sua abordagem terapêutica. O lugar da fala aqui é importante.
O funcional
Trata-se de um conjunto de sintomas descritos pelo doente, mas que, para o médico, não são postos em correspondência com imagens lesionais anatômicas. Frequentemente, ele leva a recorrer a diferentes especialistas com a inscrição da noção de ´clivagem´ ou de ´fragmentação´ e a conluio do anonimato, pela qual a pessoa não assume a responsabilidade da situação, ou ainda, a confrontação com a loucura, a alienação, quando a consulta do psiquiatra é brandida como uma ameaça. Imagem do espelho do que ocorre no doente funcional, onde o corpo ´toma a palavra´ para mostrar, expressar o sofrimento existencial do ser que não pode (ainda) falar. Então é necessário, para o Terapeuta, escutar o sintoma e aquele que o expressa, numa escuta global: ´(...) o sintoma é captado, tomado numa relação do sujeito consigo mesmo, com seu corpo, com os outros e com o mundo. Como tal, ele nada é, fora do sentido que lhe podem descobrir (...) A abordagem do sintoma em seu verdadeiro registro de escuta necessita aqui que, a propósito do funcional, o médico ultrapasse o hiato que esse termo anuncia quando, entre um discurso científico sobre a vida e a doença e um discurso psiquiátrico sobre a alienação e a alma sofredora, ele não dá ganho de causa a nenhuma das partes. Trata-se aí de um dos terrenos de eleição da medicina homeopática. O homeopata sabe ser aquele que escuta e aquele que trata. O sintoma fala a quem sabe ouví-lo. Essa escuta pode ser feita em diferentes níveis, de diferentes maneiras. O homeopata, como qualquer terapeuta, ingressa no campo da fala e de seu poder terapêutico. Desse modo, ele não foge dos acontecimentos relacionais comuns a todos nessa área. Como qualquer terapeuta, ele tem de aprender a conhecê-los, a controlá-los e a dominá-los.
A articulação psicossomática
Trata-se aqui de um sujeito que sofre de uma doença com sintomas objetivos e que apresenta os problemas de uma relação qualquer com a psique. Ela se expressa no nível da ruptura do epistemológico entre o fisiológico, expressão do corpo, e a palavra, expressão da psique: ´Assim, cada qual com seu discurso: o da ciência médica, que, para conhecer melhor os fundamentos biológicos do corpo, exclui deles o sujeito; o da psicanálise, que, para melhor conhecer o sujeito, exclui dele os fundamentos biológicos. Entretanto, o doente ´psicossomático´ apresenta novas questões e reintroduz a relação entre corpo e mente, entre biologia e psique, estabelecida pela psicanálise em seu advento e depois abandonada por ela (...) A psicossomática reside no seguinte paradoxo: enquanto o conhecimento se esforça para apreender o humano como um todo, para introduzir uma articulação entre o sujeito e o fenômeno biológico, o sujeito, na verdade, se esconde, como um portador de uma fala carregada de sentido (...) O drama da soma é uma história sem fala (...) a compreensão do sintoma foge à fala do sujeito´. O lugar da palavra pode situar-se num lugar qualquer. O sentido pode vir de fora. E pode haver lugar ali para o sociocultural, para um ´duplo escoramento´. ´Sem dúvida, podemos designar pelo nome de escoramento a articulação do psíquico sobre o social, da interiorização mental da palavra de outro, do mesmo modo que designamos com esse termo a articulação do psíquico sobre o biológico´. Trata-se então de relações do humano com seu ambiente que colocam o pensamento num nível ecológico. Mas aqui se encontra um novo passo a ser dado em termos de globalidade: ´De que maneira, com um pensamento dualista, pode o homem perceber a globalidade de seu ser?´ O duplo escoramento que mencionamos permite introduzir na articulação corpo-linguagem-social o campo do mistério´. Talvez seja aqui que devemos tornar a referir a dimensão espiritual do humano, ao lado da qual podemos também lembrar a ´necessidade do irracional e do pensamento mágico´, que ´dá um sentido essencialmente racional à vida da qual somos todos ávidos´. E talvez, então, poderemos perceber o indizível desse grito do corpo. ´No diálogo projetado, o corpo substitui o poder divino´. Essa ferida, essa solução de continuidade entre psique e soma pode dar lugar ao desenvolvimento da noção de cicatriz. Essa cicatriz, como imagem que mostra o que permanece inscrito no corpo e que evoca algo da ordem da perda, da escâncara, e também, ao mesmo tempo, da continuidade restabelecida, do fechamento, da obturação. Há cicatrizes visíveis, como o umbigo que todos carregamos dentro de nós mesmos. Haverá vestígio mais evidente de uma dependência, convertida em independência, de um funcionamento harmonioso, mas desta vez autônomo, de um novo ser? Há também cicatrizes não-visíveis que depõem. Algumas querem mostrar-se. Viver com sua cicatriz, tornar a aceitar seu corpo modificado não pode ser um estado estável, cotidiano; conta apenas a trajetória essencial, aquela que, além das aceitações e das rejeições, leva o sujeito para além do objeto de sua cicatriz.
O poder do analógico
O poder do analógico age em diferentes níveis. Encontra-se no centro das especificidades da consulta homeopática, anteriormente evocadas, e que de certa forma o expressam. Uma das especificidades nos interroga sobre o impacto terapêutico dessa consulta. Essa especificidade é a da qualidade da relação entre o sujeito que expressa seu sofrimento e o homeopata, que a leva em conta quando a questiona. O interrogatório, que às vezes insiste longamente sobre as modalidades, estabelece, assim, um modo de relação de tipo compassivo com o doente. O homeopata mostra que ele percebeu o sofrimento e, por suas perguntas, lhe dá, se não um sentido, pelo menos um valor, um lugar na ´economia psicossomática global´. Como é importante então para a pessoa o sentimento ´de ter sido levado a sério´, em eco àqueles ´falsos doentes que não têm nada´, e ´de ter sido ouvida, ou até mesmo compreendida´. É verdade que os sintomas expressos pelo corpo também fazem eco em outro nível, de uma forma que pode ser a do sofrimento existencial do ser, expresso por seus sintomas. Assim, na Matéria Médica homeopática, os dois níveis estão presentes. Na de Kali carbonicum, por exemplo, encontramos sintomas digestivos e também a indicação sobre a noção de tipo sensível: trata-se de uma pessoa ´cuja sensibilidade exacerbada faz com que ela perceba tudo na concavidade epigástrica´. Nesse sentido, numerosos exemplos poderiam ser citados. Também deve-se falar da segunda leitura da história da pessoa que apresenta um eczema e cuja escuta em outro registro permitirá descobrir que ela guarda dentro de si um profundo sentimento de raiva e de revolta, estabelecido em circunstâncias bem precisas, durante as quais ela não pôde expressar esses sentimentos, que foram, assim, recalcados. Staphysagria talvez seja, então, o medicamento que permitirá melhorar o funcionamento psico e fisiodinâmico dessa pessoa, melhorando, por um lado, o eczema e, por outro, ajudando-a a ´mebatolizar o bloqueio psicodinâmico´. Assim, o ciúme, revelado, pode fazer lembrar medicamentos como Lachesis, Nux vomica ou Hyosciamus. Inversamente, a semiologia homeopática de Lachesis, por exemplo, pode, em determinadas condições, estabelecer a questão do ciúme e abordá-lo, então, numa perspectiva terapêutica. Há um vaivém permanente entre a prescrição homeopática de um medicamento e a atitude psicoterapêutica, como há entre os sintomas somáticos e os sintomas psíquicos. É esse vaivém que, como uma lançadeira, tece a consulta do homeopata nessa trama.
A Homeopatia: um recurso terapêutico original
No campo psicossomático, o homeopata poderá propor e utilizar um recurso terapêutico original em resposta às questões concernentes à noção do sentido ou à localização do sintoma ou, ainda, a da própria articulação psicossomática. Assim, confrontado à noção do sentido do sintoma, o homeopata assume uma posição particular. A decodificação, o referencial do sintoma apresentado pelo doente lhe é feito pela grade de leitura patogenésica. Para o homeopata, o sentido do sintoma se estabelece a partir dos dados patogenésicos da Matéria Médica. Sua escuta, então, nunca é vazia de sentido. E é através da relação homeopata-paciente, na modificação do ´estado´ e do ´ser´, da ´vivência´ e da ´idéia´ do homeopata sobre a questão do sentido, que podemos indagar-nos a respeito de uma ação terapêutica. Outro ponto que intervém na percepção do sentido do sintoma psicossomático pelo homeopata é o da ´reunificação da pessoa´. O interrogatório habitual da consulta homeopática é diversificado e mais sistematizado, mais rico do que o interrogatório médico comum. O método de consulta e de prescrição induz um método de comportamento de que necessitamos estar conscientes. O fato de colocar lado a lado perguntas que dizem respeito aos diferentes setores do organismo uns após os outros, partindo da própria queixa do sujeito, é um processo que o recoloca na globalidade de seu ser. Mesmo o setores mudos têm assim o direito de expressar-se pelo silêncio. E podemos indagar-nos sobre a ação terapêutica desse efeito de exposição e desse efeito de correspondência. Tanto mais que a prescrição medicamentosa, após uma consulta exaustiva, pode ser concretizada pela ´prescrição de um só medicamento unitário´. Podemos, então, reapoderar-nos da expressão segundo a qual ´a linguagem do corpo capta o fisiológico para torná-lo psíquico´. Quanto à questão da localização dos sintomas, cujo referencial é patogenésico, a Homeopatia soube desenvolver a noção de tipo sensível, que corresponde na maior parte das vezes à descrição de um perfil psicofisiopatológico. Essas correspondências não deixam de lembrar a descrição dos ´perfis de personalidade´ de Dunbar, ou a evolução dinâmica do funcional para o lesional, e também o conceito de paterns de Alexander. Além disso, a localização dos sintomas de referencial patogenésico permite que se possa ´contornar´ a ´relação vazia´ psicossomática para poder prescrever, em analogia com essa forma de expressão, no mesmo registro modal. Como o doente psicossomático está centrado no instrumento, o homeopata pode centrar-se no medicamento homeopático como ferramenta eficaz no nível dos sintomas, com resultados terapêuticos interessantes, considerando a especificidade do método analógico de prescrição. Por exemplo, uma retocolite úlcero-hemorrágica pode ser utilmente tratada por medicamentos como Mercurius corrosivus ou por Arsenicum album, prescritos sobre os sintomas locais na ausência de sintomas psíquicos comportamentais evocadores importantes. É verdade que esses medicamentos também têm, em suas patogenesias, efeitos sobre o comportamento que não estão dissociados, mesmo pela escolha da diluição, e para os quais podemos indagar-nos sobre uma ´ação secundária´. Além do mais, com muita frequência, os doentes que estabelecem esse tipo de relação com o homeopata podem assim, beneficiar-se de uma prescrição medicamentosa, instituindo a permanência de um vínculo terapêutico farmacodinâmico e, por seu intermédio, de um vínculo psicossomático. Uma indagação diz respeito ao valor epistemológico da indagação sobre a localização. É incontestável que essa questão é muito importante no âmbito da medicina científica, para a qual são primordiais a imagem, a forma e o lugar de ser. Mas num quadro diferente, em que a maneira de estar doente se encontra em primeiro plano, a questão do lugar passa a ser secundária.